Vocês são eurocêntricos e tenho orgulho disso. Se considerarmos que as Américas e a Austrália são extensões bárbaras da Europa, praticamente todo o Calendário do Verde deste ano tem raízes no Velho Continente. Nada de Abu Dhabi, Indonésia ou esquisitices do tipo. Para dizer a verdade, havia apenas um circuito asiático que realmente fez falta no calendário do ano passado. Felizmente, vocês fizeram a escolha certa. Hoje, falo do Fuji Speedway.
Antes que você pense que vou gastar tempo e dedos para falar sobre aquele negócio xexelento, maricas e sem-graça utilizado pela Fórmula 1 em 2007 e 2008, antecipo-me dizendo que não falo sobre circuito banal no meu calendário. Posso ter escrito sobre Hungaroring e Valência, circuitos tão detestados quanto distintos, mas me recuso a fazer o mesmo para essas coisas medíocres compostas por um retão e um monte de curvas de primeira e segunda marcha. Falo da primeira versão de Fuji, utilizada entre 1965 e 1973. Circuito para samurais, e não para gueixas.
Não é muito fácil achar informações sobre a história do circuito, já que o site oficial é um dos piores que eu já vi… Enfim, vamos lá. No início dos anos 60, os japas queriam trazer corridas da NASCAR para seu arquipélago. Como qualquer um deve saber, a NASCAR corre majoritariamente em ovais. Então, mãos à obra. Em 1961, foi apresentado pelo arquiteto Charles Moneypenny um projeto de construção de um trioval de 2,5 milhas ao sopé do Monte Fuji. Quando desenvolveu a ideia, Moneypenny tinha em mente os célebres ovais de Pocono e Daytona. Parecia ideia de doido, mas o fato é que, apesar de ativo, Fujisan não entra em erupção desde 1770. Além disso, os japoneses são especialistas em contornar catástrofes naturais. É mais fácil nós sermos afetados por uma erupção do Fuji do que eles.
A construção do oval, cujo nome seria Fuji Speedway, foi iniciada em 1963 pela Japan NASCAR Corporation, empresa que cuidaria do circuito e dos futuros eventos da NASCAR no país. Houve um pequeno problema, no entanto: esta empresa não demorou muito para falir e a construção foi interrompida pela metade. Esta metade era composta por um retão separado por dois curvões inclinados em 30° e suportados por enormes bases, assim como nos bankings dos ovais mais antigos. Coisa mais bonita, impossível.
As obras do Fuji Speedway foram, então, adquiridas pela Mitsubishi Estate Co, uma das empresas da holding Mitsubishi e segunda maior companhia do setor imobiliário do país. Como o projeto de trazer a NASCAR para o Japão havia ido para o ralo, a Mitsubishi Estate decidiu completar o traçado com um trecho misto de modo a permitir provas de outras categorias. E assim foi feito. Em dezembro de 1965, o Fuji Speedway foi inaugurado com um trecho velocíssimo, que reaproveitava a parte originalmente construída para o oval, e uma parte sinuosa, mas ainda muito veloz. Além de tudo, a infraestrutura era impecável: torres de controle, garagem com rampas e arquibancadas excelentes para o público.
Só que o circuito era perigoso até mesmo para os padrões esquizofrênicos dos anos sessenta. As primeiras corridas foram realizadas no sentido anti-horário, e a primeira curva era nada menos que um mergulho extremamente íngreme em uma curva de oval inclinada em 30°! Não consigo pensar em nada mais carniceiro do que isso. O piloto inglês Vic Elford, que passou um tempo no Japão testando um Toyota V8 destinado para a CanAm, explicou que “o piloto chega ao topo do retão dos boxes a mais de 200mph para, imediatamente, dar de cara com uma curva de oval feita em descida íngreme”!
Os acidentes eram tantos que não demorou muito para que os donos do autódromo sensatamente decidissem inverter as coisas, com o sentido passando a ser horário. Só que a primeira curva neste sentido horário também não era muito menos perigosa: outro curvão inclinado e absurdamente veloz. Os acidentes continuaram e os donos do circuito decidiram diminuir a inclinação da última curva e substituir a primeira curva por um cotovelo em 1974. Foi a primeira grande reforma sofrida pelo Fuji Speedway. A partir daí, o belíssimo e perigosíssimo circuito começou a dar lugar a algo trivial e insípido. Desde aqueles tempos, os organizadores têm seríssimas dificuldades em conciliar desafio com segurança.
A versão a ser tratada, como não poderia deixar de ser, é esta que vigorou entre 1965 e 1973 e que matou um bocado de japas, sendo o sentido horário. A melhora na segurança do Fuji Speedway atraiu a Fórmula 1, que sediou duas corridas por lá em 1976 e 1977. A primeira foi lendária, com chuva torrencial, título definido em favor de James Hunt e volta mais rápida de Masahiro Hasemi e seu Kojima, carro construído por uns parentes meus. A segunda foi marcada por um acidente entre os malucões Gilles Villeneuve e Ronnie Peterson, que resultou na morte de dois espectadores.
Depois de receber a Fórmula 1, Fuji passou a sediar corridas do Mundial de Protótipos entre 1982 e 1988. Como as velocidades seguiam altas, foi decidido colocar uma chicane safada antes do último curvão em 1985. No fim dos anos 80 e início dos anos 90, o principal evento anual realizado em Fuji era uma corrida internacional de Fórmula 3, nos moldes do Grande Prêmio de Macau. Um que venceu uma edição desta corrida foi Michael Schumacher, o próprio.
Em 1993, fizeram mais uma reforma e transformaram a antiga Suntory em uma curva de baixa velocidade. Sete anos depois, a Toyota comprou todas as ações do autódromo, fez uma extensa reforma e anunciou que planejava tomar o Grande Prêmio de Fórmula 1 das mãos de Suzuka a partir de 2007. O novo traçado, bolado pelo arquiteto oficial Hermann Tilke, é um cuspe na cara de quem pensa na versão original. Não por acaso, a Toyota conseguiu o que queria e Fuji constou nos calendários de 2007 e 2008 da categoria maior. As corridas foram ótimas, mas a Toyota precisava cortar uns custos e Fuji caiu fora da Fórmula 1 após apenas dois anos.
TRAÇADO E ETC.
Suponhamos que foi entregue a um psicopata um lápis, uma borracha, uma folha A4 e toda a liberdade poética disponível. É ordenado ao psicopata que desenhe um circuito. Sem grandes surpresas, o sujeito o fará com toda a sua raiva e o seu espírito maníaco incontidos, pondo no papel uma verdadeira armadilha medieval, capaz de criar uma série interminável de viúvas e órfãos. O desenho está pronto. O psicopata acabou de desenhar a primeira versão do circuito de Fuji.
Como falei lá em cima, o Fuji Speedway era perigosíssimo, talvez o circuito mais perigoso já visto no Calendário do Verde. Entre 1965 e 1973, segundo o Motorsport Memorial, sete pilotos faleceram por lá. Para um circuito que não recebia lá tantas corridas, um número inegavelmente alto. Embora eu considere que o perigo é absolutamente inerente às corridas, devo confessar que, infelizmente, o circuito realmente precisava de mudanças fundamentais. Digo infelizmente porque ele era belíssimo.
Com 5,999 quilômetros de extensão (faltou um metro só!) e quinze curvas, Fuji era um circuito de velocidade absurda. Para se ter uma ideia, o recorde desta pista foi feito pelo australiano Vern Schuppan, que fez 1m32s57, com média de velocidade de 232km/h! O detalhe mais impressionante é que o carro utilizado era um March-Ford de Fórmula 2, que não ultrapassava os 300cv! Há apenas um ponto de freada, o Hairpin. No restante do circuito, no máximo, tira-se o pé do acelerador.
Tirando a questão da segurança, não há muito o que reclamar. O cenário é uma beleza à parte, com o Monte Fuji sendo avistado lá do início do último curvão. As áreas de escape, como costumava acontecer em todo circuito daquela época, eram risíveis e uma escapada de pista poderia mandá-lo direto para o caixão. Apesar da pista não ser extremamente larga, as ultrapassagens são sempre possíveis, embora nem sempre recomendáveis. Enfim, Fuji teria tudo para ser o melhor circuito de todos se as pessoas tivessem sete vidas.
Confira os trechos:
RETA DOS BOXES: É o retão dos boxes, ué. No projeto original, esta seria a grande reta do trioval de 2,5 milhas. Inicia-se em subida e segue em descida sutil. Na versão atual, esta reta tem 1,5 quilômetros. E vale lembrar que ela foi cortada de 1973 para cá. Imagino que a versão antiga tinha mais de dois quilômetros.
DAIICHI: Uma boniteza que nunca mais será vista no automobilismo moderno. Trata-se de uma curva feita à direita de raio extremamente longo e inclinação de 30°. Do lado esquerdo, uma mureta baixa. Como a inclinação e o raio são enormes, o piloto pode manter o pé cravado no acelerador. Se há um problema qualquer e o piloto perde o controle, um abraço.
BANKING: Confesso que não consegui identificar direito o nome deste trecho, mas há quem diga que se chama Banking. É uma sequência de duas curvas de raio longo. A primeira é feita à direita e tem 180°. Logo em seguida, o piloto vira à esquerda e completa outro trecho de 180°. Não é um trecho muito largo, o guard-rail está sempre próximo e o piloto apenas controla a velocidade no acelerador, sem frear. Um bom convite para a morte, portanto.
SUNTORY: É uma dessas típicas curvas patrocinadas. A Suntory, no caso, é uma das maiores fábricas de bebidas do Japão. Trata-se basicamente de uma perna feita à esquerda em alta velocidade. O piloto apenas esterça o volante e segue acelerando.
100R: Este é basicamente o primeiro trecho onde o piloto realmente tira o pé. Trata-se de uma curva de 180° e raio longo feita à direita. Apesar disso, o freio só é necessário para carros mais desequilibrados ou pilotos medrosos.
HAIRPIN: Este é, efetivamente, o trecho mais lento de todo o circuito, o único onde o piloto realmente pisa no freio e diminui algumas marchas. É uma curva feita à esquerda que lembra um pouco o Hairpin de Suzuka. O trecho de baixa velocidade acaba aí.
300R: Uma curva feita à direita que não acaba mais. O piloto segue acelerando e esterçando levemente à direita esperando pelo próximo trecho. Há leve inclinação e leve mudança de relevo.
ÚLTIMA CURVA: Ela não tem nome, mas bem que mereceria. Trata-se de uma curva à direita de raio longo que forma 90°. Além da inclinação de 30°, ela é feita em subida. Um trecho belíssimo, que pode ser visto no final do primeiro vídeo abaixo. Quando a pista era no sentido anti-horário, esta curva era a primeira e os carros faziam esta curva em descida. Sensacional, não?
Dois vídeos. Um feito com um carro GT em 1970. O outro é uma volta de um Fórmula 1 moderno no jogo rFactor.
Pedro de la Rosa em Montreal: um eterno tapa-buracos
Pedro de la Rosa almoçava com, sei lá, dois colegas da McLaren. Comiam uma macarronada insossa com ralo molho sugo e sem queijo ralado, do jeito que os nutricionistas dos pilotos costumam recomendar. Não é o melhor macarrão do mundo. Sabe como é, ingleses são infelizes na cozinha, só servem para fazer bolos e chás. Melhor seria almoçar no motorhome da Ferrari. A italianada que é feliz. O tagliatelle deles, regado a poderoso vinho tinto, é de se comer levando chibatadas. Voltando.
Pedro de la Rosa almoçava com seus colegas da McLaren quando uma balzaquiana de cabelos pretos e indumentária branca surge no motorhome. É Monisha Kaltenborn, diretora de gestão da Sauber. O que faz aqui, Monisha? Está com fome? Senta aí, mas a macarronada da Ferrari é melhor. Mas a quase quarentona não queria comer. Sua apreensão era enorme.
– Pedro, você está pronto? É provável que você tenha de assumir o carro.
– O que aconteceu?
– O Sergio está cheio de frescura, passou mal depois de pilotar e pediu para não voltar à pista.
De la Rosa olha no relógio. São 13h50. O segundo treino livre do Grande Prêmio do Canadá começaria em dez minutos.
– Mas faltam apenas dez minutos para o treino!
– Não tem problema.
Tirando algumas intervenções minhas, tudo o que foi descrito aí realmente aconteceu. Pedro de la Rosa foi chamado para correr no lugar do mexicano Sergio Pérez enquanto almoçava. Como os senhores sabem, Pérez sofreu um acidente feio no treino classificatório do Grande Prêmio de Mônaco e acabou tendo uma pequena concussão cerebral. No fim de semana canadiano, ele chegou a fazer um treino livre, mas não se sentiu bem e pediu para ir para casa. No lugar, o velho espanhol.
