Como tudo começou? Há alguns dias, não muitos, o tricampeão brasileiro Nelson Piquet Souto Maior virou sua sexta década. Pois é, o tempo passa como um raio sob nossos narizes. Não que eu o tenha visto correr durante tanto tempo – talvez só existam alguns flashes de sua última temporada na Fórmula 1 em minha consciência e olhe lá. Mas o tempo não deixa de passar para as outras pessoas. Para muitos, parece que foi ontem que aquele carioca de nascimento e candango de coração, um tanto reservado e bastante arredio, fez seu début na Fórmula 1.

Alguns campeões do mundo tiveram estreias portentosas e festejadas, como Jacques Villeneuve, Lewis Hamilton e até mesmo Emerson Fittipaldi. Outros podem não ter chamado a atenção logo de cara, mas puderam fazer suas corridas iniciais em condições razoáveis: Alain Prost, Ayrton Senna e Michael Schumacher seriam os melhores exemplos. Piquet, não. Esse daí, garageiro desde adolescente, só poderia ter estreado lá na porta dos fundos, onde a graxa empapa os macacões dos humildes e esfomeados mecânicos das equipes pequenas.

No começo de agosto de 1978, a cabeça de Nelson Piquet estava apenas na Fórmula 3 britânica, onde competia com um Ralt todo amarelado. Lutava contra adversários já adaptados ao estilo de vida europeu, circuitos desconhecidos e a mídia paulista, que insistia em dar todas as atenções do mundo ao conterrâneo Chico Serra. Talentoso e criativo, Nelson não teve grandes dificuldades para enfrentar todos estes empecilhos, ganhar treze corridas e se sagrar campeão dos dois campeonatos ingleses de Fórmula 3, o BP e o Vanderwell.

Naqueles dias, um piloto não necessariamente precisava fazer a Fórmula 2 se quisesse chegar à Fórmula 1. Bastava tocar o terror na Fórmula 3 para que as grandes equipes do certame maior iniciassem o assédio. No caso de Piquet, ainda antes dele ser campeão, foi-lhe enviado um convite para pilotar um McLaren a partir do GP da Áustria.

Oba! Mas não pense você que a McLaren em questão é a oficial, comandada por Teddy Meyer naqueles dias e por Martin Whitmarsh atualmente. Naqueles tempos já empoeirados, uma pequena equipe tinha o direito de arrendar um chassi antigo de uma grande escuderia a um precinho camarada. No caso do convite de Piquet, ele pilotaria um M23 de 1974 preparado pela equipe BS Fabrications, pertencente a Bob Sparshott, ex-mecânico da Lotus.

O primeiro contato entre Piquet e a BS Fabrications ocorreu no começo de julho, logo após a corrida de Fórmula 3 de Brands Hatch. O brasileiro foi chamado para um inofensivo teste com o M23 branco e vermelho no circuito de Silverstone no dia 20 de julho. Nelsão entrou no carro, deu 35 voltas e conseguiu 1m19s95 na melhor delas, o que lhe daria o 19º lugar no grid do GP da Inglaterra do ano anterior.

“Andar pela primeira vez num carro com essa potência é uma emoção enorme. Acho que me dei bem, principalmente porque consegui transmitir informações que melhoraram o desempenho do carro à medida em que me adaptava a ele”, afirmou um empolgado Piquet a jornalistas brasileiros. Mas quem realmente ficou impressionado foi o diretor técnico da BS Fabrications, Dave Simms. “Piquet é mesmo muito veloz e tem grande sensibilidade com o bólido”.

Sparshott também adorou o que viu e não tardou em fazer a oferta a Piquet para que ele disputasse as últimas provas da temporada de 1978 a partir do GP da Áustria.  O brasileiro teria de pagar cerca de 10 mil dólares por corrida – quantia que, nos dias atuais, não chega a custear uma prova de Fórmula Renault.

Piquet demorou um pouco para responder o convite, pois estava mais preocupado com a disputa de título da Fórmula 3. Somente no dia seguinte ao da conquista, obtida em Donington Park no dia 23 de julho, que Nelson deu a resposta final: aceito. Estava tudo às mil maravilhas para o filho do ministro Estácio: ele havia acabado de vencer o campeonato mais difícil de Fórmula 3 da Europa, estava recebendo bons convites das categorias maiores e faria sua estreia na Fórmula 1 logo, logo.

Mas não demorou mais do que alguns poucos dias para que Nelson Piquet recebesse um convite-relâmpago para disputar o GP da Alemanha, etapa imediatamente anterior à austríaca. Dessa vez, quem o queria na pista era o engenheiro Morris Nunn, dono da modesta Ensign. Como Piquet não estava sob contrato para a corrida de Hockenheim, não custava nada para o brasileiro aparecer lá na Schwarzwald para disputar uma corrida meio que na base da cortesia. Nelson aceitou.

Tão logo foi confirmada a estreia de Piquet já em Hockenheim pela Ensign, o compatriota Emerson Fittipaldi foi tomado pelo sentimento de apreensão. Emerson deu um jeito de correr atrás de Piquet para tentar impedi-lo de disputar o GP da Alemanha por uma equipe tão ruim. “Para uma primeira experiência, eu ficaria muito mais com o McLaren do Brett Lunger, que o Nelson já testou, do que com o Ensign, que é um carro muito irregular”, palpitou o bicampeão. Diz a lenda que Fittipaldi tinha grandes interesses em Piquet, inclusive pensando em colocá-lo para correr na Copersucar. Mas o jovem piloto ignorou os conselhos e foi para a pista.

Hockenheim, 28 de julho de 1978. Pela primeira vez na carreira, Nelson Piquet faria parte de um grande prêmio de Fórmula 1. Seria o primeiro dos 207 fins de semana que ele passaria no paddock, acelerando seus brinquedinhos e se aborrecendo com jornalistas estúpidos. Ao contrário do que costumava acontecer nas corridas em Hockenheim, fazia um calor desgraçado.

Havia trinta inscritos e apenas 24 vagas no grid. Não existiam muitos carros piores do que o Ensign N177 naquele grid. Portanto, Piquet teria de trabalhar como um escravo para conseguir garantir a participação na corrida. Na sexta-feira, logo de cara, ele enfrentou todos os problemas possíveis de um piloto de uma equipe nanica.

O N177 preto tinha inúmeras deficiências de velocidade e confiabilidade. A pior delas residia no câmbio, que escapava o tempo todo. Apenas a segunda e a terceira marcha se comportavam direito. Para tentar manter o carro numa velocidade aceitável, Piquet tinha de passar boa parte do tempo segurando a alavanca com a mão direita. Graças a isso, ele terminou o primeiro treino classificatório com a mão toda estraçalhada. E o esforço nem serviu para muita coisa: com 1m58s14, Nelson Piquet ficou apenas em 26º. Como largariam apenas 24, ele estava momentaneamente fora de seu primeiro GP.

Havia ainda a segunda sessão classificatória, realizada no sábado. A Ensign poderia trocar o câmbio e Piquet finalmente teria um carro que, ao menos, ficava com as marchas no lugar. Mas o próprio piloto não estava tão otimista. “A única coisa interessante é que terei uma hora e meia sem cronometragem para andar à vontade e me habituar ao carro”, afirmou ainda na sexta-feira. Ele só havia dado doze voltas no acumulado das duas sessões daquele dia. A qualificação soava improvável naquela altura.

Sábado, 29 de julho. Havia duas sessões de treinos, apenas uma delas oficial. Na primeira, que não valia para o grid de largada, Piquet passou um bom tempo vendo seus mecânicos trocando o câmbio de seu carro. Mas o esforço valeu a pena. Na segunda sessão, Nelson baixou seu melhor tempo em excelentes dois segundos e acabou conseguindo a 21ª posição no grid, garantindo sua participação na corrida do dia seguinte.

Efusivo, Piquet não deixou de lado seu estilo afiado: “O meu carro não é nada bom e é claro que não espero um bom resultado, mas estou contente de poder fazer a estreia. Quero andar bem e aproveitar muito dessa primeira corrida para iniciar uma carreira na Fórmula 1. Só estando dentro da coisa para saber o que é. Eu pensei que fosse bem mais fácil, mas já vi que levará muito tempo para chegar a um nível considerável”. O chefe Morris Nunn foi bem menos cauteloso. “Ele é uma grande promessa”, afirmou Nunn.

Piquet sabia que seu carro não servia nem para tirar fotografia. Para ele, o negócio era andar o máximo possível na corrida e compreender a diferença de 320cv que separava seu Ralt-Toyota de Fórmula 3 para o Ensign-Ford de Fórmula 1.

A largada foi uma bagunça, como sempre costumava ser naqueles dias. O estúpido diretor de prova acionou as luzes verdes quando os últimos carros do grid, incluindo aí o do próprio Piquet, ainda nem haviam se posicionado na grelha. Podemos dizer, sem medo de errar, que a primeira largada do brasileiro foi lançada. Mas ele se livrou bem das confusões e do carro estacionário de Patrick Depailler e fechou a primeira volta em 19º.

Quase que Piquet saiu da prova logo na segunda passagem. Imediatamente atrás dele, os alemães Hans Joachim Stuck e Jochen Mass decidiram fazer um dueto em pleno Hockenheim e acabaram se envolvendo num acidente besta. Ao mesmo tempo, Nelson conseguiu ultrapassar o Theodore de Keke Rosberg, outro que estava no início da carreira, e também foi ultrapassado sem dificuldades pelo Wolf de Jody Scheckter, que havia caído da quarta para a última posição na primeira volta e iniciou uma belíssima prova de recuperação. Com isso, a 19ª posição foi mantida na segunda volta.

O negócio de Piquet era tentar chegar ao fim e se aproveitar dos abandonos dos outros, no melhor estilo Emerson Fittipaldi. Naqueles dias, esta era a melhor tática. Pilotos como Niki Lauda e Carlos Reutemann ficaram pelo caminho e Nelson lucrou algumas posições com seus infortúnios. Na volta 31, ele já era o 12º colocado. Sonhar com um Top 10 não era proibido.

Só que o carro, o maldito carro preto, não colaborou. Justamente na volta 32, o motor Cosworth explodiu e Piquet teve de abandonar a corrida. Quem só enxerga as atuações pelos resultados crus tenderá a dizer que o primeiro GP de Nelson Piquet foi um verdadeiro fracasso, mas é óbvio que as coisas não foram bem assim. Chefes de equipe o elogiaram abertamente e alguns deles foram atrás daquele brasileiro de semblante eternamente desconfiado para conversar sobre o futuro.

Depois desta corrida de Hockenheim, nula em termos de resultados e importantíssima em termos de atenções, Piquet fez as três corridas combinada com a BS Fabrications e também não teve resultados muito mais esplendorosos. Por trás das cortinas, no entanto, sua vida ia a mil. A própria BS Fabrications, a Surtees e a ATS acenaram com contratos de primeiro piloto para 1979. A intenção de Nelson era criar sua própria escuderia de Fórmula 2 e tentar conciliar esta categoria com um emprego numa equipe pequena de Fórmula 1 em 1979.

Mas todos os planos minguaram quando Bernie Ecclestone o procurou. Quer correr para mim na Brabham? Você vai ganhar 50 mil dólares e mais 30% das premiações, uma merreca. Mas vai correr de Brabham e não dessas geringonças de fim de pelotão. Não havia como recusar. Começa aí a história do Nelson Piquet tricampeão brasileiro. Mas aí são outros quinhentos cliques.

Com o atraso de um carro da Ensign, feliz aniversário, Piquet!