Pedro pegou capacete, macacão e balaclava da McLaren, correu para os boxes da Sauber e entrou no carro de qualquer jeito. Os pedais sequer foram ajustados para o veterano catalão e foi instalado o banco utilizado pelo próprio no ano passado. E ele entrou na pista faltando 22 minutos para o fim da sessão. Deu 14 voltas e fez o 18º tempo.
De la Rosa em seu eterno cargo de piloto de testes da McLaren
Depois, Pedro fez o 17º tempo na classificação e andou direito na corrida, terminando em 12º. Para uma Sauber que parece ter acertado a mão no carro desta temporada e que marcou pontos em todas as corridas até aqui (desconsiderando a desclassificação australiana), o resultado pareceu meio inútil. Para De la Rosa, por outro lado, o resultado foi… igualmente inútil.
Pedro de la Rosa tem 40 anos. Ao lado de Michael Schumacher, é um dos dois quarentões que correram em Montreal. As semelhanças, no entanto, terminam aí. Schumacher dispensa maiores comentários: é heptacampeão mundial, bilionário e todo cheio da marra e da moral. De la Rosa é praticamente o oposto disso, de carreira discretíssima e irregular na Fórmula 1. Contabiliza 85 corridas, 35 pontos e um pódio, obtido no Grande Prêmio da Hungria de 2006 com um McLaren. Schumacher voltou à Fórmula 1 com tapete vermelho, altas expectativas e enorme aprovação popular. De la Rosa entrou basicamente pela porta dos fundos.
É difícil entender o que motiva um piloto como Pedro de la Rosa a se sujeitar a esse papel de eterno piloto de testes e eventual tapa-buracos. Após ser demitido da Sauber antes do fim da temporada passada, ele retornou à McLaren, equipe que o abrigou como piloto de testes entre 2003 e 2009, para não fazer merda alguma. Na teoria, ele é piloto de testes e terceiro piloto. O que isso significa na prática?
Nada. O cargo de piloto de testes é dividido com o britânico Gary Paffett. Este, todavia, se mantém na ativa pilotando um Mercedes Classe C na DTM. Como o número de testes é limitadíssimo, nenhum dos dois conseguiu pilotar um McLaren neste ano. Resta a eles experimentarem o MP4/26 em simuladores. É como se você fosse pago para ficar brincando de rFactor. É divertido em um primeiro momento, mas enche o saco com o passar do tempo.
Ser piloto reserva da McLaren tem a vantagem óbvia de permitir que você seja o dono do brinquedo no caso de Lewis Hamilton ser preso ou Jenson Button ficar com diarreia. Mas qual é a possibilidade dessas coisas acontecerem? A não ser que você pertença à equipe de um Mark Webber ou de um Robert Kubica da vida, não há grandes chances de você tomar o lugar de um titular. A espera pode ser inócua.
Alexander Wurz: caso de piloto de testes que acabou decidindo pela vida fora da Fórmula 1
Não tenho nada a ver com isso, é claro, mas é visível que De la Rosa ainda insiste na Fórmula 1 pelo conformismo, pela preguiça e pela segurança de ser remunerado e manter contato com o paddock da categoria sem fazer nada. É claro que muitos, e isso certamente me inclui, adorariam estar na sua condição. Mas para um sujeito que tem uma carreira de quase vinte anos e que já passou por muita coisa até chegar à Fórmula 1, será que não há outros horizontes?
Vejo outros exemplos. Após ser demitido da Benetton no final de 2000, o austríaco Alexander Wurz assinou com a McLaren para testar os carros prateados da equipe. Eram outros tempos. O cargo de piloto de testes da equipe, historicamente, parecia promissor, uma vez que Olivier Panis havia conseguido voltar às corridas após apenas um ano testando suspensões e motores por lá. Além disso, os testes eram totalmente liberados e a McLaren torrava fortunas com eles. Wurz fez sei lá quantos testes entre o fim de 2000 e o fim de 2005. Corrida, ele só fez uma, o Grande Prêmio de San Marino de 2005, substituindo Juan Pablo Montoya. Terminou em terceiro.
Apesar do bom salário e do emprego sossegado, Wurz queria voltar a competir. Mas ficava claro que a McLaren não estava lá muito disposta a promovê-lo a titular. Então, ele decidiu ir para a Williams no início de 2006. O contrato era bem melhor: um ano de testes e outro como titular. E foi exatamente assim: Alexander testou exaustivamente em 2006 e correu como titular em 2007. Infelizmente para ele, a força financeira da Toyota falou mais alto e Kazuki Nakajima entrou em seu lugar a partir da última etapa daquele ano.
Obstinado, Wurz foi para a Honda em 2008 ainda sonhando com a titularidade. Mas a equipe japonesa era um enorme barco furado e fechou as portas no final do ano. E o que ele fez? Desistiu de vez dessa ideia de Fórmula 1 e foi embora. Assinou com a Peugeot para correr na Le Mans Series e, logo de cara, ganhou as 24 Horas de Le Mans. Hoje em dia, ele é um dos pilotos de ponta da categoria. Além de se divertir correndo e de ganhar uma boa grana, ele vence corridas.
Wurz, para mim, é o melhor exemplo de como esse negócio de só pensar em Fórmula 1 nem sempre dá certo. Um caso no outro extremo é o de Luca Badoer. O italiano, que só se arrastava com carros péssimos, decidiu largar essa vida cruel de backmarker e assinou com a Ferrari para testar carros em 1998. Tirando uma temporada feita como titular da Minardi, Badoer permaneceu como histórico piloto de testes até 2009. Neste último ano, ele foi chamado para fazer duas corridas em substituição a Felipe Massa, convalescente. Passou vergonha e deu lugar a Giancarlo Fisichella.
Luca Badoer, um piloto de testes convicto
A diferença entre Badoer e Wurz ou De la Rosa é que ele sabia que dificilmente faria uma corrida como titular da Ferrari. Se fosse para substituir alguém, seria melhor chamar o Jô Soares ou o Silvio Berlusconi. Na verdade, suas duas corridas em 2009 foram mais um presente da equipe italiana do que algo exatamente sério. Luca era basicamente o único piloto de testes convicto entre todos. Algo como Dario Benuzzi, um sujeito que nunca havia feito uma única corrida na vida, mas que testava os carros de Fórmula 1 da Ferrari nos anos 80.
Entre Wurz e Badoer, De la Rosa parece estar em um incômodo meio do caminho. Por um lado, o espanhol parece estar feliz por ser um aspone da McLaren. Por outro, por algumas declarações dadas há algum tempo, fica claro que ele ainda sonha com a titularidade. Em 2008, ele declarou que o ano seguinte seria o último no qual ele buscaria uma vaga de piloto de corridas na Fórmula 1. Se ela não viesse, ele se aposentaria em 2010. Para sua sorte, a Sauber o contratou e sua carreira pôde ter continuidade.
De la Rosa pode não ter sido um gênio em sua carreira na Fórmula 1, mas também está muito longe de ser um piloto patético. É inteligente, técnico e a McLaren o adora. Além disso, é um sujeito bastante afável e gente boa. Sinceramente, não sei o que ele ganha fazendo o que faz. Sua corrida canadense não serviu em nada para seu currículo. Ter terminado em 12º, 18º ou abandonado em um acidente com Jerôme d’Ambrosio não mudaria absolutamente nada. Não será um fim de semana que o fará um piloto melhor ou pior.
Para gente como ele, recomendaria o caminho tomado por Alexander Wurz. Larga essa vida de vaso de planta e vá utilizar sua experiência em qualquer outra categoria de ponta, como a Le Mans Series ou a DTM. Ao invés de ser ridicularizado por um punhado de torcedores mequetrefes, você virará rei em um campeonato divertido e fará uma boa grana. Enfim, pra que insistir na Fórmula 1 nessa altura da vida? Não é o único lugar do mundo para alguém que pilota carros.
É óbvio que eu escrevi tudo isso porque, no fundo, quero tomar seu emprego de aspone na McLaren.
Perdoem-me a foto, mas ESTE homem pode sentir medo de qualquer coisa relacionada a corrida de carro...
Não, não tem notas hoje. Não vi a corrida. Juro que tentei.
Veja como são as coisas. Na quinta-feira, a lenda inglesa Stirling Moss, 81 anos inegavelmente bem vividos, anunciou que estava finalmente se aposentando do automobilismo. Após seis décadas de relevantíssima carreira, Moss decidiu que finalmente era hora de parar de descansar um pouco.
A decisão foi tomada após o treino classificatório da Le Mans Legends, preliminar das 24 Horas de Le Mans disputada por carros antigos que fizeram história na corrida maior. Stirling pilotava um Porsche RS61 de 1961, carro utilizado pelo próprio nas 24 Horas daquele ano. “Eu sempre disse que se não tivesse condições de continuar competindo ou se estivesse atrapalhando outros competidores, me aposentaria. Nesta tarde, senti medo pela primeira vez. Eu amo corridas, mas é hora de parar”, disse aquele que obteve o vice-campeonato de Fórmula 1 em quatro ocasiões nos anos 50.
Três dias depois, tivemos um Grande Prêmio do Canadá estranhíssimo. Quando tivemos corrida, foi tudo divertido, embora eu só tenha visto as 25 voltas anteriores à bandeira vermelha e o pedaço final do compacto transmitido pela SporTV. Jenson Button e Michael Schumacher justificaram seus salários e títulos mundiais realizando duas das melhores atuações dos últimos anos. O alemão, em especial, mostrou aquilo que muitos críticos cegos seus sempre exigiram: arrojo e ultrapassagens. Até aí, tudo bem. Esta foi a parte positiva da corrida.
A negativa esteve ali para todos verem. Ou melhor, a uma parcela, já que muitos não se incomodaram, como sempre. Devido à chuva, não houve largada parada e as voltas 20 e 25 foram realizadas sob bandeira amarela, tudo isso antes da bandeira vermelha, que durou inaceitáveis duas horas e quatro minutos. Após a bandeira vermelha, os carros fizeram mais nove voltas antes da bandeira verde. E olha que nem considerei até aqui as três bandeiras amarelas causadas por acidentes (Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Nick Heidfeld). No total, 32 voltas foram realizadas atrás do safety-car, nada menos que 45% do total de 70 voltas.
Duas horas e quatro minutos. Tempo em que milhões de telespectadores, como este aqui, ficaram como otários esperando pelo reinício de uma corrida que prometia um bocado. Tempo em que dezenas de milhares de espectadores tomaram chuva e vento na cara esperando pelo mesmo reinício. Tempo em que emissoras de TV e rádio se borraram com a possibilidade de prejudicar suas programações. Respeito quem tem tempo e paciência para ficar esperando pelo nada. Eu não tenho.
Esse negócio de chuva na Fórmula 1 está se tornando, pouco a pouco, um tabu. Nos últimos quatro anos, tivemos três corridas interrompidas por questões meteorológicas (Europa/2007, Malásia/2009 e Bélgica/2010) e duas adiadas até o talo pelos mesmos motivos (Japão/2007 e Coréia/2010). Ou seja, cinco corridas recentes cujas dinâmicas foram bastante prejudicadas. Não muito antes disso, as coisas eram ligeiramente diferentes.
... mas ele ama o automobilismo e só sentiu medo, pela primeira vez, na semana passada. Impressionante
Até 2008, em termos relativos, poucas corridas foram interrompidas ou adiadas exclusivamente pela chuva. De cabeça, lembro-me que Austrália/1991 foi encerrada prematuramente, Bélgica/1989 e Austrália/1989 foram adiadas em vários minutos, Japão/1994, Bélgica/1997, Bélgica/1998, Bélgica/2000, Brasil/2003 e Brasil/2004 foram iniciadas atrás do safety-car e França/1999 e Malásia/2001 foram interrompidos com a entrada do safety-car. Algumas ocorrências não foram colocadas, já que as interrupções se deram por acidentes. Convenhamos que um panorama de onze corridas prejudicadas em vinte anos e outro de cinco corridas em quatro anos soam razoavelmente diferentes para uma pessoa com conhecimentos matemáticos típicos.
Vamos lá: o automobilismo de um modo geral, e a Fórmula 1 em particular, estão se tornando cada vez mais intolerantes com a chuva. Correr em pista molhada está sendo visto como algo muito “perigoso” e “inadequado”. Chuva forte é bom para ficar em casa comendo pipoca e vendo Sessão da Tarde, nunca para correr. O problema maior é que os burocratas do automobilismo não são muito hábeis em dosar uma atitude com relação a isso.
Em Montreal, ficou claro que a paranoia se instalou de vez quando a bandeira amarela foi acionada na primeira volta em que houve chuva forte. E mais claro ainda quando a relargada só foi autorizada, após duas horas de espera e mais nove voltas atrás do carro de segurança, quando já havia um trilho visível na pista. Dá para dizer tranquilamente que a Fórmula 1 só correu quando a pista esteve, no máximo, úmida. Aquele spray só aparecia em determinadas curvas e quando um piloto seguia fora da linha para tentar ultrapassagem ou ceder passagem.