FERRARI9 – Como sempre, resultados destoantes. Fernando Alonso ganhou mais uma, a terceira no ano. Marcou a pole-position, fez o que quis na corrida, controlou o ritmo, conteve os ímpetos de Sebastian Vettel e Jenson Button e venceu. Felipe Massa largou lá atrás, bateu na largada e terminou lá no pelotão do Deus-me-livre. Bom trabalho nos boxes, carro acertadinho e consumo baixo de pneus permitiram que os ferraristas celebrassem mais um fim de semana impecável. Mas com apenas um piloto.

MCLAREN8 – Trouxe para Hockenheim um carro todo novo, com pecinhas especiais, combustível de nave espacial e motor de urânio enriquecido. Faltou apenas pedir encarecidamente a Lewis Hamilton para que não saísse por aí atropelando pedaços de carro. Graças a isso, o polêmico piloto britânico estourou um pneu e perdeu uma boa chance de conseguir alguns pontos. Pelo menos, Jenson Button conseguiu sair da sexta para a segunda posição após uma excelente atuação. É bom destacar também o trabalho supersônico dos mecânicos no segundo pit-stop de Button, que teve os quatro pneus trocados em inacreditáveis dois segundos e 31 centésimos.

LOTUS6,5 – Aquela coisa de sempre. Na quinta-feira, alimenta as esperanças de todos. Na sexta-feira, anda razoavelmente bem nos treinos livres. No sábado, se complica com pelo menos um de seus pilotos na qualificação. Na corrida, lamenta mais uma corrida ruim de Romain Grosjean e celebra algum resultado inesperado de Kimi Räikkönen. Este script foi seguido à risca em Hockenheim. O franco-suíço se envolveu num acidente na largada e não conseguiu nem sequer sentir o cheiro dos pontos. Räikkönen, sempre discreto, andou forte sem exceder e foi premiado com um pódio no tapetão. Quando virá a tal primeira vitória?

SAUBER9 – Grande domingo. Para uma equipe média numa corrida onde 23 pilotos chegaram ao fim, ter seus dois pilotos terminando em quarto e sexto foi um feito e tanto para Peter Sauber. Os destemidos Kamui Kobayashi e Sergio Pérez não fizeram nada no treino oficial, mas compensaram com uma atuação fenomenal na corrida. O mexicano até começou melhor, mas o japonês reagiu na metade da prova e foi premiado com uma ótima quarta posição. Injusto, no entanto, desprezar a ótima atuação de Pérez, que foi devidamente atrapalhado por um problema no câmbio durante os treinos e um pneu quadrado na corrida. Não demita o Koba, seu Peter!

RED BULL7 – Era a única equipe com um carro bom o suficiente para derrotar a Ferrari, mas não conseguiu sequer o pódio. Só não se meta a dizer que os pilotos tiveram culpa. O pobre do Mark Webber conseguiu um terceiro lugar na classificação, mas uma troca de câmbio o fez largar em oitavo. Infelizmente, ele terminou na mesma posição no domingo. Sebastian Vettel largou da primeira fila, tentou dar alguma dor de cabeça a Fernando Alonso e conseguiu garantir a segunda posição na penúltima volta. No entanto, a ultrapassagem sobre Button foi considerada ilegal e Vettel foi rebaixado para o quinto lugar. Punição exageradíssima.

MERCEDES3,5 – Não merecia nem ter pontuado. Os dois pilotos se esforçaram ao máximo, mas foram amplamente atrapalhados pelo seu cinzento objeto de trabalho. Não que Nico Rosberg tenha feito miséria no treino classificatório, mas a punição por troca de câmbio não o deve ter animado muito. Largando lá de trás, ele foi talvez o único piloto que se deu mais ou menos bem com a estratégia de três paradas. Michael Schumacher não precisou trocar de câmbio, largou em terceiro, foi ultrapassado por um monte de gente e terminou em sétimo sem pneus. Quando terão um fim de semana bom para os dois pilotos?

FORCE INDIA5 – Sem muitos abandonos ou acontecimentos nonsense na corrida, a Force India não podia esperar mais do que um bocadinho de pontos. Eles, dois, vieram com Nico Hülkenberg, que andou muito bem no treino oficial e decaiu durante a prova graças ao alto consumo de pneus de seu VJM05. O alemão voltou a render mais do que Paul di Resta, que largou em nono e terminou em 11º. Ele até sofreu mais com os pneus, pois parou apenas duas vezes. Mesmo assim, ainda terminou à frente de bastante gente.

TORO ROSSO2 – Em fase muito ruim, a equipe italiana passou mais um fim de semana zerada. Como sempre, Daniel Ricciardo foi o melhor no treino classificatório e Jean-Eric Vergne se recuperou bastante na corrida. Mesmo assim, nenhum dos dois consegue sequer beliscar um ou dois pontinhos. O australiano largou em 11º e perdeu posições por causa da falta de estabilidade de seu carro. Vergne teve um pneu furado e passou a maior parte do tempo disputando posições inúteis com as equipes minúsculas. A humanidade caminha e a Toro Rosso fica para trás.

WILLIAMS1 – Pior fim de semana no ano com sobras. Não ganhou nota zero apenas porque Pastor Maldonado andou muitíssimo bem nos treinos livres e conseguiu o quinto lugar no grid. A felicidade acabou aí. O venezuelano perdeu todas as posições que conseguiu e só não passou mais vergonha porque não bateu em ninguém. Foi uma compensação ao acidente de Valtteri Bottas na sexta-feira, que atrasou o cronograma do pobre do Bruno Senna. O sobrinho, aliás, não fez nada a não ser se envolver num problema com Romain Grosjean na primeira volta. Chegou ao fim, mas atrás de Vitaly Petrov. Pois é.

CATERHAM4 – Ninguém contava com isso, mas Vitaly Petrov foi o cara deste fim de semana. O russo fez uma corrida muito boa e terminou à frente de gente com carro bem melhor. Um bom trabalho para um cara que está pagando seus pecados após dois anos correndo para Eric Boullier. O companheiro Heikki Kovalainen não foi mal, mas acabou sumindo graças aos quatro pit-stops. É uma pena que uma corrida boa da equipe signifique tão somente terminar em 15º, 16º, coisa assim.

MARUSSIA3 – Assim como a Caterham, viu a ordem das coisas ser invertida em Hockenheim. O novato Charles Pic foi o melhor piloto da equipe: largou em 20º e terminou na mesma posição, à frente dos dois carros da HRT e do companheiro Timo Glock. O alemão, por sinal, foi uma das decepções ocultas do fim de semana: esteve lento durante todo o tempo e apanhou de Pedro de la Rosa no final da corrida. Quanto aos mecânicos, continuam incompetentes.

HRT3,5 – Os dois pilotos pareciam muito satisfeitos após a corrida, mesmo após terem terminado em 21º e 23º. Pedro de la Rosa ultrapassou Timo Glock no final da corrida e ficou muito orgulhoso por isso. E a volta mais rápida de Narain Karthikeyan foi melhor que a de Timo Glock, algo notável em se tratando do indiano. Mas bem que os mecânicos poderiam caprichar um pouco mais nos pit-stops.

TRANSMISSÃOLEVAR A SÉRIO – “Grande Prêmio da Alemanha, aqui no circuito de Nürburgring… Circuito de Hockenheim. Eu errei, errar é humano, mas tem gente que leva tudo a sério, né?”. Estas sábias palavras foram proferidas pelo locutor oficial da transmissão brasileira, que não teve de narrar rinha de galo neste fim de semana. Pouco antes da largada, ele confundiu Hockenheim com Nürburgring, mas corrigiu logo em seguida e ainda soltou a frase de protesto citada logo acima. Calma, amigo. Não levamos tudo a sério. Gostamos apenas de rir um pouco dos pequenos deslizes humanos que acontecem na televisão, uma instituição humana, afinal. Para mim e para muitos, você continuará sendo o melhor narrador que o Brasil já teve. Então, um pequeno e singelo recado: seu Luciano do Valle, não leve tudo a sério.

CORRIDAOS ASTURIANO PIRA – Mais uma vitória de Fernando Alonso, não é? Os opositores suspiram e reclamam. Chega. Alonso é mau-caráter, cabeçudo e sobrancelhudo demais para ganhar tanto assim. Ele pode até ser isso tudo, mas também é bom pra caramba. Sua pole-position não foi obra do acaso, assim como a liderança fácil e totalmente controlada. O F2012, ademais, evoluiu muito do início do ano para cá. Hoje, é carro para ganhar título, sim, senhor. Bem que Sebastian Vettel e Jenson Button, a dupla dinâmica de 2011, tentaram impedir, mas tiveram de se contentar com pódio – ou nem isso, no caso do alemão. A propósito, que punição mequetrefe, hein? Eu não torço pro Vettel, mas reconheço que foi uma puta falta de sacanagem o que fizeram com ele. E que ninguém venha com legalismo aqui. Eu sei que as regras foram decididas no briefing, mas elas não deixam de ser inaceitáveis. Se o mundo fosse um lugar perfeito, apenas cortes de chicanes seriam passíveis de punição. Agora, até mesmo a embarrigada não é permitida. Automobilismo chato.

GP2CORAGEM – Você precisa ter dois colhões e meio para largar de pneus slick quando 24 pilotos optam por pneus mais adequados para pista molhada. Então, aplaudam o meio colhão a mais que Johnny Amadeus Cecotto tem em relação aos demais. O venezuelano largou da 17ª posição e se aproveitou de uma pista que secava rapidamente para ultrapassar todo mundo e assumir a liderança com a rapidez de um meteoro. Deu até para fazer o pit-stop tranquilamente e manter a liderança até o fim. Luiz Razia terminou em sétimo e pôde largar em segundo na corrida de domingo. Infelizmente, uma rodada logo no começo o impediu de abrir uma distância maior na liderança do campeonato. Quem venceu foi o rapidíssimo e confiável James Calado, que comandou a prova de ponta a ponta. O terceiro colocado foi exatamente o brasiliense Felipe Nasr, que fez um excelente fim de semana e pulou para a nona posição no campeonato.

GP3VOO LIVRE – Essas corridas curtas da GP3 ficam patéticas quando há intervenção do safety-car e bandeira vermelha. Na primeira prova de Hockenheim, um temporal assassino fez com que houvesse não mais do que seis voltas de corrida em bandeira verde. Um abraço aos que são a favor dessas interrupções monstruosas quando chove. Patric Niederhauser ganhou após superar Conor Daly por apenas seis décimos. A segunda corrida foi um pouco mais interessante. Na primeira volta, a pobrezinha da Vicky Piria causou um reboliço que envolveu vários carros, levantou voo duas vezes e destruiu seu carro azul e branco. A mocinha passou a noite no hospital, mas ficou bem. Outro que voou longe foi o brasileiro Fabiano Machado, que pegou uma ondulação na grama e decolou por alguns metros, mas não se machucou. Venceu Mitch Evans, o talentoso neozelandês que merece atenção lá no futuro. Esse deverá voar alto de verdade.

FERNANDO ALONSO10 – Mais uma vitória do melhor piloto do ano até aqui. Se há dois anos o cara precisou da ajuda santa de Felipe Massa, dessa vez ele fez tudo sozinho e ainda driblou caras que aparentavam ter carros melhores. Na chuva, penou um pouco no segundo treino livre, mas fez sua parte na hora certa e marcou sua segunda pole-position no ano. A atuação de domingo foi digna de Alain Prost, aquele desgraçado que sempre conseguia ganhar pilotando o melhor carro ou não. O asturiano largou bem, teve dois ótimos pit-stops, segurou Vettel tranquilamente no segundo stint e conteve os sonhos de Jenson Button nas últimas voltas. Controlou a corrida do jeito que quis, não gastou muitos pneus e não teve problemas com retardatários. Faltou só o nariz.