Muitos alegaram que a pista estava intransitável e a água era extremamente abundante. Eu percebi isso, não sou cego desde minha cirurgia que corrigiu minha miopia. Correr na chuva, de fato, é meio caminho andado rumo a um acidente. Medroso que sou, recuso-me a dirigir quando chove forte. Mas aí hás umas diferenças. Fundamentais, aliás.
O automobilismo surgiu no início do século XIX como uma daquelas atividades que testam capacidades físicas e psicológicas de um ser humano de maneira exaustiva. Barões desocupados e mecânicos obstinados entravam em carros ridiculamente inseguros que chegavam a 70 ou 80km/h para competir em estradas e pistas de terra mundo afora. Cinto de segurança, capacete e santantônio não existiam. KERS e macacão de nomex pareciam coisas de ficção científica no melhor estilo Orson Welles trollando em um rádio. Uma batida a 80km/h em um poste ou um muro acabava com tudo, principalmente com o condutor. Enfim, correr de carro era coisa de maluco. Mais: de idiota.
Mas o povão gostava. Multidões se reuniam às margens das pistas observando os destemidos pilotos manejando volantes com destreza jamais imaginada por um condutor de carroças ou cavalos. Mortes aconteciam, mas faziam parte do jogo. Esportes perigosos eram dos mais atraentes, talvez remetendo aos tempos em que lunáticos se lançavam aos mares buscando novas terras ou povos inteiros se digladiavam tendo como prêmio maior uma vila, alguns montes de riqueza ou pura honra.
Hoje em dia, tome safety-car!
Resumindo: o automobilismo sempre fascinou pelo perigo. Este, por sua vez, incluía correr tendo de lidar com as condições mais complicadas e extremas possíveis, como o frio, o calor, a mudança de pisos, a possibilidade de problemas… e, é claro, a chuva. Garanto que a maioria dos fãs bem antigos, aqueles que acompanhavam as corridas in loco, gostava de ver o sujeito arriscando o pescoço em um sobressalto de uma pista de rali, em um circuito veloz a bordo de um monoposto ou em uma corrida noturna de longa duração a bordo de um protótipo. O vencedor não deveria mostrar apenas velocidade e perícia. Coragem e destemor eram pré-requisitos.
Por isso que me enoja ver essa choradeira com relação à chuva. A Fórmula 1 já competiu em condições climáticas muito terríveis, como em Japão/1976 e Bélgica/1998. Já permitiu que uma chuva pegasse de surpresa pilotos que corriam tranquilamente com pneus de pista seca, como Alemanha/2000 e Inglaterra/2002. Já permitiu largadas paradas nessas condições, como Austrália/1989 e Brasil/1996. Curiosamente, todas estas corridas foram memoráveis. Curiosamente, ninguém morreu nestas ocasiões. As últimas mortes da Fórmula 1 aconteceram em pista sequinha como batata frita Ruffles.
A chuva canadense pode até ter sido forte em alguns instantes, mas qual é a necessidade de interromper a prova logo na primeira volta em que ela aparece? E qual é a necessidade de, após duas horas de bandeira vermelha, dar mais nove voltas atrás do safety-car antes de liberar a festa? Tudo pela necessidade do maldito “trilho”? A hidrofobia chegou a níveis patéticos. No ano passado, outra corrida que tinha tudo para ser memorável foi interrompida de maneira covarde e vergonhosa, a de Spa-Francorchamps. A água não era exatamente pouca, mas poderia ter sido perfeitamente enfrentada com pneus para pista molhada.
E os pilotos reclamam pra caramba. No passado, o tetracampeão Alain Prost também reclamava pra caramba toda vez que chovia, chegando a ameaçar não largar mais em corridas com chuva após fracassar no GP da Bélgica de 1989. O tricampeão Niki Lauda se recusou a correr no dilúvio do GP do Japão de 1976, perdendo o título para James Hunt nesta prova. Seus casos são, no entanto, explicáveis. Prost se traumatizou após ser envolvido no acidente que quase matou Didier Pironi em um treino do GP da Alemanha de 1982, realizado sob muita chuva. E Lauda ainda estava se recuperando do acidente sofrido em Nürburgring meses antes. Além disso, a segurança nos dias de Prost e Lauda ainda estava longe da perfeição.
Hoje, não. Felizmente, a Fórmula 1 se orgulha de não ter mortes há dezessete anos. Os carros são construídos em fibra de carbono, material extremamente seguro e resistente. O habitáculo de sobrevivência quase sempre fica intacto mesmo após uma batida violenta. Os pilotos dispõem de cinto de segurança de cinco pontos, HANS, santantônio altamente resistente, capacete de fibra de carbono, macacão e balaclava antichamas, além de rádio para encher o saco de engenheiros e comissários. Além disso, cada autódromo costuma possuir dois helicópteros, um centro médico equipado com UTI e um batalhão de médicos e enfermeiros prontos para qualquer eventualidade. Os fiscais de pista não costumam demorar mais que um minuto para se aproximar do acidentado e prestar os primeiros socorros. E as pistas mais modernas, com suas áreas de escape asfaltadas e infinitas, dispensam apresentações.
Quer dizer, mesmo correndo a 300km/h, um piloto está em posição extremamente segura. Como andei falando em um Top Cinq, dirigindo seu 1.0 chocho tranquilamente em uma rodovia sob solzão, você tem infinitas chances a mais de morrer preso nas ferragens do que o Liuzzi descontrolado a 300km/h na pista molhada de Montreal. Neste mesmo Top Cinq, comentei sobre como um piloto poderia morrer nos dias atuais. A maioria das possibilidades dizia respeito ao imponderável. Quer dizer, a morte sempre estará presente em um esporte desses. Na Fórmula 1 de hoje, ela só acontecerá sob muito azar. Faça chuva ou faça sol.
Montreal, ontem. Duas horas e quatro minutos de espera. É...
E vou deixar o politicamente correto de lado. Ao contrário de muitos de vocês, não vejo nada de absurdo em alguém morrer no automobilismo. Em tempos nos quais vivemos sob a ditadura das feministas que exigem que os homens abram a porta dos carros, das sequoias, dos roqueiros felizes e das atitudes rebeldes de condomínio paulista, uma fatalidade em uma corrida soa como a coisa mais absurda do planeta. Parem o circo sanguinário!, como disse um jornal italiano após a morte do Senna. Vamos acabar com a Curva do Café em Interlagos!
O que fazem com o perigo do automobilismo é exatamente o mesmo que fazem com o cigarro, as lutas de boxe, o álcool ou o churrasco: a condenação implícita feita por aqueles que costumam se portar como os paladinos da moral. Corrida na chuva, segundo o senso comum, é perigoso, pode machucar. Pois eu não ligo. Se o cara se dispõe a praticar um esporte idiota (e muito) como o automobilismo – e se, para isso, ganha em um ano o que eu não vou ganhar em três vidas -, ele que arque com as más possibilidades. E que se danem as velhinhas e os hippies.
Por fim, um piloto que se recusa a correr na chuva, ou mesmo aquele que sempre vai reclamar com o papai comissário toda vez que leva um toque, desrespeita o automobilismo antigo. Desrespeita um Giuseppe Farina, conhecido pela ferocidade com a qual tratava o automobilismo e seus adversários. Desrespeita um Bernd Rosemeyer, que buscava sempre quebrar recordes mundiais de velocidade a bordo de um inseguro Auto Union. Desrespeita um Pierre Levegh, que arriscou a vida pela tentativa alucinada de vencer as 24 Horas de Le Mans sozinho. Desrespeita um Juan Manuel Fangio, que arriscou percorrer as curvas de Nordschleife sempre uma marcha acima dos adversários. Desrespeita Stirling Moss.
Stirling Moss, sim, tem a moral e o direito de sentir medo. Em 1962, ele perdeu o controle de seu Lotus enquanto disputava uma corrida em Goodwood, escapou da pista e seguiu barranco abaixo. O inglês ficou preso nas ferragens de seu carro e foi retirado por alguns espectadores desacordado e todo ensanguentado. Ficou 38 dias em coma no hospital Atkinson Morley, em Londres. Quando acordou, se deu conta que mal conseguia falar e que o lado esquerdo do seu corpo estava totalmente paralisado.
Após longo e doloroso período de tratamento, Moss se viu totalmente recuperado no ano seguinte. Voltou a Goodwood, pegou um carro de corrida, andou por lá durante hora e meia, desceu e sentenciou “estou me aposentando”. Mesmo assim, Stirling nunca ficou totalmente longe dos carros de corrida. Na semana passada, octogenário, estava disputando um treino classificatório com pilotos muito mais jovens que ele. Não havia sinal de medo.
Em seu período como piloto, além de quase ter morrido em Goodwood, Moss perdeu amigos e quebrou ossos em outros acidentes. Por outro lado, teve também vitórias memoráveis, duelos fantásticos e desafios superados. Hoje, em vida, é reconhecido como um dos grandes heróis do passado. Não só por ter vencido, mas por ter demonstrado enorme coragem durante toda a carreira. E por ter sobrevivido sem reclamar em um período infinitamente menos perigoso do que os dias hidrofóbicos atuais.
Striling Moss merece todas as minhas palmas e a minha admiração eterna. Porque piloto de verdade é não é aquele que transforma um desafio em uma reclamação, mas em uma meta a ser batida.
Esta época do ano é realmente formidável. Duas semanas atrás, tivemos um único domingo com o Grande Prêmio de Mônaco, as 500 Milhas de Indianápolis e a Coca-Cola 600, três das corridas mais importantes do mundo. Neste fim de semana, as águas de maio fecharão esta fase de corridas históricas com a septuagésima nona edição das 24 Heures du Mans, ou 24 Horas de Le Mans para aqueles que não são tão chiques e frescos. Como o próprio nome diz, 56 carros divididos em quatro categorias (LMP1, LMP2, LM GTE Pro e LM GTE Am) tentarão completar o maior número de voltas possível durante 24 horas em um circuito de pouco mais de 13,6 quilômetros na cidadezinha francesa de Le Mans.
Para ser bem honesto, se vi uns vinte ou trinta minutos da corrida até hoje, foi muito. Sacrilégio total. Por isso, não tenho lá grande moral para palpitar sobre qualquer coisa relacionada a Le Mans. Por isso, meto-me a relacionar a tradicional corrida de protótipos à Fórmula 1, que é aquilo que eu vejo semana sim, semana não.
O que me chama a atenção na história das 24 Horas é a lista de vencedores. Desde que os franceses André Lagache e René Léonard completaram pouco mais de 2200 quilômetros do circuito de Sarthe em 1923, contabiliza-se 122 vencedores desta prova, sendo que trinta deles conseguiram a façanha em mais de uma ocasião. E os perfis dos vencedores são bem ecléticos: há astros do automobilismo americano (A. J. Foyt, Al Holbert, Davy Jones), lendas da Fórmula 1 (Graham Hill, Jacky Ickx, Phil Hill), mitos do passado remoto (Tazio Nuvolari, Philippe Étancelin, Woolf Barnato), gênios dos carros fechados (Tom Kristensen, Frank Biela, Klaus Ludwig) e personagens simpaticamente dignos de F1 Rejects.
Como este site não gosta de vencedores, vamos falar daqueles que não metiam medo a uma mosca na Fórmula 1, mas que se cobriram de glórias ao vencer as 24 Horas de Le Mans. Os exemplos são inúmeros, mas escrevo aqui sobre cinco deles que não são tão remotos. E quer saber? É melhor ter uma vitória em Le Mans do que umas dez na Fórmula 1. Ou doze, se seguirmos a matemática.
5- DAVID BRABHAM
David Brabham é um sujeito genuinamente injustiçado. Muitos o consideram apenas “o filho do Jack”, mas poucos se lembram que ele é, sim, um ótimo piloto com títulos na Fórmula 3 britânica, no All-Japan GT Championship e na ALMS. Na Fórmula 1, no entanto, sua carreira foi irrelevante.
David foi chamado para correr na Brabham, que já não pertencia ao seu pai fazia milênios, a partir do GP de San Marino de 1990. Não conseguiu largar em seis corridas e só terminou uma, em Paul Ricard. Não passou vergonha, mas também não fez absolutamente nada digno de palmas. Quatro anos depois, por intermédio de seu pai, David voltou à Fórmula 1 para pilotar o primeiro carro da Simtek. O único registro positivo foi ter disputado todas as corridas por uma equipe que trocou de segundo piloto cinco vezes. E ter sobrevivido, é claro.
Fora da Fórmula 1, Brabham foi ligeiramente mais feliz. Além dos títulos nos campeonatos de turismo e protótipos, o australiano conseguiu vencer as 24 Horas de Le Mans há exatos dois anos. Pilotando o Peugeot 908 movido a diesel ao lado dos ex-Fórmula 1 Marc Gené e Alexander Wurz, Brabham conseguiu quebrar uma sequência de quatro edições seguidas com vitórias da Audi.