JENSON BUTTON9 – Ele ainda vive. Depois de um longo e tristonho período de más atuações, o inglês finalmente voltou a fazer uma daquelas típicas corridas misteriosas e eficientes que só ele consegue. As novas atualizações da McLaren prometiam dar um novo gás à equipe na pista seca, mas choveu pra caramba tanto na sexta-feira como no sábado e o inglês não conseguiu nada além de um sexto lugar no grid. Ainda bem que o sol reinou no domingo. Button passou Pastor Maldonado, Nico Hülkenberg e Michael Schumacher sem grandes dificuldades, assumindo o terceiro lugar antes mesmo de seu primeiro pit-stop. Na segunda parada, tomou o segundo lugar de Sebastian Vettel e começou a ameaçar Fernando Alonso nas últimas voltas. Infelizmente para ele, os pneus acabaram no finalzinho e Vettel o ultrapassou na penúltima volta. Graças ao bom e velho tapetão, o alemão se deu mal e Button finalizou o dia numa ótima segunda posição.

KIMI RÄIKKÖNEN8,5 – Não sei como, onde ou por quê, mas o finlandês cachaceiro terminou o domingo com o troféu do terceiro lugar. A Lotus era outra equipe que tinha um carro bom para pista seca, mas choveu de novo e não deu para peitar Ferrari, Red Bull e McLaren. Kimi sofreu um pouco nos dois primeiros treinos livres, no Q2 e no Q3 da classificação, obtendo apenas o décimo lugar no grid. A melhor parte do fim de semana definitivamente ficou para a corrida. Ele partiu bem e ganhou muitas posições especialmente no segundo stint, quando utilizou seus últimos pneus macios. No final da corrida, estava andando em quarto sem sofrer pressão de ninguém. A punição de Sebastian Vettel o colocou no pódio, mesmo que não tenha havido champanhe. Räikkönen terminou o dia sem beber, mas com 15 pontos no bolso.

KAMUI KOBAYASHI8 – Inesperada ótima corrida, um alento para quem parece estar sendo aterrorizado pelo fantasma do desemprego. Não consegue andar bem nos treinos de jeito nenhum, mas ao menos se esforça para fazer um bom trabalho no domingo. Dessa vez, deu muito certo. Largando da 12ª posição, ele foi um dos poucos que partiram com pneus médios e preferiu se arrastar nas primeiras voltas para ver o que acontecia lá na frente. Graças a isso, seu primeiro pit-stop aconteceu apenas na volta 22. No segundo stint, mesmo com pneus médios, Koba subiu algumas boas posições e até ultrapassou o companheiro Sergio Pérez. No último trecho, já com os compostos macios, o cara marcou várias voltas mais rápidas e cruzou a linha de chegada numa confortável quinta posição. A punição de Sebastian Vettel o elevou para quarto. Que continue assim.

SEBASTIAN VETTEL9 – Segundo Derek Warwick, um criminoso digno de punição. Seu pecado capital foi aproveitar um pedaço da área de escape externa, asfaltada, para ganhar a segunda posição de Jenson Button nas últimas voltas. Graças a isso, ele foi punido com vinte segundos no tempo final e seu segundo lugar foi transformado em quinto. Injustiça. Vettel fez seu trabalho direitinho novamente e foi o cara que mais deu dor de cabeça a Fernando Alonso no fim de semana. Qualificou-se em segundo, conteve os ataques de Michael Schumacher na primeira volta e acompanhou Fernando Alonso durante todo o tempo. Nunca conseguiu esboçar uma tentativa de ultrapassagem, mas também nunca ficou para trás. No terceiro stint, foi ultrapassado por Jenson Button nos pit-stops, mas recuperou a posição no final. Só que a FIA não quis saber e puxou o tapete. Um saco, este negócio de ficar punindo a torto e direito.

SERGIO PÉREZ8 – Apesar do resultado, foi até mais convincente do que Kamui Kobayashi durante a maior parte do tempo. Faltou-lhe sorte, e talvez uma performance melhor no treino oficial, embora a perda de cinco posições no grid por punição também não anime ninguém. Com uma estratégia diferente da do japonês, Pérez teve um início de corrida melhor, embora tenha tido de parar um pouco antes do planejado graças a um problema no pneu. Mais adiante, com compostos mais duros, ele ficou preso atrás de Nico Hülkenberg por muito tempo e ainda acabou ultrapassado por Kobayashi não muito depois. Mesmo com tudo isso, ainda deu para terminar em sexto. Vem fazendo o estilo come-quieto.

MICHAEL SCHUMACHER6,5 – Tentar, ele tenta. O problema é que os resultados simplesmente não estão vindo, embora a onda de abandonos do início do ano pareça ter virado passado. Em casa, Michael até conseguiu se qualificar bem novamente, obtendo um bom terceiro lugar no grid. Na primeira volta, ameaçou roubar o segundo lugar de Sebastian Vettel e não conseguiu. Depois, seu carro começou a perder muito rendimento e ele se viu brigando com gente da Force India e Sauber. A estratégia de três paradas, tão genial no papel, não funcionou. Pelo menos, foi o único piloto da Mercedes a pontuar.

MARK WEBBER4,5 – Não teve sorte e também não brilhou. Como resultado, terminou apenas em oitavo. Um fim de semana discreto para o australiano, vencedor da etapa de Silverstone. As coisas até poderiam ter dado certo, mas a troca de câmbio o fez perder cinco posições no grid. Partindo da oitava posição, Webber não conseguiu fazer a corrida de recuperação que esperava. Seu carro não estava rápido e ele sofreu um bocado nas mãos de pilotos de equipes piores. Pelo menos, também não teve problemas durante a corrida, embora quase ninguém os tenha tido.

NICO HÜLKENBERG6 – Está em boa fase, embora o resultado da prova de Hockenheim não tenha sido excepcional. Andou bem nos treinos livres, ficou sempre entre os dez primeiros na qualificação e se qualificou numa excelente quarta posição no grid, atrás apenas dos patrões Vettel, Alonso e Schumacher. No início da corrida, tentou peitar o heptacampeão, mas não tinha carro para isso. Mesmo com a estratégia de três paradas, parecia não ter ritmo para tentar ultrapassar e foi mais visto tentando conter outros pilotos. Deu uma puta enxaqueca a Sergio Pérez na metade da corrida. No final, ainda agarrou dois pontos. Paul di Resta que comece a abrir os olhos.

NICO ROSBERG3,5 – Muito zicado em sua corrida natal, ainda saiu no lucro com um pontinho no bolso. Sua posição no grid já estava comprometida com a punição por ter de trocar o câmbio, mas largar de 21º já é um pouco demais. Sobrou a ele tentar uma estratégia desesperada de três pit-stops e ultrapassar o máximo de pessoas possível. Em partes, o plano deu certo especialmente nos dois primeiros stints. Um pouco mais de abandonos o teria ajudado bastante, mas o décimo lugar não foi um desfecho ruim para um fim de semana sofrível.

PAUL DI RESTA4 – Corrida normal. A perda do décimo lugar para Nico Rosberg, no final da corrida, não passou de mero detalhe. O escocês não brilhou em momento algum, teve dificuldades nos treinos livres e foi superado por Nico Hülkenberg no treino oficial novamente. Para a corrida, escolheu parar duas vezes e não se deu bem com isso, muito provavelmente pelo alto desgaste de seu carro. Terminou batendo na trave após ter andado algum tempo entre os dez primeiros.

FELIPE MASSA3 – O bom fim de semana de Silverstone esteve longe de se repetir em Nürburgring. O brasileiro foi mal no treino oficial e ainda se embananou num acidente na primeira volta. Após largar em 13º, Felipe acabou batendo na traseira de Daniel Ricciardo nos primeiros metros e estourou o bico. Teve de ir aos pits ainda na primeira volta e jogou fora qualquer chance de pontuar. Ainda fez uma razoável corrida de recuperação, mas isso é muito pouco quando se vê o companheiro de equipe ganhando mais uma.

DANIEL RICCIARDO3,5 – Obteve um 11º lugar no grid de largada que até empolgou algumas pessoas, mas a realidade crua e gélida se manteve a mesma no domingo. Um dos ímãs de problemas nas largadas deste ano, o australiano foi atingido por Felipe Massa logo no comecinho, mas pôde seguir em frente. Pena que seu Toro Rosso teve sérios problemas de saída de traseira durante a corrida e não o permitiu sonhar com pontos. Ao menos, terminou novamente à frente de Jean-Eric Vergne.

JEAN-ERIC VERGNE2,5 – Não adianta andar bem em corrida se os resultados nos treinos seguem sendo tão ruins. Não passou pelo Q3 pelo quarto GP consecutivo e só largou em 15º graças às milhares de punições aplicadas a pilotos que largaram à sua frente. Logo no começo da corrida, para piorar tudo de vez, teve um furo de pneu e despencou para o fim do pelotão. Até tentou se recuperar, mas passou longe dos pontos novamente. Dessa vez, pelo menos, ele tinha um carro muito rápido de reta, alcançando sempre a maior velocidade final tanto na qualificação como na corrida.

PASTOR MALDONADO3 – Não bateu em absolutamente ninguém, mas fez seus fãs passarem nervoso no domingo. Mandou muito bem nos treinos livres e chegou a liderar um deles. Na qualificação, ficou entre os seis primeiros nas três fases e galgou um sexto lugar no grid. Por causa disso, muita gente não entendeu a performance horrorosa do venezuelano no domingo. Ele até começou bem, mas perdeu posições freneticamente até o fim da corrida. A estratégia de três paradas não ajudou. Do que adiantou não esfolar o carro nos outros?

VITALY PETROV7 – Ótima atuação, talvez sua melhor neste ano até aqui. Terminou à frente de uma Williams, uma Lotus, o companheiro Heikki Kovalainen e as duas equipes pequeninas. Não superou o finlandês no treino oficial, mas se deu muito bem na largada e ganhou três posições. Parou três vezes e chamou a atenção por ter segurado Bruno Senna durante tanto tempo sem maiores encrencas.

BRUNO SENNA2 – Mais um fim de semana ruim e sem sorte. Na sexta-feira, teve de usar um carro todo torto porque Valtteri Bottas o danificou em um acidente no primeiro treino livre. Não foi bem em momento algum e acabou obtendo apenas o 14º lugar no grid, nove posições atrás de Pastor Maldonado. Na largada, para variar, teve problemas e acabou se encrencando com Romain Grosjean. Foi para os pits prematuramente e acabou perdendo qualquer chance na corrida. Ainda assim, ninguém esperava que ele terminasse atrás de um Caterham.

ROMAIN GROSJEAN0 – Tudo errado, absolutamente tudo. Já começou em desvantagem quando foi obrigado a trocar o câmbio, o que o faria perder cinco posições no grid. Não colaborou no treino oficial, onde passou para o Q2 por pouco, fez apenas o 15º tempo nessa parte e acabou apenas em 19º no grid definitivo. Na primeira volta, se envolveu numa batida com Bruno Senna e arrebentou todo o carro. Foi aos pits, consertou o que dava e voltou à ação. Dali até o fim, não andou rápido e terminou à frente apenas dos caras realmente lentos.

HEIKKI KOVALAINEN3,5 – Fim de semana normal, mas de resultado final bem inferior ao do companheiro Vitaly Petrov. Não fez nada de muito diferente nos treinamentos, embora tenha conseguido um bom 16º lugar no grid após tantas punições aplicadas aos rivais. Foi superado por Petrov logo na largada, mas pôde se recuperar lá na frente. O que o prejudicou em definitivo foram as quatro paradas, uma delas feita apenas para trocar o bico. Graças a isso, ele só conseguiu superar HRT e Marussia.