Nos outros anos, a Peugeot tinha um carro bastante veloz, mas incapaz de suportar a pressão dos carros alemães das quatro argolas durante uma corrida. Em 2009, o negócio melhorou consideravelmente. A marca francesa conseguiu a primeira e a terceira posições no grid de largada. Na pole, o carro de Franck Montagny/Sebastien Bourdais/Stéphane Sarrazin.
O trio francês largou bem e manteve a ponta durante as primeiras horas, mas acabou sucumbindo ao carro nº 9 de seus companheiros de equipe. Brabham andou durante a parte intermediária da corrida e entregou o carro a Gené lá pela 12ª hora. O catalão só conduziu até a bandeirada final. Vitória histórica, mais uma para a extensa coleção da família Brabham.
4- PAOLO BARILLA
O macarrão é muito bom. O piloto era mais ou menos. Paolo Barilla, herdeiro da fábrica de massas, teve uma carreira bastante irregular no automobilismo. Nos monopostos, ele nunca fez nada de mais. Na Fórmula 1, Barilla fez uma corrida em 1989 e algumas outras em 1990 pela Minardi. Sua corrida em 89, realizada em Suzuka, foi muito melhor do que qualquer outra no ano seguinte. Seu maior feito, no entanto, foi estourar seu carro na Blanchimont na segunda largada do Grande Prêmio da Bélgica. Só seu corpo saiu inteiro: o carro e a moral foram pro saco. Nas últimas corridas, Gianni Morbidelli tomou seu lugar e Barilla nunca mais foi visto nos paddocks da categoria.
Complicado, ainda mais sabendo que o fracasso em questão havia vencido uma edição das 24 Horas de Le Mans cinco anos antes. Em 1985, Barilla era um competente piloto de protótipos, sua especialidade maior. Naqueles tempos, se você queria vencer uma corrida no Mundial de Marcas, deveria estar pilotando um Porsche 956. Em Le Mans, Paolo pilotaria o carro número sete da equipe Joest ao lado de Klaus Ludwig, que havia vencido a edição anterior, e “John Winter”, pseudônimo de Louis Krages, um imbecil que sobreviveu a um dos acidentes mais violentos que eu já vi e que acabou cometendo suicídio tempos depois.
As primeiras posições no grid foram dominadas pelos dois carros da Rothmans Porsche, mas logo na primeira volta, o Lancia de Bob Wolleck/Alessandro Nannini/Lucio Cesario tomou a liderança e o New-Man Joest Porsche de Barilla/Ludwig/Winter veio logo atrás. Não demorou muito e o Porsche amarelado passou o Lancia, assumindo a liderança.
A partir daí, com os carros da Rothmans Porsche tendo problemas, Barilla e amigos fizeram a festa. Ao completar as 24 horas, eles mantinham uma vantagem de disntantes três voltas para o segundo colocado. E Paolo Barilla, que já havia chamado a atenção de alguns quando fez testes com a Brabham na Fórmula 1, deixou de ser apenas o herdeiro dos espaguetes para marcar seu nome na história do automobilismo.
3- JOACHIM WINKELHOCK
O capacete é o do Dalmas, mas beleza
O sobrenome é razoavelmente valioso. Joachim, para quem não se atenta, é irmão do falecido Manfred Winkelhock e tio do Mito. De talento apenas correto, Joachim teve uma carreira tão curta quanto infeliz na Fórmula 1. Contratado como segundo piloto da AGS, participou de algumas sessões de pré-classificação e não obteve sucesso em nenhuma delas. Nunca teve o gostinho de sequer participar de um treino oficial, se é que isso seja lá grandes coisas. Foi demitido após o GP da França, meteu a boca na equipe francesa e ainda alegou que não andou bem por estar sofrendo de ciática. Ninguém ligou.
Nos anos 90 e início da última década, Joachim Winkelhock se notabilizou como um piloto do meio do grid da DTM. Por lá, apesar de sua cara assustadora e do péssimo hábito de fumar compulsivamente, ganhou o respeito e a admiração de todos, que o viam como um sujeito bastante simpático. E ele ainda tem um troféu de vencedor das 24 Horas de Le Mans!
Foi em 1999. Após o fracasso da edição de 1998, a BMW Motorsport decidiu encarar a brincadeira a sério. Investiu nada menos que 150 milhões de dólares no desenvolvimento de um novo carro, o V12 LMR. Este carro foi construído do zero em parceria com a Williams e dispunha de aerodinâmica excepcional, ao contrário do antecessor V12 LM, e de um motor potentíssimo e econômico de 580cv. O trio de pilotos, além de Winkelhock, incluía Pierluigi Martini e Yannick Dalmas, este último um tetracampeão de Le Mans.
Apesar da BMW estar com um timaço, a concorrência veio igualmente forte. A pole-position foi obtida pelo Toyota GT-One de Martin Brundle, Emmanuel Collard e Vincenzo Sospiri. Logo no começo, os dois carros da Toyota e o Mercedes pilotado por Bernd Schneider disputaram a liderança. Entretanto, após as primeiras paradas, o BMW pilotado por JJ Lehto, Tom Kristensen e Jörg Müller tomou a ponta.
Aos poucos, os adversários foram abandonando a batalha. A Mercedes teve aquele célebre voo com Peter Dumbreck e a equipe preferiu encostar o outro carro também. O BMW de Lehto sofreu um acidente após ter um problema no acelerador. Dois dos Toyota deram adeus à prova: Thierry Boutsen bateu forte e Martin Brundle teve um estouro no pneu, rodou, quebrou a suspensão e também encostou. No fim, o BMW de Martini, Dalmas e Winkelhock acabou herdando a ponta e ficou por lá até o fim, com o Toyota pilotado pelo trio japa Ukyo Katayama/Toshio Suzuki/Keiichi Tsuchiya babando atrás. Mesmo assim, não dá pra dizer que a equipe não mereceu vencer. Sempre veloz, o BMW nº 15 conseguiu completar 4.964 quilômetros em 24 horas, um recorde. E o maior queixo da Alemanha obteve, aí, seu maior trunfo na carreira.
2- JOHNNY DUMFRIES
John Colum Crichton-Stuart, sétimo Marquês de Bute, é um nome absolutamente alienígena para os pobres mortais dos trópicos. No entanto, quando se diz que o portador deste nome costuma utilizar a alcunha “Johnny Dumfries”, os fãs mais remotos de automobilismo já fazem as conexões neurais e se recordam daquele sósia de Alex Kapranos que correu ao lado de Ayrton Senna na Lotus em 1986.
Dumfries, que havia sido campeão de Fórmula 3 na Inglaterra em 1984, só estreou na Lotus porque Senna havia vetado a primeira opção da Lotus, o experiente Derek Warwick. Como a mídia britânica não estava muito feliz com a possibilidade de Mauricio Gugelmin formar uma dupla tropical com Senna, foi exercida enorme pressão para que o nobre escocês fosse contratado. E assim foi feito, mas Johnny Dumfries sofreu dirigindo um carro muito inferior ao de Senna, cometeu erros e marcou apenas três pontos. Foi escorraçado sem dó, relegado à turba dos plebeus da Fórmula 1.
Ciente de que sua vida na categoria máxima não parecia ter lá muito futuro, Dumfries decidiu migrar para os protótipos. Assinou com a poderosa Sauber para correr no fortíssimo Grupo C, categoria que chegava a rivalizar com a Fórmula 1 em termos de velocidade final e tecnologia. Por lá, todo mundo pôde perceber que, ao contrário do que sua lamentável participação na Lotus sugeria, Johnny Dumfries era, sim, um ótimo piloto. Falemos de Le Mans.
Em 1987, apesar de não ter terminado as 24 Horas, Johnny assinalou o recorde da pista até então, com 3m25s40. No ano seguinte, Dumfries foi contratado pela Jaguar para pilotar o segundo XJR-9 ao lado de Jan Lammers e Andy Wallace. A marca inglesa objetivava acabar com um jejum de 31 anos sem vitórias em Le Mans, além de querer quebrar a série de vitórias da Porsche. O XJR-9, lançado no início do ano, era a grande arma da equipe felina.
Favorita, a Porsche decidiu utilizar um turbocompressor especial em seus 962C nos treinos oficiais e, com isso, conseguiu dominar as primeiras posições do grid. Na corrida, a equipe decidiu voltar a utilizar o turbocompressor normal e perdeu sua grande vantagem aí. Mesmo assim, o carro representado por Derek Bell, Hans-Joachim Stuck e Klaus Ludwig liderou as duas primeiras horas até ter um problema no cálculo da gasolina, o que obrigou o trio a mudar a estratégia e a ir lá para trás. O outro Porsche, de Bob Wollek, Vern Schuppan e Sarel van der Merwe, assumiu a liderança e ficou por lá até a décima terceira hora, quando o motor foi pro saco.
Quem acabou herdando a liderança foi exatamente o trio Dumfries/Wallace/Lammers, que não estava entre os favoritos. O problema é que aquele Porsche com problemas de cálculo no consumo recuperou terreno e chegou a ficar a menos de um segundo do Jaguar, uma miséria de diferença em se tratando de uma corrida de 24 horas. Mesmo assim, o Jaguar conseguiu se manter à frente até o fim. E o nobre escocês Dumfries conseguiu aquilo que os conterrâneos Jim Clark e Jackie Stewart poderiam se orgulhar de ter: uma vitória nas 24 Horas de Le Mans.
1- VOLKER WEIDLER
Na Fórmula 1, Volker Weidler foi basicamente um ninguém. Após ter vencido a Fórmula 3 alemã em 1985 e ter feito um ou outro bom resultado na Fórmula 3000 entre 1986 e 1988, Weidler foi o último piloto anunciado para a temporada de 1989 da categoria maior. Seria companheiro de Christian Danner na Rial, formando o grupo mais alemão desde a Gestapo.
Como havia muitos inscritos, alguns coitados acabariam tendo de participar da pré-classificação que eliminaria os menos aptos. Como a Rial era obrigada a participar deste treino com um de seus carros, Weidler foi agraciado com o duvidoso privilégio. Sendo assim, ele participou de todas as sessões da primeira metade da temporada. Como o ARC02 era muito ruim, ele não se pré-classificou em nenhuma ocasião.
A partir da segunda metade da temporada, graças ao quarto lugar de Danner no Canadá, a Rial conseguiu retirar o segundo carro do inferno da pré-classificação. E Weidler chegou a participar dos treinos oficiais dos GPs da Alemanha e da Hungria, mas nunca passou sequer perto da classificação. A partir do GP da Bélgica, o alemão deu lugar ao francês Pierre-Henri Raphanel, ligeiramente mais endinheirado e bem melhor.
Em Le Mans, por outro lado, Volker Weidler conseguiu uma histórica vitória em 1991 dividindo um Mazda 787B pintado de vermelho e verde com Johnny Herbert e Bertrand Gachot.
Foi uma edição engraçada, aquela. Algum tempo antes, a primeira-ministra francesa Edith Cresson havia reclamado sobre a invasão de carros japoneses, na época conhecidos como trambolhos de péssima qualidade, em seu país. Toyota e Nissan já haviam tentado vencer a corrida, mas sem sucesso. O Mazda 787B, no entanto, tinha um trunfo valioso: o motor rotativo Wankel. Para quem não sabe, este tipo de motor é composto por um rotor triangular que gira dentro de uma estrutura redonda executando as quatro operações do ciclo de Otto (admissão, compressão, ignição e exaustão). Por utilizar apenas um rotor e um espaço menor, é um motor que tende a ser mais compacto e mais poderoso. Uma desvantagem do Mazda, no entanto, era o barulho ensurdecedor.
A Mercedes havia conseguido a pole-position com Michael Schumacher/Karl Wendlinger/Fritz Kreutzpointer, mas o trio germânico acabou terminando apenas na quinta posição. Tanto a marca alemã como a Jaguar e a Peugeot tiveram inúmeros problemas e acabaram ficando para trás. E ganhou o Mazda, com Volker Weidler como um de seus pilotos. A façanha foi ótima, mas lhe custou a audição: o barulho gerado pelo carro foi tamanho que Weidler acabou perdendo parte de sua capacidade auditiva e teve de abandonar o automobilismo por isso. Pelo menos, o fez em grande estilo.
Tragédias são inegavelmente uma merda, mas sempre há alguém que acaba se dando bem com isso. No Grande Prêmio da Itália de 1978, o sueco Ronnie Peterson, um dos grandes astros da Fórmula 1 nos anos 70, acabou falecendo após quebrar as pernas em um acidente na largada e sofrer uma embolia enquanto passava por uma operação no hospital. Peterson era o vice-líder do campeonato e sua equipe, a Lotus, precisava dele para ajudar o ítalo-croata-americano-globalizado Mario Andretti a ser campeão daquele ano. Após a morte do sueco, Colin Chapman se viu sem chão. A Lotus precisava de alguém a altura, até mesmo para ocupar um lugar de titular em 1979.