CHARLES PIC5 – Em uma pista onde andava bem desde os tempos da GP2, o ex-cabeludo fez um bom trabalho. No segundo treino livre de sexta-feira, terminou em 14º. Na qualificação, deixou Timo Glock para trás na casa do adversário e conseguiu, de quebra, um lugar à frente de Nico Rosberg. Também apareceu razoavelmente bem na corrida, embora tenha passado a maior parte do tempo com pneus mais duros. Foi, de longe, o melhor piloto da Marussia no fim de semana.

PEDRO DE LA ROSA5 – Outro que também logrou mais que o esperado neste fim de semana. Não fez nada de extraordinário nos treinos oficiais, mas surpreendeu ao ultrapassar Timo Glock nas últimas voltas. Segundo o próprio De la Rosa, foi a primeira vez que um HRT ultrapassou um Marussia em condições normais. Se foi isso mesmo, excelente.

TIMO GLOCK1 – Fim de semana dificílimo, talvez um dos piores da sua vida. Tirando um bom 15º lugar no molhado segundo treino livre de sexta, só passou agonia. Largou atrás do companheiro Charles Pic e tomou ultrapassagem da HRT de Pedro de la Rosa no final da corrida. Estava com um carro tão lento que sua volta mais rápida foi a pior de todas, inferior até mesmo do que a de Narain Karthikeyan. Que inferno, hein?

NARAIN KARTHIKEYAN3,5 – Terminou em último como sempre, mas disse ter feito sua melhor corrida no ano até aqui porque não ficou tão atrás de Glock ou De la Rosa. Cada um tem sua felicidade, né? No mais, não fez nada de muito diferente. Largou em último, andou lá atrás e chegou ao fim. Tá bom.

LEWIS HAMILTON2,5 – Fim de semana estranhíssimo e de resultado totalmente insatisfatório. Com um carro amplamente modificado, tinha boas chances na corrida. Chegou a ser o mais rápido do Q2, mas deslizou no Q3 e ficou apenas na sétima posição no grid. Deu um tremendo azar na segunda volta da corrida, quando foi o único que passou por cima de um destroço pontiagudo o suficiente para destroçar o pneu de seu carro. Foi para os boxes e despencou para as últimas posições. Como retardatário, se divertiu especialmente quando se intrometeu na briga entre Fernando Alonso e Sebastian Vettel. Atrapalhou o alemão e acabou sendo chamado de estúpido. Depois de aprontar um pouco, decidiu abandonar a corrida por conta própria.

GP DA ALEMANHA: Hockenheim bom vocês sabem qual que é. Aquele imponente, majestoso, extremamente veloz, erguido em plena Floresta Negra alemã, constituído por retas intermináveis interrompidas por chicanes apertadas. Morto. Entre 2001 e 2002, Hermann Tilke e alguns peões de obra operaram um dos maiores crimes já cometidos contra um autódromo. Graças às pressões de alguns ecologistas desocupados e maconheiros e de Bernie Ecclestone, que queria economizar no gasto com infraestrutura, Tilke e amigos deceparam metade do circuito e construíram isso aí que temos hoje. O atual Hockenheim é limpo, lustroso, geométrico, não tem uma ondulaçãozinha sequer, permite boas ultrapassagens e tem banheiros limpos, mas é um lugar frustrante para quem aprendeu a gostar daquele traçado que quase se assemelhava a um oval. Mas fazer o quê? Como 2012 é ano par, Hockenheim está de volta. Ninguém está muito animado. Felipe Massa, então… Esse daí deve ter calafrios toda vez que pensa nesta pista. Você pode confirmar isso?

NÜRBURGRING: Hockenheim não é mais aquelas coisas, mas ao menos anda pagando suas contas em dia. O mesmo não pode ser dito de seu primo Nürburgring, um dos circuitos de maior história no automobilismo mundial. A versão atual também não faz jus ao antigo traçado de vinte e poucos quilômetros, mas ao menos não precisou destruir nada para existir. Também se tratava de uma pista insossa e sem grandes atrativos, mas ao menos divertia um pouco quando chovia. Porém, para a infelicidade de todos, os passivos da administração estavam gigantescos. Em maio, a sociedade que gerencia o autódromo estava esperando abocanhar um empréstimo de 13 milhões de euros que a União Europeia havia prometido para a Alemanha. O tal empréstimo não foi aprovado ainda e a resposta só será dada no dia 31 de julho. O problema maior é que os débitos alcançam 413 milhões de euros, 330 milhões dos quais aplicados na construção de um parque de diversões, e seus prazos estavam estourando. Sem saída, o ministro do estado da Renânia-Palatinado anunciou que a única saída para o insolvente Nürburgring era a falência. Caso nenhum milagre aconteça, o circuito alemão desaparecerá para todo sempre e seu terreno acabará sendo comprado por uma igreja neopentecostal ou uma empreiteira brasileira que constrói apartamentos de gesso de 38m². Mesmo que a pista atual esteja longe de ser a minha favorita, simplesmente não há como não lamentar profundamente o ocorrido. A história prova que não é mais forte do que a contabilidade. Bateu no vermelho, encerrou as atividades. Mesmo contra os corações de milhares de fãs.

WEBBER: O Mark Webber do ano passado era praticamente um funcionário público em vias de se aposentar: velho, desanimado e burocrático. Aquela vitória dada de presente em Interlagos parecia ser o prego que faltava no caixão da carreira do australiano. De repente, entramos em 2012 e todo mundo voltou à briga pela vitória. Surpreendentemente, aquele mesmo Webber borocoxô do ano passado foi um dos dois únicos pilotos a terem vencido mais de uma corrida até agora. Em Silverstone, ele teve uma grande atuação e ganhou, se aproximando bastante do líder Fernando Alonso na tabela de pontuação. Dois dias depois, a Red Bull anunciou a renovação de seu contrato para a próxima temporada, finalizando uma série de boatos que colocavam o australiano numa Ferrari vermelha como suco industrializado de morango. Aos 35 anos, Mark fará em 2013 sua sétima temporada pelo time toureiro, o que comprova que Christian Horner e Dietrich Mateschitz o adoram e as opiniões negativas do impreciso Helmut Marko não valem muita coisa. Turbinado pela vitória e pela renovação de contrato, Webber até se deu ao luxo de voltar a fazer o que sabe mais, falar o que pensa. Sua última declaração se referia a Hockenheim, uma pista que “não é emocionante de pilotar e nem técnica”. Mark ainda completou dizendo que “preferia muito mais Nürburgring”. O australiano pode não ser o piloto favorito de ninguém, mas ganha pontos por ser um dos poucos que não proferem bobagens politiqueiras com um sorriso amarelo no rosto.

GROSJEAN: Ei, cara, se você precisa dos serviços de um consultor, um conselheiro, um aspone, pega aí meu cartão de visitas e dá uma ligada, OK? Foi exatamente isso que Romain Grosjean ouviu da boca sacra do tricampeão Jackie Stewart num dia desses. Stewart, piloto histórico e dono de equipe digno, afirmou que estava impressionado com a velocidade do piloto franco-suíço, mas que ele não deveria estar sofrendo tantos acidentes como teve até aqui. Bem intencionado e pensando também em fazer uma grana extra, Jackie se ofereceu para oferecer algumas dicas a Grosjean com o objetivo de domar um pouco seus instintos selvagens. O convite pode soar como um acinte para uma personalidade mais agressiva, mas as estatísticas não mentem. Romain é, ao lado do folclórico Pastor Maldonado, o maior causador de acidentes desta temporada segundo uma pesquisa inútil feita pela Auto Motor und Sport. O próprio se manifestou e culpou sua inexperiência dentro da Lotus. Para ele, as demais equipes grandes têm a vantagem de estarem com a mesma dupla de pilotos há muito tempo. É uma boa desculpa, mas não justifica tudo. Calma, Sideshow, calma.

KOBAYASHI: Passado o culto, vieram as cobranças. Hoje, Kamui Kobayashi é apenas um participante do meio do pelotão que atrai antipatias pelos seus acidentes bobos e pela sua cara de bobo. O mais foda é que seu companheiro é mais novo, mais eficiente e infinitamente mais midiático, pois bajula humoristas de seu país e ainda é apadrinhado pelo homem mais rico do planeta. Falta apenas ter o carisma, o descompromisso e talvez a picardia do japa, que conquistou uma torcida enorme após duas corridas em 2009. Na época, todos ficamos sabendo que sua carreira corria risco e que ele teria de enrolar bolinhos de arroz no restaurante do papai se não arranjasse emprego em 2010. Infelizmente, o tempo voou e hoje Koba é talvez um dos maiores candidatos ao desemprego no ano que vem. Diz a lenda que a Sauber não estaria nem um pouco satisfeita com seu desempenho e que poderia colocar Heikki Kovalainen em seu lugar. Outros candidatos à sua vaga seriam o cucaracho Esteban Gutiérrez, da GP2, e o espanhol Jaime Alguersuari, atualmente DJ e comentarista da BBC. Que me perdoe o ótimo Kovalainen, mas nenhum deles é mais interessante do que Kobayashi. O que pega é que o japa não está em uma grande fase na pista e ainda é um dos poucos do grid atual que estão totalmente vulneráveis. Qualquer cara mais intere$$ante toma sua vaga sem grandes problemas. Lamentável, ainda mais quando temos sobrinhos e indianos loteando o grid.

O Felipe Massa de 2008, todo cheio da moral

Quando Timo Glock começou a perder bastante rendimento naquela última volta, ninguém imaginava que a carreira de um determinado piloto de ponta nunca mais seria a mesma. O piloto alemão da Toyota havia apostado em permanecer com pneus para pista seca num asfalto que apenas começava a se molhar para tentar ao menos chegar em quarto. Deu certo, não. O chuvisco virou monção e Glock teve de se virar para não sapatear e terminar entalado na brita. Numa dessas, ele foi ultrapassado por Lewis Hamilton. A corrida mudou de cara. O campeonato mudou de cara. Hamilton ganhou o título ali. Felipe Massa perdeu o título ali. Brasil, 2008.

O 2 de novembro de 2008 foi o auge da carreira de Massa, então com 27 anos. Estava rico, muito bem casado e tinha fãs ao redor do mundo. No Brasil, a Fórmula 1 havia voltado a ser uma febre. Febre passageira, de 37°C, mas ainda uma febre, algo mais ou menos próximo do UFC hoje em dia. A revista Época o adicionou na sua lista anual de cem brasileiros mais influentes. Perder o título, no fim das contas, foi um detalhe. Outras oportunidades virão. A torcida estava com ele.

É incrível o que o destino faz com as pessoas. Após aquela maldita ultrapassagem de Lewis Hamilton sobre Timo Glock que valeu uma estúpida quinta posição, absolutamente nada deu certo para Felipe Massa. Mais nada. No mundo da mídia televisiva americana, existe uma gíria que designa quando um programa de TV famoso e bem-reputado comete alguma barbaridade ou sofre algum revés e nunca mais consegue se recuperar. Jump the shark. Pular o tubarão, em tradução literal.

Exemplifico: no Brasil, o Domingo Legal de Gugu Liberato pulou o tubarão em 2003, quando apresentou uma entrevista falsa com um suposto integrante do PCC. Descoberta a farsa, Gugu Liberato enfrentou problemas legais e nunca mais conseguiu o mesmo nível de credibilidade e projeção de antigamente. O Domingo Legal, que ameaçava a audiência do Domingão do Faustão global, virou um zumbi nos domingos à tarde. Pois é. A ultrapassagem de Hamilton sobre Glock foi a verdadeira pulada de tubarão de Felipe Massa. E o pior: sem a menor sombra de culpa.

Claro, você pode argumentar que Massa não perdeu o título apenas ali. Perdeu porque rodou sozinho em Sepang, por exemplo. Perdeu porque girou mais que pião em mão de criança em Silverstone. Perdeu porque o motor fundiu em Hungaroring. Perdeu porque a mangueira foi embora junto com o carro em Marina Bay. Oras bolas, perdeu porque fez menos pontos que Lewis Hamilton. Punto e basta.

Depois daquela tarde chuvosa de São Paulo, o que se passou com Felipe Massa? Um F60 lamentável, concorrência melhor, Hungaroring, mola, coma induzido, fim de temporada. Retorno, F10, Fernando Alonso, Hockenheim, faster than you, confirm it? 150th Italia, pneus frios, desânimo, nada de pódios, seis, six. F2012, pneus gastos, Q2, zero pontos.

O escorraçado Felipe Massa de 2012

Hoje, aos 30 anos, Felipe Massa é um piloto que só gera pena e constrangimento enquanto dirige. Fora do carro, nada a reclamar: continua rico e bem casado, além de ter um filho gorducho e saudável. O problema é a vida profissional. Em seu sétimo ano na Ferrari, sua moral e sua auto-estima foram reduzidos a pó. A mídia brasileira, inclusive a global, o abandonou. Os torcedores de padaria, aqueles que o chamavam de “novo Ayrton Senna” em 2008, estão agora maravilhados com a troca de sopapos do UFC. Muitos nem se lembram que, um dia, existiu um Felipe Massa.

Dentro da pista, o Massa de hoje não chega nem perto daquele piloto abusado e agressivo até demais da conta que barbarizava o meio do pelotão com o carro azul da Sauber. Incomodava bastante gente porque ultrapassava de qualquer jeito, não tinha medo de fazer bobagem, batia pra caramba e era fonte inesgotável de diversão. Nunca vou me esquecer da ultrapassagem que ele fez na marra sobre David Coulthard na Rivazza durante o GP de San Marino de 2005. Depois daquilo, o escocês pegou enorme antipatia por ele, um cara que não tinha limites.

O Felipe de hoje tem limites. Até demais. Não consegue andar rápido com pneus novos. Nem com os velhos. Tem dificuldades para aquecer a borracha. Não faz uma única volta rápida e nem é constante durante uma prova inteira. Anda tendo dificuldades para defender posições. É a pura imagem do desânimo – algo quase criminoso num mundo efusivo por natureza como é o ferrarista.

Até aqui, não falei nada de novo. Qualquer blog mequetrefe de automobilismo é capaz de enumerar todos os defeitos do Felipe Massa pós-mola ou do Felipe Massa pós-Hockenheim, como queira. Difícil é falar alguma coisa além disso. E advogar.

Advogar a favor de quê? O piloto brasileiro realmente faz uma temporada péssima e se continuar assim, será demitido antes do final do ano de forma merecida. Não, não vou tentar elogiar seu desempenho. A história é outra.

Em 2008, Felipe Massa era febre no Brasil. Falei lá em cima, febre passageira, de 37°C, mas ainda uma febre. Mas o que é ser febre? É você chegar numa rodinha de boteco com seus amigos, beber umas garrafas de cerveja pilsen vagabunda, comer frituras e filosofar sobre os assuntos do momento. Pois Massa, o piloto, era assunto. Viu a corrida? Ah, eu acho que ele vai ser campeão do mundo. Finalmente um piloto bom, que honra o Brasil. Viva o Brasil!

Lembro-me bem. Horas antes do GP do Brasil de 2008, estava na fila de um supermercado com a minha namorada. Atrás de mim, uma mulher quarentona falando no celular. O assunto? Não queria de jeito nenhum perder a largada da corrida. Após ela desligar o aparelho, perguntei sobre o interesse dela por Fórmula 1. Ficamos lá, batendo papo. Você nunca diria que ela era fã de corrida de carros. Nunca.

GP da Alemanha de 2010. Um torcedor de verdade deixaria este infelicíssimo momento para trás e seguiria apoiando

Onde será que está essa mulher hoje? Será que ela acordou às quatro da manhã do último domingo, desperdiçando provavelmente a única noite em que ela conseguiria dormir um pouco mais na semana para ver os pilotos brasileiros disputando um ou outro ponto? Será que ela continua ligando para o marido, o filho ou o demônio para dizer que não quer perder a largada do que quer que seja? Ou será que hoje ela vê o MMA sentada com a família no sofá da sala? Porque o Anderson Silva é muito bom, né?

Sou meio chato com algumas coisas. Mentira, eu sou chato com tudo. Acho apenas um pouco triste que Felipe Massa tenha sido descartado tão rapidamente. De “futuro herói nacional” e “novo Senna” (argh!) a “mais um capacho” e “novo Barrichello”. Tudo isso em somente quatro anos.

Em 2008, Massa era o queridinho de todos. Sua tropa de novos-fãs era insuportável: gente que tinha acabado de começar a ver Fórmula 1, ignorava a história da categoria, achava que a Ferrari era a única equipe que existia e tripudiava os principais adversários do brasileiro sem a menor vergonha, especialmente Lewis Hamilton. Não que somente doutorandos em automobilismo possam acompanhar o esporte, mas era bem desagradável quando um moleque de 16 anos se aproximava, tratava o piloto da Ferrari como um semideus e sentava a bota em todo o resto com a arrogância de alguém que até parecia ter acompanhado o esporte desde Emerson Fittipaldi.

O moleque de 16 cresceu, virou adulto, dobrou a década e hoje nem fala mais em Felipe Massa. Provavelmente nem assiste mais à Fórmula 1, irritado que está com a falta de brasileiros nas primeiras posições. Se seu antigo ídolo é mencionado, o sujeito torce a cara e dá vazão à verborragia. “Pra mim, ele morreu”. “Nunca foi um bom piloto”. “Só ganhava porque tinha o melhor carro”. “Um cagão”. “Vendido do caralho”. “O real Felipe Massa é esse daí”.

Existem três coisas que me incomodam profundamente. Calor e arroz com uvas passas são duas delas. A terceira é este maldito comportamento volúvel, que puxa o sujeito de um extremo a outro em três tempos. Trazendo isso ao mundo automobilístico: gente que torce de maneira xiita por um piloto na segunda-feira, deixa de torcer por ele na quarta-feira e passa a ser seu maior detrator na sexta-feira. Geralmente, por duas motivações: ir na onda dos outros ou simplesmente só gostar de torcer para quem está ganhando.

É fácil ter este comportamento de manada. Conveniente também. E socialmente necessário. Se todos gostam do vermelho, por que raios inventar de apreciar o azul? Basta parar e refletir: quantas coisas você realmente gosta ou pensa por conta própria? Abrir aquela maldita conta de Facebook, lotada de fofocas, demonstrações baixas de inveja e falso moralismo religioso, estava em seus planos de vida ou você simplesmente o fez porque a “galera” fez? Ou aquela merda de comercial de cerveja que você fingiu dar risada porque, se o achasse um punhado de bosta publicitária, seria tachado de ranzinza e idoso pelos amigos?

Hoje em dia, defender Felipe Massa é algo como defender um estuprador: inexplicável aos olhos do senso-comum. Se o cara perde, é ruim, fracassado e indigno de qualquer sentimento bom. Se ele deu uma posição ao colega de equipe, além de ruim e fracassado, é também vendido e mau caráter. Porque não há mais nada de bom a ser dito sobre Felipe, nem mesmo que ele quase ganhou um título de Fórmula 1 há não muito tempo. É o velho maniqueísmo que pessoas de baixa capacidade imaginativa e cognitiva costumam abraçar.

Quantos destes aí da arquibancada ainda assistem Fórmula 1? Quantos aí ainda torcem por Felipe Massa e se vestem de vermelho?

Tem também o torcedor-farofa, que te dá a maior força apenas quando você está bem. Isso daí é um comportamento que nunca consegui ter e nem entender. Não sou fã de equipes pequenas e pilotos de carreira duvidosa na Fórmula 1 à toa: são eles que precisam do apoio da torcida. Expliquem-me: qual é a porra de sentido de se torcer por alguém que somente ganha? Mais ainda: que tipo de torcida é essa que pula fora no primeiro infortúnio? Torcer é, acima de tudo, estar do lado de quem está com dificuldades. Se você é vira-casaca nas horas ruins, sinto muito: você não é torcedor de bosta alguma.

Não vou negar que já torci e destorci para muita gente. No geral, por incrível que pareça, paro de torcer por um piloto quando ele deixa de ser uma promessa presa em uma equipe ruim para se tornar um vencedor numa equipe astronômica. Exemplo? Sebastian Vettel, um de meus pilotos favoritos nos tempos de Toro Rosso e apenas mais um atualmente. Se Nick Heidfeld, por exemplo, tivesse ganhado sua primeira corrida na Fórmula 1, minha torcida provavelmente minguaria um pouco. O mesmo valeria para um título de Rubens Barrichello. Sou utilitário: eles não precisariam mais de torcida alguma, pois já se deram bem. Mas já que Massa possuía torcedores enquanto estava por cima, qual é o problema de mantê-la depois?

Ah, muitos vão falar de Hockenheim/2010. Felipe Massa realmente teve seu pior momento na carreira ali naquela ordem de equipe. É incrível como o sujeito é bombardeado por simplesmente ter aceitado uma ordem que provavelmente lhe custaria um emprego desejado por quase todos os envolvidos em automobilismo e até mesmo um lugar na Fórmula 1. Mas, vá lá, vamos supor que o que ele fez realmente fosse imperdoável. Caramba, será que o fato dele ser ídolo o torna imune a erros ou fraquezas? Um torcedor de verdade o mandaria tomar no cu na hora, como é normal entre torcedores, mas seguiria esperando por dias melhores que sempre podem acontecer. Não se abandona seu ídolo por causa de um único evento.

Dizer que há apenas um jeito certo de torcer é fascismo, mas sei bem como diferenciar torcida de oportunismo. Aquela multidão que lambia o saco de Felipe Massa em 2008 e disparava bazucas contra quem não fazia parte do oba-oba era simplesmente oportunista. Exatamente o mesmo tipo de gente que, por exemplo, condenou Ronaldo Fenômeno e seus exóticos hábitos sexuais em 2008 e passou a tratá-lo como rei não muito depois. Vocês me perdoem, mas gente sem idéia, sem postura, sem senso crítico, sem coerência com seus valores e sem ídolos definidos não merece meu respeito. Trato a pontapés, mesmo.

Não torço por Felipe Massa. Nunca fui seu torcedor, aliás. Mas não há como não me solidarizar com o mau momento pelo que ele passa. Sim, mau momento: suas enormes dificuldades profissionais devem afetá-lo de uma maneira que ninguém sequer imagina. É aí que ele descobre que, no fundo, está sozinho. Que a torcida que deveria estar ali, falando “calma, Massa, a situação está foda mas vai melhorar”, prefere jogar gasolina na fogueira e correr atrás de outro esportista de sucesso instantâneo. Que a mídia tem o poder de mandá-lo ao céu ou ao inferno em uma única reportagem. Que a Fórmula 1 lhe virou as costas de vez e está contando os dias para que seu carro vermelho seja ocupado por qualquer outro.

Massa pulou o tubarão. Ao invés de jogar uma corda, seus falsos torcedores decidiram ir embora. Quando não me serve mais, eu jogo fora, compro outro, uso enquanto servir, jogo fora de novo e assim por diante. E a vida das efemeridades segue.