Ao mesmo tempo, o francês Jean-Pierre Jarier sentia que sua promissora carreira estava indo lentamente para o saco. Campeão de Fórmula 2 em 1973, Jarier havia passado por várias equipes, sempre demonstrando bastante arrojo e sempre padecendo com a falta de qualidade de seus carros. Estreou na patética March, obteve duas poles e um pódio em três anos na Shadow e pagou todos os seus pecados correndo na ATS do esquentado Günter Schmidt. Em 1978, ele ainda estava lá, sofrendo para qualificar um carro que não ia e convivendo com um chefe de equipe irascível.
Em Mônaco, após não conseguir se classificar, Jarier teve uma briga terrível com Schmidt e acabou demitido pela bárbara atitude de contestar o supremo chefe. Jean-Pierre ficou em casa durante algum tempo até que Schmidt ligou para ele pedindo desculpas e oferecendo uma cerveja no bar mais próximo para conversar sobre uma readmissão a partir do Grande Prêmio da Alemanha. Sabe como é, o ATS era realmente uma porcaria e não havia ninguém melhor que o francês para pilotá-lo.
Relações reatadas, Jarier voltou à ATS e tentou se classificar para a corrida alemã, realizada em Hockenheim. Só que o carro continuava terrível e não foi possível se classificar. E não é que Jarier e Schmidt voltaram a brigar após o treino classificatório do sábado? O piloto voltou a ser demitido e, dessa vez, não houve perdão. Restava a Jarier esperar por algo no sofá de sua maison.
Para sua sorte, Ronnie Peterson morreu lá na Itália. Colin Chapman não ponderou muito e ligou para Jean-Pierre, oferecendo uma vaga para as duas últimas corridas de 1978, que ser realizadas na América do Norte. Sem pensar, ele aceitou e foi anunciado como substituto de Peterson no dia 27 de setembro.
Muita gente acreditava que Jarier havia se metido em uma enorme roubada, já que a Lotus já havia anunciado o argentino Carlos Reutemann como companheiro de Andretti em 1979. Jarier, portanto, voltaria ao limbo do desemprego após o Grande Prêmio do Canadá. Poucos sabiam, no entanto, que a Lotus pretendia montar uma segunda equipe e era este o objetivo maior do francês para o ano seguinte. Se fizesse um trabalho bom como substituto na Lotus principal, poderia ser o primeirão da “Lotus Junior” em 1979.
Em Watkins Glen, mostrando seu talento em treinos classificatórios, ele conseguiu colocar seu Lotus na oitava posição do grid. Infelizmente, o companheiro Andretti bateu seu carro titular no warm-up e precisou utilizar o de Jarier, que teve de pular para o reserva. Mesmo pilotando um carro inferior ao utilizado nos treinos, Jean-Pierre fez uma ótima corrida e estava em terceiro lugar quando teve problemas de combustível e teve de abandonar faltando poucas voltas para o fim. Um ótimo cartão de visitas, ainda assim.
A última corrida do campeonato foi em Montreal, no dia 8 de outubro de 1978. 28 pilotos estavam inscritos para aquela que seria uma das corridas mais esperadas do ano. Não me refiro à briga pelo título, que já havia terminado depois que Ronnie Peterson morreu e Mario Andretti se viu com pontuação o suficiente para terminar o ano à frente. Digo, sim, pela pista. Montreal, esta que nós adoramos hoje em dia, estreou no calendário exatamente naquele ano. O circuito a ser utilizado havia sido construído na Île de Notre Dame, local da Expo 67 e das Olimpíadas de 1976. O engraçado é que, na época, muita gente não gostou da pista, estreita, travada e precária. Como as coisas mudam…
Chovia pra caramba nas duas primeiras sessões de treinos cronometrados e os tempos obtidos não valeram muito. A única sessão que realmente contou foi a terceira e última, na qual a chuva parou e a pista secou. A macacada veio em massa à pista e, surpreendentemente, quem se deu melhor foi exatamente Jean-Pierre Jarier, que obteve uma pole sensacional em sua segunda corrida pela Lotus. O tempo de 1m38s015 era apenas onze milésimos melhor que o de Jody Scheckter, da canadense Wolf. Logo atrás, o ídolo local, Gilles Villeneuve. Com uma equipe e um piloto do país logo atrás, Jarier certamente seria secado pelas cem mil pessoas que estavam nas arquibancadas.
Corrida. Jarier largou bem, mas chegou a ser ameaçado por Scheckter, que tentou assumir a liderança por fora na primeira curva, sem sucesso. Quem se destacou na largada foi o australiano Alan Jones, que pulou de quinto para terceiro de maneira notável. Ainda na primeira volta, Jones passou Scheckter e tomou a segunda posição. O líder Jarier, por outro lado, ia embora.
Até aquele momento, Jarier havia participado de 77 corridas e seu melhor resultado havia sido exatamente sua primeira boa corrida na categoria, o GP de Mônaco de 1974, no qual ele terminou em terceiro a bordo de um Shadow. O mais perto da vitória que havia chegado foi em Interlagos no ano seguinte, quando ele liderou boa parte da corrida até abandonar com problemas de alimentação. Já tinha 33 anos e vivia um momento decisivo: não era mais um garoto, mas também nunca tinha tido lá uma oportunidade de pilotar um carro de ponta na vida. Mal comparando, um Nick Heidfeld que toma vinho e torce pro Lyon. Naquele momento, ficava claro que, sim, Jean-Pierre Jarier merecia um lugar ao sol.
Enquanto o pessoal se matava pelas posições mais atrás, Jarier seguia abrindo uma enorme vantagem. Na volta 49, ele já havia construído uma vantagem de 36 segundos para o segundo colocado. Após colocar uma volta sobre o McLaren de Patrick Tambay, subitamente, o Lotus 79 perde velocidade. Alguns momentos depois e o retardatário Jacques Laffite deixa Jarier para trás. O que será que acontece com o líder da prova?
Enquanto os canadenses pulam de alegria, uma vez que Gilles Villeneuve assumiria a liderança para vencer sua primeira corrida na Fórmula 1, Jarier se arrastava até os pits. Por lá, a Lotus descobre o que havia acontecido: um gradual vazamento de óleo acabou arrebentando o motor Ford. E Jean-Pierre perdeu aí sua grande chance de vencer uma corrida na Fórmula 1. Ao menos, as duas boas atuações na América do Norte atraíram as atenções da Tyrrell, que o contratou para o ano seguinte.
Embora a Tyrrell fosse um lugar bastante agradável, Jarier seguiu como aquele sujeito rápido e extremamente azarado. Ainda conseguiu fazer dois pódios em 1979, mas nunca mais passou perto da vitória. Depois de sua passagem pela equipe do madeireiro Ken, ele ainda foi pagar mais alguns pecados na decadente Ligier e na minúscula Osella até abandonar a Fórmula 1 no fim de 1983.
Passados 33 anos desde aquela corrida, Montreal deixou de ser uma pista feia e travada para se transformar em um dos lugares mais admirados pelos fãs de Fórmula 1. Jean-Pierre Jarier, após deixar a Fórmula 1, ainda correu muito nos protótipos e nos carros GT. Também participou das gravações do filme Ronin como dublê de Robert de Niro e, sem dublê, sobreviveu a um pavoroso acidente de helicóptero em 1994. Hoje, é empresário e também presta consultoria sobre pilotagem. A Lotus faliu e voltou no ano passado nas mãos de malaios. E o vencedor desta corrida, Gilles Villeneuve, morreu em 1982.
No próximo fim de semana, Montreal receberá a sétima etapa da atual temporada. A pista canadense foi o lugar onde o alemão Heidfeld esteve mais próximo de uma vitória, em 2008. Naquele ano, ele chegou a liderar, mas teve de dar passagem ao companheiro Robert Kubica. Bem que, nesse ano, ele poderia reverter a falta de sorte que caracterizou a carreira de Jean-Pierre Jarier e também a sua.
Automobilismo é algo legal, né? Algum tempo atrás, percebi que estava sendo um pouco crítico e exigente demais com as corridas. Estava mais preocupado em escrever dissertações de mestrado criticando os dirigentes, as equipes, os pilotos e tudo o mais, deixando de lado o lado lúdico da coisa. De uns tempos para cá, comecei a desenvolver meu lado zen. Pretendo falar menos coisas desagradáveis e contar mais histórias ou simplesmente dizer mais bobagens despretensiosas. Mas há momentos em que algumas coisas devem ser ditas.
Eu gosto de corridas, mas é preciso separar o joio do trigo. Corridas são divertidas quando têm um ótimo número de pilotos competentes protagonizando boas disputas em circuitos legais. Ultimamente, o número, as disputas e os circuitos legais não andam tão abundantes assim. Abundantes então, por outro lado, as categorias de monopostos disponíveis por aí. Como já andei dizendo antes, há campeonatos demais e qualidade de menos. E um dos que mais me intriga é essa tal de Superleague Formula, aquele em que os pilotos representam times de futebol.
Nesse fim de semana, foi realizada a primeira etapa da temporada 2011 da categoria, que entra em seu quarto ano de existência. Catorze pilotos se reuniram para disputar três corridas no tradicional circuito holandês de Assen. Na primeira, os locais Yelmer Buurman e Robert Doornbos herdaram a liderança do francês Tristan Gommendy, que teve problemas no acelerador, e brigaram duramente até haver um toque que complicou a vida de Doornbos. Sobrevivente, Buurman seguiu incólume até a bandeirada.
Na segunda, o mesmo Gommendy saiu na frente, mas teve problemas com pneus e deixou a liderança com John Martin. O australiano liderou por algum tempo, mas foi ultrapassado pelo inglês Duncan Tappy, que venceu. Na superfinal, Craig Dolby ultrapassou Martin, assumiu a liderança e venceu, com o manauara Antonio Pizzonia colado em sua traseira. Não vi nenhuma delas, até porque não tenho todo esse tempo disponível e minha operadora de TV paga faz o favor de cobrar pelo Bandsports, canal que vem exibindo esta temporada.
Li alguns comentários positivos sobre as corridas. De fato, elas parecem ter sido boas, como costuma acontecer com a categoria. Vi apenas uma corrida inteira, a primeira da história, realizada em Donington Park em meados de 2008. Chovia para caramba, uns caras rodavam e eu nem me lembro quem ganhou. Estava prestando atenção no carro do Corinthians, pilotado pelo espanhol Andy Soucek. Apesar da tempestade, a prova estava tão chata que preferi ficar vendo a Corrida do Milhão da Stock Car… No entanto, outras corridas muito melhores aconteceram. Saldo positivo, acho.
Primeira corrida da história da Superleague, em Donington/2008
Há outras coisas legais. Os pilotos, no geral, são aqueles sujeitos bons que foram completamente esquecidos pelas categorias maiores de monopostos e que precisam de um lugar para ganhar dinheiro e manter-se na ativa. O equipamento é um belo Panoz equipado com motor 4.2 de 12 cilindros e 750cv, algo único no automobilismo mundial de monopostos atualmente. A premiação em dinheiro é farta e o campeão leva um milhão de euros para casa, algo que não acontece sequer na Fórmula 1. E de quebra, o apelo futebolístico presente. Logo, a categoria deveria ser um sucesso danado, né?
Mas não é. Algo parece me cheirar mal nessa Superleague. Se o mundo é tão bonito assim lá no paddock da categoria, por que apenas catorze pilotos apareceram em Assen? Por que, até uma semana atrás, somente uns cinco ou seis pilotos estavam confirmados? Por que a categoria demorou tanto tempo para fazer os anúncios referentes a esta temporada? Por que os clubes foram embora e a organização teve de improvisar uma disputa entre “seleções”? Por que os fãs de futebol nunca demonstraram o menor interesse? Por que, apesar das qualidades e das boas corridas, ninguém a leva a sério?
A verdade é que a Superleague padece exatamente do mesmo mal da finada A1GP: categoria temática e pretensiosa que acreditava que sua ideia mirabolante, por si só, traria dividendos e atenções fromall over the world. Para os peixes de memória curta, a A1GP era uma espécie de “Copa do Mundo do Automobilismo”, na qual cada carro representava um país e este carro seria pilotado apenas por pilotos do seu respectivo país (ou descendentes, regra estúpida criada para permitir que países sem tradição não ficassem sem piloto). Não era o Alexandre Premat que brigava com o Jonathan Summerton, mas sim a França e os EUA. A Superleague é igualzinha, com a diferença de que a briga é entre o PSV Eindhoven e o Todo Poderoso Timão.