Rubens Barrichello vai correr de Fórmula 1 até o fim de sua vida. A não ser que um muro homicida estivesse à sua espera em uma corrida infeliz por aí, esta afirmação parecia cada vez mais próxima da fruição sempre que ele aparecia para uma nova corrida. Entre 1993 e o ano passado, tivemos Barrichello em quase todas as etapas disputadas. Pra dizer a verdade, acho que ele só não alinhou para a largada daquela corrida maldita de Imola e do GP da Bélgica de 1998, quando teve de entregar o carro reserva ao Jos Verstappen após o engavetamento da largada. A memória me trai? Os leitores me corrigem se for o caso.

Mas não é que o fim da sua carreira na Fórmula 1 chegou? Pois é, chegou chegando. Na verdade, o choque é injustificado, já que Rubens e todos nós já sabíamos que Rubens Barrichello dificilmente permaneceria na Williams em 2012. A equipe de Frank Williams, como até meu olho de peixe sabe, está afundada em uma terrível crise financeira e técnica e corre o risco de ter de brigar pelas últimas posições com as Caterhams da vida. Rubens custa caro e não leva dinheiro. Bruno Senna e Pastor Maldonado levam. Quem precisa de grana vai atrás da grana, oras bolas.

Considerando que Barrichello não se submeteria à inglória tarefa de dirigir o carro da HRT, é impossível não dizer que sua carreira na Fórmula 1 terminou. E a não ser que ele siga insistente, acho improvável que ele retorne como piloto substituto ainda neste ano ou como titular em 2013. Dito isso, vamos à homenagem. O Top Cinq de hoje fala dos pioneirismos de Rubens Barrichello. Vocês conhecem as histórias, mas lembrar-se delas nunca é demais.

5- PRIMEIRA CORRIDA

Grande Prêmio da África do Sul de 1993. “Seja bem-vindo ao seu novo mundo, Rubens”. Estas palavras foram proferidas no rádio do Jordan nº 14 pelo diretor técnico Gary Anderson ao piloto brasileiro logo nos primeiros minutos do primeiro treino livre de seu primeiro grande prêmio na Fórmula 1. Após uma carreira que já contabilizava mais de dez anos e que incluiu excelentes passagens pelo kart, pela Fórmula Opel, pela Fórmula 3 britânica e pela Fórmula 3000 Internacional, Rubens Barrichello finalmente fazia seu début na Fórmula 1.

Prestes a completar 21 anos, Barrichello era o estreante mais moleque da Fórmula 1. Para os xenos, ele não era o novato mais badalado, já que disputava atenções com o astro americano Michael Andretti, o campeão da Fórmula 3000 Luca Badoer e a elegante equipe Sauber. Para os brasileiros, no entanto, seu batismo foi bastante aguardado, já que Rubens foi talvez o piloto da base mais alardeado entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90 no país. Ele seria o primeiro piloto da Jordan Grand Prix e pilotaria um carro todo colorido e patrocinado por uma petrolífera sul-africana.

Rubens fez um trabalho pra lá de digno no primeiro dos seus 300 e tantos fins de semana como piloto de Fórmula 1. Na qualificação sexta-feira, colocou quase sete décimos no companheiro Ivan Capelli. No dia seguinte, garantiu uma excelente 13ª posição no grid de largada. Logo atrás dele, a Ferrari de Gerhard Berger. Que início, hein?

A corrida começou quente pra ele: lá na frente, Damon Hill rodou na segunda curva e voltou justamente à frente do debutante brasileiro. Rubens não se deixou afetar e se aproveitou dos abandonos, ganhando um bocado de posições. Lá pela volta de 25, ele se aproximou de Berger e sonhou em ultrapassar o austríaco. Infelizmente, o câmbio da Jordan quebrou em uma redução de quinta para quarta marcha e Barrichello teve de abandonar na volta 32. Vale notar: antes do abandono, ele estava à frente de Christian Fittipaldi e Johnny Herbert, quarto e quinto colocados no resultado final. Imagine se Rubens Barrichello tivesse terminado a prova. Kyalami teria sido também a pista dos seus…

4- PRIMEIROS PONTOS

Verdade seja dita, Rubens Barrichello demorou demais para marcar os primeiros pontos na temporada de 1993. Eles poderiam ter vindo já em Kyalami, mas o carro quebrou. Em Donington Park, o sonho do pódio era totalmente possível, mas o Jordan voltou a quebrar. Em Magny-Cours, Michael Andretti roubou o sexto lugar nas últimas voltas. Fora isso, dava para ter imaginado um resultado bacana em Interlagos ou em Mônaco, onde ele também chegou a andar em sexto. Mas os almejados pontos só vieram mesmo na penúltima corrida da temporada, em Suzuka.

Foi um resultado excelente se considerarmos o contexto daqueles dias. Até então, Barrichello havia derrotado sem dificuldades todos os seus quatro primeiros companheiros na equipe Jordan: Ivan Capelli, Thierry Boutsen, Marco Apicella e Emanuele Naspetti. Mas seu novo parceiro, Eddie Irvine, representava um desafio muito maior. Primeiramente, por ser do tipo desestabilizador e bufão, que derruba o adversário pelo lado psicológico. Além disso, Irvine tinha boa experiência prévia em Suzuka, onde havia corrido por várias vezes em seus dias de Fórmula 3000 japonesa. Enquanto isso, o brasileiro nunca sequer tinha pisado no Japão antes.

Irvine bateu Barrichello em todos os quatro treinos disputados na sexta-feira e no sábado. No grid, o norte-irlandês conseguiu largar quatro posições à frente do paulista, que ainda se ressentia um pouco do forte acidente sofrido no segundo treino oficial. Após as luzes verdes, Eddie demonstrou que manjava da coisa, utilizou uma linha externa diferente dos outros pilotos e ganhou três posições somente nas duas primeiras curvas. Enquanto isso, Barrichello sambava na largada e perdia posições. Espertalhão, o Eddie Irvine.

Os dois fizeram corridas opostas e tiveram desdobramentos distintos. Irvine arranjou confusão com meio mundo, deixou Ayrton Senna furioso após ultrapassá-lo por duas vezes e ainda tirou o pobre do Derek Warwick da prova nas últimas voltas. Terminou em sexto. Enquanto isso, Barrichello adiou ao máximo a primeira parada para trocar os pneus quando começasse a chover e se deu bem com isso. Teve ainda problemas no escapamento nas voltas finais, mas conseguiu terminar a corrida em quinto. Além dos primeiros pontos, o alívio de ter deixado o encapetado Eddie Irvine para trás.

3- PRIMEIRO PÓDIO

Nos confins do planeta, onde nem o diabo tem coragem de ir, Rubens Barrichello obteve seu primeiro pódio na Fórmula 1. Aida, um circuitinho mequetrefe socado no meio das inóspitas montanhas de Okayama, foi o palco da segunda etapa da temporada 1994 de Fórmula 1. Uma viagem incômoda para os ocidentais que se aventuravam a correr em qualquer lugar asfaltado. Para Barrichello, no entanto, foi um dos melhores deslocamentos da sua vida.

Rubens começou o fim de semana no meio do pelotão, mas melhorou drasticamente quando a Jordan decidiu utilizar uma suspensão traseira voltada para pista molhada. O carro ficou surpreendentemente mais estável e o brasileiro conseguiu um excelente oitavo lugar no grid. Para quem havia largado em 14º em Interlagos, um grande avanço.

A corrida do domingo começou bastante facilitada com o acidente de Ayrton Senna e Mika Häkkinen, que acabou levando o azarado do Nicola Larini de brinde. Senna e Larini ficaram presos na caixa de brita e deixaram a corrida. Enquanto isso, Rubens Barrichello deixava Martin Brundle para trás na primeira curva e acabava fechando a primeira volta na quinta posição. Um excelente começo.

Aconselhado por Ayrton Senna, Barrichello decidiu largar com pneus B, mais duros e resistentes. No início, ele pilotou com tranquilidade e até tomou ultrapassagem de Damon Hill, mas acabou se beneficiando com a quebra de câmbio de Häkkinen, subindo para quarto. Na volta 31, Rubens foi aos pits e colocou novos pneus B, mantendo a postura conservadora. Não muito depois, foi a vez de Hill abandonar com problemas. Oba, terceiro lugar!

Na volta 61, Barrichello parou para um segundo pit-stop, desta vez para colocar os pneus C, mais macios e velozes. De repente, o motor Hart apaga. Barrichello berra algo como “merda, hoje não”. Os mecânicos empurram o carro e ele volta a funcionar. O problema foi ter perdido o terceiro lugar para Martin Brundle, que havia colocado pressão sobre o brasileiro durante boa parte da corrida.

Felizmente para ele, Brundle teve problemas de superaquecimento e encostou o carro nos boxes. De volta ao terceiro lugar, Barrichello enfiou o pé no acelerador e até sonhou em se aproximar de Gerhard Berger, o segundo colocado. Infelizmente, seu carro não permitia muita coisa, ainda mais com o câmbio dificultando o engate de marchas. Mesmo assim, o resultado era excepcional.

Ao atravessar a linha de chegada, Rubens perguntou ao rádio de maneira ansiosa “em que posição estou?”. “Muito bem, Rubens, você chegou em terceiro”, respondeu o diretor técnico Gary Anderson. Barrichello achava que ele teria mais uma volta a cumprir. Ao se dar conta de que isso não era necessário, começou a gritar e a chorar ali mesmo.

PS: E a consagrada sambadinha no pódio? Rubens Barrichello havia prometido aos seus colegas de república, os pilotos de Fórmula 3 Ricardo Rosset, Gualter Salles e Roberto Chaves, que faria uns passos de samba em homenagem a eles. Virou marca registrada.

2- PRIMEIRA POLE-POSITION

Sem Ayrton Senna, o Brasil já não tinha mais esperança nenhuma de registrar uma pole-position na temporada de 1994. Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi, os dois filhos da pátria, pilotavam carros que não permitiam tal façanha. Somente um milagre que combinasse uma pilotagem magnífica, uma estratégia esperta e um amontoado de sorte poderia permitir que algum deles largasse na frente de medalhões como Michael Schumacher e Damon Hill.

Pois tudo isso aconteceu no fim de semana do GP da Bélgica de 1994. Spa-Francorchamps. Como os senhores sabem, chove pra caramba na região das Ardenhas. Todo ano. Um bacanal meteorológico. E exatamente por isso, Spa era um lugar perfeito para um piloto chegar do nada e conseguir algo como a primeira pole-position de uma equipe média.

Treino oficial de sexta-feira, 26 de agosto de 1994. Choveu o dia inteiro. Os pilotos tinham de vir para a pista para realizar algum tempo que ao menos pudesse garantir um lugar no grid e as voltas estavam muito acima da casa dos 2m20s. Quando faltavam doze minutos para o fim da sessão, Rubens Barrichello e Gary Anderson estavam nos boxes discutindo o que fazer. Naquele instante, a chuva começou a diminuir e até mesmo um tímido trilho surgiu na pista. Ousado, Anderson decidiu mandar Barrichello para a pista com pneus slick. O piloto brasileiro não concordou com a tática logo de cara, mas foi para a pista.

Além dele, Michael Schumacher, então pole-position, e Jean Alesi também tentaram a mesma tática. Naquela altura, faltavam poucos minutos para o fim do treino. Schumacher até vinha com um tempo mais rápido, mas rodou e não conseguiu nada. Alesi também tinha chances, mas se envolveu em um problema com Martin Brundle e não conseguiu tomar a primeira posição. E Barrichello?

O brasileiro deu duas voltas e abriu sua terceira faltando apenas dez segundos para o fim da sessão. Não pegou tráfego, não errou e dirigiu uma volta perfeita. Com o cronômetro já encerrado, ele marcou 2m21s163, o melhor tempo do treino, três décimos mais rápido que o de Schumacher. Surpresa geral no paddock, mas ninguém acreditava muito que o resultado seria mantido no sábado.

Os incautos erraram. A chuva do sábado veio até mais forte e quase ninguém foi para a pista no treino oficial. Restou a Barrichello acompanhar o treino pela TV, esperando que ninguém conseguisse a proeza de baixar seu tempo. Ninguém baixou. E Rubens Barrichello obteve sua primeira pole-position na carreira. “Fiquei mais cansado assistindo o treino pela televisão do que se tivesse entrado na pista”, afirmou o astro do dia.

1- PRIMEIRA VITÓRIA

18ª posição. Que merda, hein, seu Rubens? Naquele 29 de julho de 2000, qualquer previsão ruim soaria razoável para a corrida do dia seguinte. Segundo suas próprias palavras, o brasileiro foi dormir na noite do sábado “pensando em acordar diretamente na segunda-feira”. Mal saberia ele o que teria perdido.

Rubens Barrichello nunca poderia imaginar que o dia 30 de julho de 2000 seria o mais prazeroso e inesquecível em sua carreira de piloto de corridas. Seu treino oficial foi simplesmente um dos mais desastrosos de sua vida. Tudo começou ainda no treino livre da manhã do sábado, quando Michael Schumacher espatifou sua reluzente Ferrari em um muro por aí e ficou sem carro para o treino oficial. Sem grandes discussões, Schumacher pegou o carro reserva e foi para a classificação.

O problema é que Rubens Barrichello também teve problemas. Logo no começo do treino oficial, seu carro apresentou problemas elétricos e ele teve de parar lá no meio da floresta. Naquela época, a sessão durava uma hora e qualquer contratempo poderia arruinar um fim de semana inteiro de trabalho duro. O piloto brasileiro voltou aos pits e teve de esperar sentado que o carro batido de Schumacher pudesse ser reparado para que ele pudesse ao mesmo tentar dar alguma volta. Os eficientes mecânicos ferraristas fizeram o conserto e, faltando 25 minutos para o fim da sessão, Barrichello estava com um carro novo em folha. Ufa.

Só que começou a chover forte, o que inviabilizou qualquer tentativa. E as coisas permaneceram assim até os últimos minutos da sessão. Quando a pista deu uma ligeira melhorada, Barrichello foi à pista para tentar entrar no limite dos 107%. Infelizmente, em sua volta rápida, o cara pegou tráfego no meio do caminho e acabou conseguindo fazer apenas 1m49s544, tempo 3s8 mais lento que o da pole-position. A ele, restava o 18º lugar no grid.

O domingo foi dramaticamente diferente. Sem Jenson Button à sua frente, Barrichello foi cauteloso na largada e deixou apenas Heinz-Harald Frentzen e Mika Salo para trás antes da primeira curva. Com o acidente de Schumacher e Giancarlo Fisichella, o brasileiro acabou saindo da primeira curva em 13º. Na chicane seguinte, foi fechado por Nick Heidfeld e quase perdeu o bico da Ferrari, mas conseguiu se recuperar e passou o alemão e também Alexander Wurz metros adiante. Na reta anterior ao Stadium, passou Ralf Schumacher. Com tudo isso, Rubens completou a primeira volta em décimo.

A partir daí, ele foi ultrapassando um a um aos poucos: Zonta, Villeneuve, Irvine, Verstappen, Herbert, De La Rosa e Trulli. Aproximar-se das McLaren de Mika Häkkinen e David Coulthard, que já tinham desaparecido na frente, parecia tarefa impossível, até porque ele tinha optado por uma estratégia de duas paradas. Na volta 17, Barrichello faz seu primeiro pit-stop e volta em sexto. Já estava bom demais, embora fosse difícil pensar em um resultado muito melhor.

Mas tudo começa a mudar na volta 25, quando um francês de 47 anos invadiu a pista para protestar pelo fato de ter sido demitido da Mercedes-Benz, empresa onde havia trabalhado por vinte anos. O funcionário indiretamente acabou estragando a corrida de sua antiga empresa, pois o safety-car entrou na pista e permitiu que Barrichello fizesse sua segunda parada, o que simplesmente colocou o brasileiro na disputa direta pela vitória.

A partir daí, somente mais um fator seria necessário para a vitória: a chuva. E ela chegou logo após o segundo safety-car, causado por um acidente entre Jean Alesi e Pedro Paulo Diniz. Ao contrário dos demais pilotos, Rubens Barrichello preferiu permanecer na pista com pneus slick na pista molhada e acabou assumindo a liderança da corrida. Espertamente, aproveitou-se da secura das retas para não perder tempo. Heroicamente, conseguiu segurar o carro no Stadium, onde a pista estava mais molhada. Qual foi o resultado disso tudo? Este:

Foram sete anos de espera na Fórmula 1 brasileira. Lembra-se desta frase? Ela foi proferida pelo locutor Galvão Bueno momentos após Rubens Barrichello ter atravessado a linha de chegada daquele chuvoso Grande Prêmio da Alemanha de 2000. Sim, faz quase doze anos.

Aquele domingo foi uma coisa especial para quem gosta e acompanha o automobilismo. Eu já soquei o sofá de felicidade e de raiva. Já verti algumas lágrimas. Já bati palmas para a televisão. Já mandei fulano e beltrano ao raio que o parta. Faz parte, não? Acompanhar uma corrida de carro da mesma maneira que se acompanha um documentário sobre drosófilas ou a explicação de um economista sobre a última alta dos juros não faz sentido para mim. Esporte é, acima de tudo, emoção. Imprevisibilidade. É uma perfeita ciência humana.

Faltavam umas três voltas para o fim daquele GP da Alemanha. Chovia torrencialmente, de formar poças nos boxes e spray nas retas. Rubens Barrichello, piloto da Ferrari número quatro, liderava com uns dez segundos de vantagem para o finlandês Mika Häkkinen. Rubinho estava com pneus para pista seca, que funcionavam muito bem nas longas retas e dificultavam absurdamente sua vida no trecho do Stadium, onde chovia mais forte. Häkkinen abdicou da liderança na volta 35 para colocar os pneus de chuva.

Não fosse a água e a vitória teria ficado com o finlandês, que pilotava um MP4/15 assombroso nas retas. Barrichello havia tido um bocado de problemas no treino classificatório do sábado e conseguiu apenas um deprimente 18º lugar no grid. Na corrida, ultrapassou quase todo mundo à sua frente. As intervenções do safety-car, que entrou na pista porque um furioso ex-funcionário da Mercedes invadiu a pista com o propósito de estragar a corrida da McLaren e também devido a um acidente entre Jean Alesi e Pedro Paulo Diniz, permitiram que Barrichello pudesse se aproximar dos líderes Häkkinen, David Coulthard e Jarno Trulli. A chuva só completou o serviço.

Esta é a descrição mais objetiva da corrida. Alguns milhares de quilômetros dali, eu devorava minhas unhas enquanto esperava pela vitória de Barrichello. Fazia quase sete anos que um brasileiro não vencia uma corrida de Fórmula 1. O último foi Ayrton Senna, no GP da Austrália de 1993. Desde então, Senna morreu e os brasileiros que precisam disso depositaram todas as suas esperanças patrióticas em Barrichello, que se tornou um Judas para os detratores e um Messias para os otimistas. Eu sempre estive do segundo lado. No fundo, nunca deixei de acreditar que ele poderia ter sido campeão do mundo. Fé desde a infância.

Faltavam três voltas para o fim. Galvão Bueno mergulhado em um êxtase somente visto no final daquela Copa de 1994, que eu dei a enorme sorte de ter visto e compreendido mesmo estando a alguns meses de completar seis anos de idade. Eu olho para a minha direita e vejo o Burti chorar, olho para a esquerda e vejo o Reginaldo chorar também, foi o que Galvão disse após a bandeirada. Você pode não gostar dele, mas puta que o pariu, como não se emocionar com isso?

14/03/1993 – a primeira

Eu não chorei. Mas deixei a corrida de lado e fui respirar um pouco. Estava ansioso pra caralho, totalmente nervoso, sem conseguir respirar direito. Voltei para a sala. Barrichello estava no Stadium. O Brasil inteiro vibrando por você. Aí vem Rubens Barrichello. E nós vamos ouvir o tema da vitória. E assim por diante. De verdade, acho o Tema da Vitória uma coisa banalizada e até meio brega nos dias atuais. Ele fazia sentido nos anos oitenta dos arranjos eletrônicos, mas não no novo milênio. Mas naquela vitória de Rubens Barrichello, a musiquinha composta pelo Roupa Nova deixou sua temporalidade de lado e salpicou o trunfo com a mais pura emoção. Pensar em Ayrton Senna, naquele caso, não era ufanismo pateta global. Na verdade, era quase inevitável. Pois eu pensei. E fiquei pulando como um maluco pela casa. Um dos melhores domingos da minha vida, devo dizer.

Vindo de mim, parece estranho escrever um parágrafo como este aí em cima. No meu caso, Rubens Barrichello é o único piloto para quem torci sem considerar muito este negócio de racionalidade, números e a fria lógica. Não, não quero dizer que não há racionalidade em torcer por ele. A não ser que você seja um semianalfabeto, há de reconhecer méritos no brasileiro, mesmo ele tendo feito um monte de besteiras e sendo um voraz e insatisfeito leitor de autoajuda.

Rubens Barrichello ganhou onze corridas na Fórmula 1. Apenas vinte e cinco pessoas no planeta venceram mais do que ele. Ele fez catorze pole-positions. Apenas dezenove pessoas fizeram mais do que ele. Ele obteve dois vices. Apenas trinta e duas pessoas conseguiram o feito imediatamente superior, um título mundial. Muitos argumentam que ele só conseguiu todos estes números às custas de mais de trezentas corridas na carreira.

Mas venha cá, qual é o real demérito nisso? A insistência? Grande merda. Grandessíssima merda. Sorte a de Rubens Barrichello que haja otários como Ross Brawn e Frank Williams que ainda admirem seu trabalho mesmo com ele estando velho e sem um título mundial. Sorte a dele que ainda o remuneram razoavelmente bem por isso. Sorte a dele que há muita gente lamentando sua ausência no paddock, seja pelas suas qualidades técnicas ou por sua simpatia.

Além do mais, se Barrichello ainda gosta e se prepara bem para o que faz, quem diabos somos nós para contestarmos? Se fosse ele, teria aposentado no fim de 2009, coberto dos louros de uma boa temporada na Brawn. Como não sou, apenas observo. E vejo que ele fazia aquilo que, no fundo, causa inveja a muita gente: trabalhava no que gosta, ganhava bem e é reconhecido. Diante disso, quem não gostaria de permanecer na mesma vida por décadas? Se um Pedro de la Rosa ou um Jarno Trulli podem desejar estender suas carreiras, por que não Rubens Barrichello?

27/11/2011 – a última

Caramba, Verde, quanto clichê, quanto argumento batido. Barrichello, para mim, ainda é um símbolo do fracasso, da derrota, da submissão, daquele Brasil que abaixa a cabeça para o dominador estrangeiro. Um pé de chinelo, como apontava aquele antigo programa global. Pois é. Acho engraçado quem observa as coisas desta maneira. Acho engraçado ver brasileiros que observam as coisas desta maneira.

Deixo claro que acho Rubens Barrichello um sujeito chato, chorão, inseguro e até imaturo. Era perceptível à distância que sua autoestima estava no chão, já que, no fundo, Rubens sempre concordou com o que grande parte de seus críticos exigiam, o cumprimento do inglório papel de “novo Ayrton Senna”. Além disso, suas largadas não eram boas e seu ritmo de corrida chamava a atenção por uma irritante irregularidade. Por fim, sua emotividade sempre era traduzida em declarações no mínimo inoportunas. Ou mesmo em atos que beiravam a infantilidade. Pensei seriamente em parar de torcer por Barrichello quando a imprensa divulgou que ele liderou um coro chamando o Michael Schumacher de viado em uma festinha por aí.