Esse tipo de categoria costuma buscar um tipo de identificação diferenciada com os seus participantes. Ao invés de torcer para o piloto, você acaba torcendo para o carro pelo que ele representa. Na teoria, um torcedor do Flamengo não se importaria se é o Pizzonia, o Ho-Pin Tung ou o Otávio Mesquita quem está pilotando. Basta o carro rubro-negro chegar à frente para todo mundo ficar feliz. Só que há um problema: é um tipo de ideia muito difícil de ser aplicada, até porque quem está guiando o carro e levando as glórias e as porradas, no fim das contas, é o piloto.
Davide Rigon. Será que ele sabia exatamente o que era o Beijing Guoan, time que ele representou em 2008?
A Superleague foi a reedição de uma ideia criada há dez anos, quando empresários ingleses pretendiam criar a Premier 1 Grand Prix, categoria com a mesma temática futebolística. Havia uma diferença fundamental, no entanto: na Premier, para pilotar o carro de um determinado time, seria obrigatório que o piloto comprovasse sua torcida a este time. Logo, o Barrichello só poderia pilotar o carro do Timão e o Massa só poderia rodopiar na chuva a bordo do carro bambi. É algo que até poderia funcionar a contento, pois a identificação criada seria muito maior.
Quando li que o espanhol Andy Soucek seria o piloto corintiano da primeira rodada da Superleague em 2008, dei risada. Porra, o Soucek? Tudo bem, ele havia sido vice-campeão da World Series by Renault em 2006 e tinha experiência na GP2, mas qual é a identificação de um sujeito desses com um time de massas no Brasil como o SCCP? Naquele momento, eu concluí que esse negócio de time não passaria de esculhambação e perfumaria.
Como o Soucek fracassou, a equipe do Corinthians decidiu colocar o Antonio Pizzonia no seu lugar. Legal, ele é brasileiro, mas há um pequeno detalhe: Antonio é são-paulino e também se simpatiza com o pequeno São Raimundo, de sua cidade natal. Aí não dá. Bambi pilotando o carro alvinegro é patético. Ao mesmo tempo, ficava claro que os demais times empregavam pilotos que, provavelmente, nem sequer sabiam de sua existência. Ou será que o italiano Davide Rigon era torcedor de carteirinha do Beijing Guoan, seu primeiro time na categoria?
Mesmo que não pareça, este é um detalhe importantíssimo. Se o próprio piloto não possui uma mínima identificação com o time que representa, por que a torcida deveria se importar com a Superleague? Tudo bem que, no futebol de hoje, os jogadores também fazem isso, podendo beijar os emblemas do Corinthians e do Palmeiras em questão de meses. Mas para uma categoria automobilística que visava trazer toda uma rivalidade futebolística para as pistas, permitir esse tipo de coisa é um belo chute para fora.
Além dessa falta de identificação entre torcida, piloto e time, há também o problema entre time e categoria. Como se sabe, os clubes somente emprestam seus nomes, cores e emblemas para a categoria, que os repassam às equipes participantes. Em geral, esse tipo de coisa é resolvido diretamente entre o departamento de marketing do clube e a organização da Superleague. Em linhas gerais, o clube não tem qualquer ligação esportiva com a categoria. Essas corridas, para os times, não passam de pura ação de marketing. Como, por exemplo, emprestar sua imagem a um jogo de futebol. O Panoz é um Pro Evolution Soccer ambulante.
A Superleague com seleções é a priminha mais nova da A1GP, falida há alguns anos
Então, se a Superleague Formula não anda funcionando para ligar os mundos futebolístico e automobilístico, para que ela existe? No fim das contas, virou mais uma categoria desconhecida com fim em si mesma. Seus pilotos sabem que ela representa uma espécie de limbo e só estão lá porque ainda não receberam oportunidade melhor. Na realidade, poucos dos que correm lá a utilizam como escada para categorias maiores. Com exceção do bicampeão Davide Rigon, quem mais pula da Superleague para uma GP2 ou World Series? Quais seriam as perspectivas de um John Martin, um Duncan Tappy ou um Craig Dolby, por exemplo?
Com o fracasso desse modelo clubístico, a organização decidiu unir o inútil ao agradável e declarou que este quarto ano, assim como acontece no futebol, representaria o ano da “Copa do Mundo” na Superleague. Para preencher o grid, foram criadas algumas equipes nacionais representando seleções. Reproduzindo a ideia da A1GP, a Superleague passou a ter “Team Brazil”, “Team New Zealand”, “Team China” e, meu Deus, “Team Luxembourg”. Fico confabulando aqui qual seria o critério de escolha desses países. O que é que a luxemburguesa tem?
Fica claro que a categoria está perdida entre casar, comprar uma bicicleta ou criar um gato siamês. Essa conversa de “Copa do Mundo” é pra boi dormir, uma tentativa fuleira de ainda dar uma raison d’être à Superleague. Em primeiro lugar, no futebol, Nova Zelândia, China e Luxemburgo são tão relevantes quanto Turcomenistão ou Roraima. O único Luxemburgo relevante que eu conheço no futebol é o técnico, e olhe lá. Em segundo lugar, as tais “seleções” continuam ignorando qualquer identificação entre piloto e país. Duncan Tappy veste a camisa seis da seleção japonesa, o belga Frederich Vervisch é o artilheiro de Luxemburgo e o incansável Andy Soucek é o camisa 10 da seleção turca. Liedson, Kevin Kuranyi e Marcus Tanaka não fariam melhor.
Algo que deve ser considerado também é a fonte de recursos dessa brincadeira. Até o ano passado, quem colocava dinheiro na categoria era a Sonangol, uma petrolífera angolana que vem dando umas de mecenas nos últimos tempos. Nesse ano, não há um grande patrocinador, mas a premiação segue altíssima. Como isso funciona? O dinheiro vem do misterioso mundo do nada? Tem de investigar isso aí. Ultimamente, só tem doido e malandro investindo em esporte a motor. Espero, do fundo da minha alma, que a organização da Superleague seja composta por um bando de loucos. Até porque o cara tem de ser, no mínimo, bem louco para manter um negócio obscuro e sem propósitos como é essa categoria.
PS: Apesar do meu apelido e do meu desprezo ao futebol, eu “tenho” um time. Como deu pra perceber, é o Corinthians. E aí, Watanabe, vai chiar?
É este um dos títulos mais estranhos que um artigo poderia ter. Afinal de contas, quem faria questão de morrer estando rico, famoso, ao lado de um monte de mulheres e dirigindo carros velozes? É óbvio que o assunto, aqui, não é sobre intentos suicidas, mas sobre segurança. Ou a possível falta dela.
Como todo mundo sabe, Fórmula 1 é algo extremamente seguro. Você aí, dirigindo seu insosso Palio 1.0 a 60km/h pelas ruas esburacadas de uma grande cidade brasileira, tem muito mais chances de morrer do que Narain Karthikeyan sofrendo para manter seu Hispania na pista a mais de 250km/h. Desde que o tricampeão Ayrton Senna morreu, a Federação Internacional do Automóvel decidiu tratar a questão da segurança no automobilismo da maneira mais hipocondríaca e neurótica possível. Não pode ter curva veloz, não pode fechar a porta, não pode andar a mais de 80km/h nos pits, não pode fazer nada. Tudo em nome da segurança. Bonito, né?
Velhinhas, vegetarianos, abraçadores de sequoias, padres, feministas de esquerda e pessoas facilmente escandalizáveis acreditam, amparadas pelos seus preconceitos, que a Fórmula 1 é um esporte assassino. Muito pelo contrário, gafanhotos. Para mim, é um esporte certinho demais. Nos primórdios, os pilotos eram heróis porque faziam algo que sujeito centrado nenhum faria: arriscavam o pescoço dirigindo verdadeiros caixões a mais de 200km/h. De certa maneira, o esporte era uma válvula de escape para os nossos instintos sádicos. É a releitura contemporânea do Coliseu, portanto. Mas o politicamente correto acabou com tudo e a morte no automobilismo se tornou simplesmente proibida. Pra mim, em termos de automobilismo, tal fatalidade não deveria ser tratada como algo tão absurdo. Devemos nos lembrar que o perigo é, e deve ser, inerente. Se não houver perigo, vamos todos assistir a partidas de pôquer.
Mas nem mesmo a Fórmula 1 é infalível. Para os que acham que ninguém nunca mais irá morrer, um aviso: ainda dá pra ter uma tragédia, sim. Escrevo este Top Cinq pensando em Sérgio Perez, o mexicano que se safou ileso no fim de semana passado após sofrer um violento acidente no treino oficial do Grande Prêmio de Mônaco. Ele se deu bem, pois batidas secas com grande desaceleração basicamente não vêm matando mais. Há outras situações bem mais sérias. Mostro-te cinco delas:
5- BARREIRA DE PNEUS ASSASSINA
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Em 2001, Luciano Burti perdeu a asa dianteira após um toque com Eddie Irvine, ficou sem controle e bateu na barreira de pneus na Blanchimont, em Spa. Em 2003, a Ferrari F2003GA de Rubens Barrichello perdeu a roda traseira esquerda e, descontrolado, bateu de frente na barreira de pneus da primeira curva de Hungaroring. Em 2004, Felipe Massa ficou sem freios e bateu de frente na barreira de pneus do grampo de Montreal. Em 2008, Heikki Kovalainen teve um problema no pneu de seu McLaren e se estampou nos pneus da curva Campsa, em Barcelona.
Barrichello e Massa não sofreram nada além de uma dor ali e uma unha quebrada acolá. Kovalainen e Burti tiveram consequências ligeiramente piores. O finlandês ficou com uma pequena concussão e passou a noite no hospital, bolinando algumas enfermeiras. O atual comentarista da Globo, por outro lado, foi o que sofreu mais. Chegou a ficar em coma e passou três meses no hospital se recuperando de lesões cerebrais. Há uma diferença fundamental entre os dois acidentes sem consequências e os outros dois acidentes com ferimentos.
Barrichello e Massa se safaram porque seus carros não mergulharam para dentro da barreira. Nesses casos, a capa que reveste a barreira funcionou muitíssimo bem, evitando que os bólidos se enfiassem para dentro dos pneus. Infelizmente, tanto Kovalainen quanto Burti acabaram mergulhando para dentro da barreira, batendo suas cabeças com força nos pneus e ficando presos lá dentro por alguns agoniantes momentos. Portanto, ainda há certo perigo em uma barreira de pneus na qual a tal capa não funcione a contento. Em um caso pior, poderia haver morte. Reconheço, no entanto, que a possibilidade de morrer soterrado pelos pneus é, de longe, a mais baixa entre as possibilidades consideradas aqui.
4- BATIDA EM T
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Batida em T, para quem não sabe, é aquela na qual um carro atinge outro em um ângulo de quase 90º. Exemplos famosos são os acidentes de Alessandro Zanardi em Lausitzring e de Fabrizio Barbazza em Road Atlanta. Ambos os pilotos italianos tiveram seríssimas complicações após a batida, como fraturas e lesões neurológicas. Barbazza passou um bom tempo em coma e Zanardi, desgraçadamente, perdeu as duas pernas. Os dois ainda deram sorte, pois sobreviveram. O que dizer, então, de Gustavo Sondermann, morto há alguns meses em um acidente desse tipo?
Antigamente, uma batida em T era um dos grandes pânicos de um piloto de corrida. Como o cockpit era bastante frágil e ficava bastante exposto, qualquer pancada recebida diretamente poderia, no mínimo, estourar alguns ossos. Hoje, se considerarmos os monopostos, a preocupação é bem menor, pois o advento da fibra de carbono na construção dos carros tornou o habitáculo do piloto um verdadeiro forte à prova de pancadas. Além disso, as caixas laterais são ainda mais reforçadas, visando evitar que o piloto sofra algo.
Mas e se tudo der errado? Em 2002, no Grande Prêmio da Áustria, Nick Heidfeld perdeu o controle de seu Sauber e rodou em alta velocidade em direção à curva 3. Azarado, o japonês Takuma Sato tangenciava a tal curva quando foi atingido na lateral pelo carro desgovernado de Heidfeld. Esta foi praticamente uma batida em T, mas ambos os pilotos não tiveram nada além de alguns ferimentos leves. Porém, imagine se alguém roda e fica atravessado em uma reta em Monza. Logo atrás, aparece outro piloto e atinge exatamente o cockpit do carro rodado a 300km/h. Não há sidepod ou sistema de segurança que resista.
3- VOO ALEATÓRIO
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Todo mundo enche a boca para falar de segurança, sugerindo as coisas mais complexas e absurdas. Por outro lado, não vejo ninguém contestar uma das coisas mais perigosas que existem nos monopostos atualmente: a facilidade que um carro tem para voar, especialmente após o toque de rodas. Se há quem ache que os circuitos devam ser desfigurados, por que não achar que poderia ser implantado algo que protegesse a roda do contato com outra, solução simples e barata?
O acidente de Mark Webber em Valência no ano passado, no qual ele voou e bateu em altíssima velocidade nos pneus, é o mais recente, mas há vários outros casos. Muitos ainda se lembram da célebre pirueta dada por Christian Fittipaldi após o toque com Pierluigi Martini no Grande Prêmio da Itália de 1993. Na GP2, o checo Josef Kral bateu na traseira do venezuelano Rodolfo Gonzalez e voou de maneira semelhante à de Webber no mesmo circuito de Valência. Na Indy, vira e mexe, alguém sai voando.
Qual é o problema maior disso? O problema não é exatamente o fato do carro voar, mas aonde ele vai parar. Se um carro decola dentro do túnel de Mônaco, por exemplo, ele pode voar em direção a um dos pilares localizados do lado esquerdo. E as consequências poderiam ser bem ruins. Ou o cara pode dar o azar de esbarrar em alguma coisa alta e morrer, como aconteceu com o japonês Takashi Yokoyama em uma corrida de Fórmula 3 em Fuji em 1997. Ou ele pode ainda aterrissar sobre algo indesejável como uma quina de muro e morrer, como aconteceu com Marco Campos na corrida de Fórmula 3000 realizada em Magny-Cours em 1995.
Para mim, tudo isso daí deveria ser revisto por completo. Colocar uma espécie de barreira atrás das rodas traseiras já ajudaria muito. Aumentar o tamanho do sidepod de modo a evitar que um carro possa enganchar em outro também seria muito bom. Muitos poderiam dizer que medidas como essas duas poderiam descaracterizar um monoposto. Respondo que, em prol de medidas consideradas indispensáveis hoje em dia, transformamos os simpáticos charutinhos em coisas estranhas com formato de inseto.
2- PEÇA NA CARA
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Para mim, a próxima morte na Fórmula 1 acontecerá quando alguém receber alguma coisa na cara, e aí entram as duas primeiras posições do Top Cinq. Em 2009, dois incidentes separados por uma única semana mataram um e deixaram uma boa cicatriz na cara de outro. Na Fórmula 2, o inglês Henry Surtees, filho do ex-campeão de Fórmula 1 John Surtees, faleceu após ser atingido pelo pneu voador do carro do compatriota Jack Clarke em uma prova em Brands Hatch. Seis dias depois, no treino oficial para o Grande Prêmio da Hungria, Felipe Massa foi atingido por uma mola que voou do Brawn de Rubens Barrichello, quase perdeu a visão, ficou um dia em coma e não pode mais disputar a temporada.
Massa deu tanta sorte quanto azar. Azar, obviamente, por ter sido o contemplado pela peça. Por outro lado, se a mola tivesse atingido o rosto do piloto um ou dois centímetros abaixo, Felipe poderia estar cego. Se o tivesse atingido um pouco mais à direita, ele talvez nem estivesse mais aqui. Surtees, por outro lado, foi totalmente azarado. A roda voadora do carro de Clarke, que havia batido, atingiu Henry de maneira patética. Uma roda de Fórmula 2 é pequena, lembra um pouco a de uma bicicleta. No entanto, vindo em alta velocidade, torna-se algo mortal.
Se o sujeito está andando a 300km/h, qualquer coisa que atinja sua cabeça trará consequências bem sérias. Vale lembrar que uma mísera pedra atravessou a viseira do austríaco Helmut Marko e cegou seu olho esquerdo. Por isso, digo a vocês: fico mais apreensivo ao ver os pilotos atravessando um monte de estilhaços após um acidente do que o próprio acidente.
1- CARRO NA CARA
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Pior do que receber um pneu ou uma mola na cara é receber o carro inteiro. No ano passado, Michael Schumacher correu seríssimo risco de vida quando seu Mercedes foi atingido com tudo pelo Force India de Vitantonio Liuzzi na largada do Grande Prêmio de Abu Dhabi. O carro de Liuzzi subiu sobre o de Schumacher, com o bico quase acertando a cabeça do alemão. Mais um pouco à esquerda e a cabeçorra do heptacampeão poderia ter virado paçoca.
Não é o único exemplo, claro. Na antiga CART, em certa ocasião, o Reynard-Ford de Bryan Herta estava parado em uma área de escape na contramão, e Herta ainda estava lá dentro. Poucos segundos depois, o Eagle-Toyota de Alex Barron veio descontrolado e literalmente subiu no Reynard, deixando Herta escondido lá embaixo. Por muito pouco, Bryan não foi acertado na cara, já que o cockpit de seu carro não era alto. Se fosse, babau.
Às vezes, o sujeito até é atingido. No Grande Prêmio do Brasil de 1994, um acidente múltiplo na Reta Oposta envolveu quatro carros. Os problemáticos Eddie Irvine e Jos Verstappen disputavam uma posição irrelevante qualquer quando encontraram o retardatário Martin Brundle se arrastando à frente. Irvine veio para a esquerda e acabou empurrando Verstappen para a grama. O holandês perdeu o controle do carro, rodou, subiu sobre o McLaren de Brundle e acertou a cabeça do piloto inglês com a roda traseira direita. Brundle saiu do carro desorientado e diz ele que nem se lembra do que aconteceu. Mas sobreviveu.
É desnecessário dizer que um carro de 500kg vindo diretamente em direção à sua cabeça não deve ser algo muito prazeroso. Na verdade, em ocasiões assim, o sujeito precisa ter o santo bem forte para sair ileso. Qualquer azar pode representar a diferença entre uma vida feliz e uma morte ferrada. Fico pensando se o uso de uma proteção transparente sobre o cockpit não reduziria as chances de tragédias destas duas primeiras posições do Top Cinq. Tudo bem, há as questões de ventilação e de dificuldade na hora de tirar um piloto preso no carro. Mas será que não haveria alguma maneira de evitar isso aí?
Primeiramente, sou completamente leigo em Psicologia. Confesso que gostaria de me aprofundar mais no assunto, mas o que me sobra de preguiça me falta de tempo. Mas é sempre bom saber o que se passa na cabeça das pessoas, até mesmo para você conviver melhor com elas ou para utilizá-las a seu favor no caso de você ser um maquiavélico filho da puta e desalmado. Portanto, se seu interesse no assunto é nulo, até amanhã. Vou falar um pouco sobre isso, misturar o assunto com automobilismo e ver no que dá.
O fato de nunca ter estudado Psicologia não me impede de falar um pouco sobre tipos psicológicos junguianos. Vamos à Wikipedia para falar sobre Carl Jung, o criador da bagaça. Pai da psicologia analítica, o suíço Jung gostava de analisar sonhos e de identificar comportamentos e características pessoais, bem como algumas de suas peculiaridades, como os complexos e a oposição entre introversão e extroversão. Resumindo: Jung é o típico sujeito que tomaria um chope com você e, em três horas, faria uma radiografia da sua personalidade, colocando-te em determinada categoria. Ele é dos meus.
A coisa mais legal que Jung criou foi a Teoria dos Tipos Psicológicos. Em 1921, após duas décadas de intensa pesquisa, ele desenvolveu a obra “Tipos Psicológicos”, espécie de bíblia do assunto. Serei breve e simplificarei o que for necessário, ou seja, quase tudo. Segundo esta obra, os seres humanos são divididos entre os extrovertidos e os introvertidos. Os primeiros são ligados à externalidade das coisas: dão importância à estética, são comunicativos e abertos, gostam de interação. Os introvertidos, por outro lado, são ligados ao aspecto mais interno das coisas: tendem a prestar mais atenção nos detalhes e nas minúcias, preocupam-se mais consigo do que com outras pessoas ou coisas, são mais fechados e menos comunicativos.
Mas há diferenças fundamentais dentro de um mesmo grupo, seja ele o dos extrovertidos ou o dos introvertidos. Estas diferenças são definidas pelas chamadas funções psíquicas, conjuntos de habilidades e atributos que determinam o relacionamento do indivíduo com o mundo. Estas funções psíquicas podem ser categorizadas em três categorias de oposição: sensação/intuição, pensamento/sentimento e julgamento/percepção.
Em suma, o indivíduo pode ser extrovertido (E) ou introvertido (I), sensorial (S) ou intuitivo (N), pensador (T, de thinking) ou sentimental (F, de feeling) e julgador (J) ou perceptivo (P). Conforme você define, para cada categoria, qual dos comportamentos é o seu, você vai unindo as letras e acaba formando um tipo psicológico completo composto pelas quatro letras que te caracterizam: ESTJ, INFP ou ISTP, por exemplo. São 16 possibilidades.
Explico cada letra:
EXTROVERTIDO (E): Pessoa que gosta do contato com o mundo externo. Tende a ser sociável, “simpática” e empática aos problemas dos outros. Simplificando, é aquela que gosta de música alta, festa no apê e telefone. Exemplo: Ivete Sangalo.
INTROVERTIDO (I): Pessoa que prefere a reclusão e o autoconhecimento, deixando de lado o contato excessivo com outras pessoas e coisas. Tende a ser mais tímida, solitária e tranquila. É aquela que gosta de ouvir música no fone de ouvido, ler e andar sozinha. Exemplo: Thom Yorke.
SENSAÇÃO (S): Pessoa que se dá melhor no contato com coisas concretas, que utiliza os cinco sentidos para receber informações do meio e agir. Tende a ter boa coordenação motora e a ser boa com trabalhos manuais e corporais. Exemplos: engenheiros, marceneiros e agricultores.
INTUIÇÃO (N): Pessoa que tende a pegar as coisas por meio do pensamento, da abstração e da imaginação, buscando observar algo além do que os cinco sentidos permite. Tende a ter coordenação motora terrível, mas é boa para chegar a conclusões estrambólicas sobre os mais variados assuntos. Exemplos: intelectuais em geral, críticos de arte, compositores.
PENSADOR (T): Pessoa que acredita na razão. Todas as suas ideias e atitudes são baseadas em conceitos racionais, sem a intervenção da emoção. Exemplo: físicos e matemáticos.
SENTIMENTAL (F): Pessoa que acredita na emoção. Para ela, não há como não agir sem a emoção, pois a razão é muito fria para ser levada a cabo pelos seres humanos. Exemplo: aquela menina chata de 15 anos que gosta de filmes de vampiros.
JULGADORES (J): Pessoa metódica que acredita na ordem. Um julgador acredita que as coisas devem ser feitas de maneira organizada e estritamente ortodoxa, sem abrir espaços para contratempos e arestas. Exemplos: militares, religiosos e positivistas.
PERCEPTIVOS (P): Pessoa que acredita na liberdade, no improviso e na relatividade. Para ela, não há uma única maneira de fazer as coisas, um sistema que deva ser consensual, um cronograma. O perceptivo, teoricamente, tem um leque maior de opções. Exemplos: hippies, liberais clássicos e anarquistas.
Quer fazer o teste para saber qual você é? Tenta este, em inglês.
Kimi Räikkönen, representante dos ISTP
Tá, mas e daí?
E daí que, sem muitos assuntos, decidi aplicar estes tipos junguianos a alguns personagens do automobilismo. Não sou psicólogo e nem conheço ninguém pessoalmente, ou seja, posso estar falando um monte de besteira e sendo injusto com os caras. Em alguns casos, a conclusão pode até soar forçada, mas tive de fazer isso para citar o maior número possível de exemplos. Enfim, não ligo para nada disso, escrevo e sigo em frente.
KIMI RÄIKKÖNEN – Um típico ISTP. Sujeito recluso e estranho que tende à misantropia. Não faz o tipo intelectualizado, mas é bom pra caramba na arte de pilotar. É tão emotivo quanto um boneco de neve. E definitivamente não é organizado e nem seguidor de consensos.
AYRTON SENNA: O tricampeão brasileiro é um bom ISFJ. Sempre muito tímido, Senna era um mestre em perceber problemas em seu carro e sentir as condições da pista, além de extremamente hábil ao pilotar. Emotivo, costumava chorar em suas maiores vitórias. E era um sujeito absolutamente organizado e compenetrado. Creio que Felipe Massa seja outro ISFJ.
NELSON PIQUET: O outro tricampeão brasileiro era INTP. Apesar de não ser propriamente tímido, certamente era alguém que não gostava muito de ser incomodado em alguns momentos. Mesmo sendo um ótimo acertador de carros, Piquet era um cara com boa capacidade de abstração e imaginação, algo que podíamos ver pelas suas declarações. Ele também não era um padrão Räikkönen de falta de emoção, mas parecia ser bem mais racional que a média. E improviso e contrassenso são com ele.
RON DENNIS: Um ISTJ dos bravos. Ron Dennis, definitivamente, não era o cara mais simpático e sociável de todos. Como a maioria das pessoas ligadas ao automobilismo, era um bom tipo sensorial. É também totalmente racional e completamente metódico. Fernando Alonso e Michael Schumacher poderiam ser outros ISTJ.
JAMES HUNT: Fiquei um pouco em dúvida, mas o classifiquei como ESFP. Um cara que comeu o tanto de mulheres que comeu e que fez um monte de amigos não pode ser introvertido. Bon vivant, exercia os cinco sentidos da melhor maneira possível. Não fazia o tipo racional, já que se acabava em drogas e bebida. E organização e obrigações não eram com ele. Juan Pablo Montoya, mesmo com outro perfil, é outro ESFP.
RUBENS BARRICHELLO: ESFJ. Esse daqui é absolutamente extrovertido, completamente sensorial (o que dizer de alguém precisa ler autoajuda?), totalmente emotivo e, convenhamos, não é um irresponsável heterodoxo. O oposto de Piquet. Explica muita coisa.
NICK HEIDFELD: INTJ. Como a maioria dos alemães, não é exatamente extrovertido. Por gostar de arte, gastronomia e umas coisas bizarras, o considerei como intuitivo. É racional e não é do tipo que costuma fazer coisas bizarras demais ou sair da linha.
JACQUES VILLENEUVE: ENTP. Bocudo, não é tão introvertido quanto poderia se imaginar. Parece gostar mais de música e livros do que de carros, é um sujeito racional e costuma ser meio transgressor.
GERHARD BERGER: Seria ele um ESTP? Vejamos: era bastante extrovertido, um exímio sensorial no trato com os carros, racional especialmente em termos políticos e, pelas brincadeiras com Senna e por algumas manobras no início da carreira, um doido avesso a padrões.
KAMUI KOBAYASHI: Talvez um INFP. Claramente introvertido, sujeito relativamente avoado em seus pensamentos (quem mais diria que gostaria de ter sido comediante ou que, se não corresse, acabaria fazendo sushis?), bastante emotivo para um japonês e mais inventivo do que metódico.
LUCAS DI GRASSI: Fico em dúvidas, mas vou de ENTJ. Não é introvertido, é alguém que, ex-estudante de Economia e participante do Mensa, tem um lado intuitivo forte, é racional e é metódico e organizado, meio avesso a loucuras.
GILLES VILLENEUVE: Penso que era um ISTP. Bastante introvertido, especialista em controle do carro, não muito emotivo (só assim para conseguir sobreviver às disputas nas quais ele se metia) e totalmente doido.
JENSON BUTTON: Um ESTJ? Vejamos: extrovertido, bastante sensorial, relativamente racional e, como visto várias vezes em sua carreira, bastante cauteloso e conservador na pilotagem.
Confesso que não consegui exemplos para os outros três tipos (ENFP,ENFJ, INFJ). Se quiserem mandar sugestões, aceito.
Aliás, eu sou INTP. Assim como Einstein, Darwin e o próprio Jung. Sabia que era um gênio.
O acidente de Sergio Pérez no treino oficial do Grande Prêmio de Mônaco deixou muita gente assustada. A imagem da cabeça inerte do piloto mexicano no cockpit de seu Sauber C30 fez muitos imaginarem que Dona Morte passava pelo principado para dar um alô aos que acham que o automobilismo contemporâneo é infalível. Felizmente, o serviço de socorro é extremamente eficiente por lá e Pérez foi muito bem atendido. No hospital, os médicos diagnosticaram uma pequena concussão, lesão cerebral que não costuma ter consequências sérias. Nada que um saco de gelo e umas aspirinas não resolvam.
E Dona Morte perde novamente. O acidente de Pérez mostra que o automobilismo ainda é perigoso e pode machucar, mas a morte só virá a acontecer no caso de tudo der errado – o que não é impossível. No caso do mexicano, a estrutura do carro funcionou perfeitamente bem e o cockpit ficou intacto. O HANS evitou que a cabeça do piloto se mexesse demais, prevenindo problemas maiores na cabeça e no pescoço. A barreira também fez seu serviço. E o azar não deu as caras. Enfim, tudo certo e a vida segue rósea. Nem sempre foi assim, no entanto.
Há dezessete anos, um acidente em circunstâncias parecidíssimas envolvendo um piloto da mesmíssima Sauber trouxe consequências bem mais graves.
Quinta-feira, 12 de maio de 1994, 11h27, primeiros treinos livres para a corrida monegasca. Faltavam míseros três minutos para o fim da sessão e o austríaco Karl Wendlinger, décimo colocado naquele momento, vinha em volta rápida. Ao sair do túnel, seu Sauber C13 subitamente se descontrolou. Algumas testemunhas dizem que ele freou tarde demais e, além de tudo, tocou o guard-rail direito. Segundo a telemetria da Sauber, Karl teria atrasado sua freada em 13 metros.
A 280km/h, o carro preto descontrolado veio se arrastando de lado até uma estúpida e frugal barreira formada por caixotes de plástico preenchidos com água. Prevendo o desastre, Wendlinger cruzou os punhos sobre o volante. Esperou pela pancada dura, torcendo para que aquilo não passasse de um susto.
Infelizmente, o ângulo era extremamente desfavorável. Além da barreira ser absolutamente inútil, o carro vinha em direção a uma quina. Quer dizer, tudo o que o diabo gosta.
270km/h. Esta foi a velocidade da batida da lateral direita do C13 contra a quina. A barreira de plástico explodiu e espalhou água por todos os lados. Uma parte do guard-rail foi deslocada para trás. Azarado, Wendlinger acabou batendo com a cabeça na barreira. Em seguida, o carro deu uma ricocheteada e parou. Karl estava inconsciente, com a cabeça caída para o lado direito e as mãos colocadas sobre o volante. Seria a continuação do pesadelo de Imola?
Correria. Os médicos não demoraram muito e chegam ao local em questão de segundos. Tiram o capacete e percebem que não havia sangue ou ferimentos externos em sua face. Apesar de inconsciente, seus olhos estavam abertos. O capacete estava amassado. Retiram-no do carro e tentam estabilizar suas funções vitais, como respiração e circulação. Em 15 minutos, Karl recebe injeção intravenosa e é colocado em uma ambulância que segue rumo ao Hospital Princesa Grace. Por lá, é feita uma tomografia e o diagnóstico é claro: traumatismo craniano grave, contusões cerebrais e edema. O restante do corpo, no entanto, sai ileso.
Com a gravidade da situação, os médicos decidem colocá-lo em um helicóptero e enviá-lo para o hospital Saint-Roch, localizado em Nice, cidade francesa localizada a 25 quilômetros de Mônaco. Karl chega ao hospital em estado de coma profundo e é levado à UTI. Por lá, os médicos o fazem respirar com a ajuda de aparelhos. Havia a possibilidade de intervenção cirúrgica no cérebro, o que poderia causar problemas permanentes a Wendlinger. Naquele momento, o melhor era esperar.
Enquanto isso, a Fórmula 1 se perde ainda mais em sua crise de credibilidade. Os pilotos começam a discutir se correr em circuitos velozes dentro de carros altamente instáveis valia a pena. O francês Erik Comas, por exemplo, ameaçou não correr caso seu colega morresse. Outros pilotos, como os medalhões Gerhard Berger e Michael Schumacher, ponderavam se não era melhor abandonar as carreiras no auge e partir para algo ligeiramente mais seguro.
Os jornalistas estavam apreensivos. A sala de imprensa estava lotada, com telefones e telexes sendo utilizados à exaustão. Sem a agilidade da internet difundida, o jornalista esperava ansiosamente por quaisquer notícias sobre o estado de saúde de Wendlinger para, depois, notificar seus jornais e agências pelos meios disponíveis até então. E as informações eram absolutamente desencontradas. Ninguém sabia se ele estava vivo ou morto. Especulações sobre a morte no local ou uma vida vegetativa eram inúmeras. Por via das dúvidas, optava-se pela epígrafe: Karl Wendlinger, 25 anos, nascido em Kufstein, piloto de Fórmula 1 desde 1991…
Karl Wendlinger, há 17 anos
Quem estava mais perdido que cego em tiroteio era o presidente da FIA, Max Mosley. Antes do acidente de Wendlinger, Mosley havia comentado que os acidentes fatais de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger em Imola haviam sido circunstanciais. Depois do acidente, atônito, o dirigente declarou a implantação de algumas medidas de emergência a partir da corrida seguinte, no Canadá: diminuição dos aerofólios dianteiros, laterais dos cockpits mais altas, reforço do sistema de fixação de rodas, eliminação das tomadas de ar e o uso da gasolina comum.
Ao mesmo tempo, a opinião pública se mostrava absolutamente revoltada com a carnificina promovida pela Fórmula 1 naquele mês de maio. Alguns jornais italianos e franceses abusaram de manchetes como “parem o circo sanguinário! Um bilhão não vale um vida!” (Tuttosport) e “esse massacre deve terminar” (Corriere dello Sport). Mesmo após o anúncio das mudanças, as manchetes negativas não acabaram: “uma revolução tardia na corrida homicida” e “a última corrida das máquinas da morte”. Irritado com tudo isso, Bernie Ecclestone declarou que toda essa campanha da mídia contra a Fórmula 1 não passava de “irresponsabilidade de quem só pensa em vender jornal”. Assim como Mosley, Bernie não estava disposto a ceder a ninguém.
Enquanto isso, o cérebro de Wendlinger continuava às escuras. O primeiro boletim médico foi emitido às 15h50 e dizia que ele estava na UTI do hospital Saint-Roch havia duas horas e que seu estado de saúde era estacionário, nada muito claro. Uma hora depois, um segundo boletim apresentou claramente a gravidade da situação: “traumatismo craniano grave e prognóstico vital em jogo. A família do piloto pede que a maior discrição seja observada”.
No dia seguinte, mais informações negativas. Em novo boletim, o hospital Saint-Roch divulgou que “caso Karl Wendlinger sobrevivesse, o que ainda era incerto, ele provavelmente teria sequelas fundamentais maiores”, como paralisia total ou parcial dos membros locomotores, perda da capacidade de falar e, na pior das hipóteses, uma vida vegetativa. Ainda assim, o estado era considerável estável e eram necessárias 48 horas para que conclusões mais elucidativas fossem feitas. No mesmo dia, a Sauber anunciou que não participaria da corrida monegasca.
Apesar da gravidade da situação, Karl Wendlinger sobreviveu ao fim de semana, embora seu estado de coma profundo ainda tenha se mantido por vários dias. No dia 25 de maio, os médicos conseguiram fazê-lo mexer os olhos pela primeira vez. Havia uma melhora. Não se sabia até quando esta melhora seria definitiva e real, mas o fato é que o pior já tinha passado e a tendência era a recuperação gradativa.
19 dias após o acidente, Wendlinger finalmente conseguia sair do coma completamente. No início de junho, a TV austríaca ORF exibiu imagens do piloto no hospital. Consciente, ele já conseguia ler e falar, ainda que com alguma dificuldade. Dias depois, ele foi transferido para um quarto comum do hospital da Universidade de Innsbruck, não muito distante da cidade natal do piloto.
A recuperação prosseguia lenta e gradual. Em julho, ele manifestou vontade de retornar à Fórmula 1. Em setembro, Karl surpreendeu a todos aparecendo no paddock do Grande Prêmio da Itália, em Monza. Bastante magro e ainda mancando, ele voltou a reafirmar sua vontade de voltar à Fórmula 1 e disse que tentaria o retorno ainda no fim daquela temporada, provavelmente nas duas últimas corridas, sediadas no Japão e na Austrália.
Pouco antes destas duas últimas etapas, a Sauber decidiu dar-lhe uma oportunidade de testar. Não lembro qual foi o circuito, mas sei que Wendlinger até fez boas voltas, mas não aguentou as dores no pescoço e preferiu desistir destas últimas duas corridas. A equipe suíça chegou a chamar Andrea de Cesaris, que estava em férias no Havaí, mas o italiano recusou. Então, teve de recorrer a JJ Lehto, outro que havia sofrido um acidente em 1994 e não estava totalmente em forma.
Wendlinger voltou a correr no ano seguinte pela mesma Sauber. No entanto, apesar das condições físicas e mentais estarem boas, o psicológico nunca mais foi o mesmo. A telemetria da equipe mostrava um enorme déficit do austríaco com relação ao companheiro Heinz-Harald Frentzen em curvas de alta. Com isso, Wendlinger fez poucas provas e chegou a ser substituído pelo francês Jean-Christophe Boullion no meio do ano. Depois disso, equipe nenhuma demonstrou interesse nele para 1996. E a carreira outrora promissora de Karl Wendlinger na Fórmula 1 terminou aí.
Felizmente, as coisas não serão assim para Pérez. Após o acidente, o piloto teve apenas uma forte dor de cabeça e algumas dores pelo corpo. Hoje, ele já está fora do hospital e, após testes com alguns médicos da FIA, foi liberado para correr no Canadá. Graças a Deus, o dejà vu do capacete tombado no canto do cockpit do Sauber na Chicane do Porto não passou disso.