Enfim, como fã de Rubens Barrichello, não tenho problema em reconhecer sua lista de defeitos. O que sempre me incomodou, e me intrigou, é o jeito com que grande parte dos brasileiros, inclusive aqueles que entendem de corridas, lida com ele. A crítica se transforma em puro deboche. Em maldade. Que virou verdadeiro folclore nacional. Chega-se a um ponto em que a perseguição existe por si mesma, sem sequer um fundamento técnico, um verdadeiro fenômeno de manada. Como é que alguém realmente acredita que Rubens Barrichello bate em todas as corridas? Ou que ele sempre termina em último? Ou que, ao contrário do nosso divino, irrepreensível e incontestável Ayrton Senna, Rubens é um pusilânime para quem não vale a pena torcer pelo terrível pecado de ter sido vice-campeão duas vezes? Diagnóstico meu é curto e grosso: as pessoas tripudiam sobre Barrichello porque é legal e porque seus amigos fazem o mesmo. Se você não o fizer, é um do contra chato e socialmente inadequado.

Como disse lá em cima, acho absolutamente normal que alguém não goste dele. E que o critique duramente. Já li críticas tão pesadas quando irrepreensíveis sobre uma cagada sua ou uma declaração absurda. Estas coisas fazem parte da vida adulta. O que não é nem um pouco adulto é o nível do que é rabiscado ou vomitado sobre um sujeito que faz seu trabalho, não afeta negativamente a vida de ninguém e se esforça ao máximo para trazer um bom resultado para o país que o renega. Ah, mas você acha que ele desrespeitou o país naquele GP da Áustria de 2002? Você acha que ele envergonha a nação? Vá se tratar. Não é Rubens Barrichello o problema, definitivamente.

A realidade é que Rubens Barrichello é um piloto acima da média que sabe extrair o máximo de seu carro em uma volta rápida, consegue fazer uma boa leitura dos problemas de seu carro e anda como poucos em pista molhada. Admita: são poucos os pilotos que são melhores que ele. Michael Schumacher e Jenson Button seguramente estão entre estes poucos. Mas e daí? Rubens não pode ser crucificado por ter perdido para dois campeões mundiais. Mesmo que ele tenha prometido o título mundial em trocentas ocasiões. Não deu, nem todos os pilotos bons chegam lá. O problema é que ninguém aceita isso, nem mesmo o próprio Rubens Barrichello, o que explica a recorrência às promessas no ano seguinte.

30/07/2000 – a melhor

Por fim, raciocine: você faria tudo diferente? Não seja mentalmente preguiçoso e deixe de lado o fato de você já conhecer a história e suas consequências. Você teria deixado de lado um contrato com a McLaren válido para 1995? Você teria abandonado uma boa proposta para correr na Indy em 1997 para abraçar um sonho de Jackie Stewart? Você teria deixado de aceitar ser o segundo piloto da Ferrari para ser o primeiro da Jaguar ou prostituta de luxo de Mika Häkkinen em 2000? Você teria aceitado renovar o contrato com a Ferrari em ao menos duas ocasiões, mesmo sob as mesmas condições? Você teria praticamente implorado para permanecer na Fórmula 1 em 2009? Acima de tudo, você teria dado passagem para Michael Schumacher na corrida austríaca? Não acredito nas respostas hipócritas. A esmagadora maioria das pessoas, e eu me incluo aí, tomaria as mesmas decisões escolhidas por Barrichello. Ou decisões até piores.

Neste 17 de janeiro de 2012, a Williams anunciou a contratação de Bruno Senna para a vaga de companheiro de Pastor Maldonado. Barrichello, que tinha remotas chances de permanecer na equipe, acabou sobrando. Devo reconhecer que a maioria das pessoas que escreveram sobre ele foi respeitosa e lamentou bastante o que pode ter sido o encerramento abrupto de sua carreira. Mas é óbvio que os comentários negativos apareceram. “Ainda bem!”, “ele poderia ter se aposentado logo de uma vez em Interlagos ao invés de ficar se humilhando para ficar na Fórmula 1” e “é um recalcado que quase acabou com a carreira do nosso Bruno Senna”, foram algumas das coisas muito inteligentes que li.

Enquanto esta gente que certamente entende muito de sucesso e felicidade faz comentários do tipo, eu, que só vejo corridas e palpito, digo que minha melhor homenagem a Rubens Barrichello é a sensação de vazio que irei sentir ao observar o grid do próximo Grande Prêmio da Austrália. Quando este filho da mãe estreou na Fórmula 1, eu tinha quatro anos de idade e Ayrton Senna ainda corria contra Alain Prost. De lá para cá, o garoto precocemente calvo se transformou em um patrimônio da categoria. Acumulou tristezas, felicidades, amigos, histórias e uma rotina calculada nos décimos de segundo. De repente, tudo acabou. A Fórmula 1 não tem mais espaço para ele. Hoje, tenho 23 anos e nunca consegui conceber uma corrida sem a participação de Barrichello. Por mais que a gente não queira aceitar, os personagens da nossa infância se aposentam um dia. O que sobra é o baque.

Que Rubens Barrichello tenha agora um pouco de paz e respeito em sua terra natal. Os brasileiros continuarão estúpidos e volúveis como sempre foram, mas o fato dele não ter de se expor mais certamente transformará o desrespeito em bajulação barata, como acontece com um ídolo que se retira. Já que Rubens realmente faz questão de ser aceito e respeitado, talvez isso até fará bem a ele.

Rubens, aproveite os elogios, aprenda com as críticas construtivas e vire a bunda para as destrutivas. Você fará falta para quem te admira e principalmente para quem te detesta. “A quem fala coisa sem pensar e a quem não respeita o talento, a luta, a batalha e o sofrimento dos outros, pensa duas vezes, tá?“, é a frase do mesmo Galvão Bueno que fecha o post de hoje.

Daniel Juncadella, espanhol patrocinado pelo Cazaquistão, melhor país do mundo

Bom dia, chimpanzés. Bom dia para vocês, é claro. Para mim, uma segunda-feira infernal que inicia duas das piores semanas do ano para mim. Por isso, o ritmo deste sítio diminuirá um pouco. E o tamanho médio dos posts cairá em umas trinta palavras. Não se irritem e não me abandonem, portanto.

O título do post de hoje não é exatamente elucidativo para muitos. Quando se fala em um espanhol no automobilismo, todo mundo pensa em Fernando Alonso, bicampeão mundial e sócio do Santander. Alonso, legal? Não, não é possível. E eu concordo. Mesmo sendo um dos treze torcedores que ele possui no Brasil de Felipe Massa, admito que Fernando não está entre os seis bilhões de cidadãos mais simpáticos do planeta. Bom piloto, sim, mas um tremendo chute no saco. Por isso, não é dele que falo.

Jaime Alguersuari? Também não. Muita gente gosta dele, a começar pelo meu xará de Maringá que escreveu um artigo aqui e cascou fora sem aviso prévio. Eu também torço mais por Jaime do que por Sébastien Buemi, mas não considero seu lado baladeiro e sua alcunha de DJ Squire as coisas mais legais do planeta. Não comento sobre ele também.

Também não falo da simpática e coitada HRT assim como não falo do eterno catalão Oriol Serviá, nem de Pedro de la Rosa ou Marc Gené, nem de Roberto Merhi, Dani Clos, Andy Soucek e Javier Villa e nem de Luis Perez-Sala ou Adrian Campos. Então sobra quem, pô?

A partir deste exato décimo de segundo, o mais novo ídolo deste que escreve é Daniel Juncadella, vencedor do Grande Prêmio de Macau de Fórmula 3 ontem. E é sobre ele o singelo post de hoje. Teoricamente, este tipo de texto é do Felipe Giacomelli, mas ele preferiu ficar admirando a careca do Edoardo Mortara. Fazer o quê?

Juncadella, vencedor do GP de Macau de Fórmula 3

“Djuncadéia” (sim, é assim que se pronuncia) foi uma das boas atrações do automobilismo europeu de monopostos neste ano. Ele fez sua segunda temporada na soturna Fórmula 3 Euroseries pela tradicional Prema Powerteam. Terminou o ano em terceiro, atrás do compatriota Roberto Merhi, que fez o que quis na temporada, e do limitado alemão Marco Wittmann. Foi, no entanto, o piloto que mais chamou a atenção na temporada.

Não que isso signifique grandes coisas, já que a Euroseries não anda atraindo mais do que doze ou treze caraminguás por etapa há duas temporadas. Sabendo ainda que, no meio desta pequena turma, há medalhões de latão como Kuba Giermaziak, Gianmarco Raimondo e Kimiya Sato, o feito se tornaria ainda mais banal. Mas não sejamos assim tão exigentes. Por pior que seja o nível de uma categoria, é sempre legal ver alguém se destacando.

É bom ressaltar em qual sentido Juncadella se destacou. Regularidade não foi seu forte. Ele venceu quatro corridas e obteve nove pódios, mas também galgou vários resultados magros. Não era incomum vê-lo perder várias posições na primeira volta, especialmente para o companheiro Merhi. Nos treinos, ele fez apenas quatro poles, duas em Red Bull Ring e duas em Nürburgring. Sendo justo, Juncadella levou uma tremenda surra de Merhi. E ficar atrás de Marco Wittmann também não estava nos planos. O que sobrou?

A diversão. As corridas da Fórmula 3 Euroseries, desde que as equipes debandaram em massa para a GP3, não são nada mais do que aborrecidíssimas procissões. As posições costumam ser definidas na primeira volta e geralmente a favor de Roberto Merhi. Ultrapassagens e acidentes são raros porque os pilotos simplesmente ficam distantes uns dos outros após algumas voltas. Pois Juncadella é uma exceção. Ele ultrapassa, toma ultrapassagem, bate, faz corridas de recuperação e é um dos poucos pilotos da categoria, se não o único, que animavam um pouco as coisas.

Sem coisas melhores para fazer, assisti a algumas corridas da categoria nesta temporada. Enquanto Merhi ganhava a grande maioria delas, Juncadella se apatetava tentando ganhar posições ou se recuperar de más posições de largada. Na maioria das vezes, conseguia. Em outras, se dava vigorosamente mal. Mas como um piloto é tão bom quanto sua última corrida, prefiro destacar suas duas últimas etapas de Fórmula 3, em Hockenheim e em Macau.

Juncadella na GP3 no ano passado

Na pista alemã, Juncadella fez uma primeira corrida discreta: largou em oitavo, perdeu duas posições na primeira volta e ultrapassou Kimiya Sato, Carlos Muñoz e Jimmy Eriksson para terminar em sétimo. Na corrida seguinte, cujo grid invertia os resultados da primeira corrida, o catalão caiu da segunda para a 12ª posição na primeira volta. Incansável, ele começou a ultrapassar todo mundo e finalizou na sexta posição. Na terceira e última corrida, ele largou em oitavo e ultrapassou cinco caras, finalizando em uma boa terceira posição. No total, ele ultrapassou 14 pilotos em três corridas. Ineficiente no final das contas, mas muito divertido.

Em Macau, as coisas deram mais certo. No treino de definição do grid, Juncadella fez apenas o 14º tempo e ainda perdeu três posições no grid como punição por ter atravessado a linha do pit lane. Só que a organização aplicou tantas punições aos demais adversários que ele acabou largando em 11º! Bom começo.

Na primeira bateria, Juncadella largou muito bem e subiu para sexto ainda na primeira volta. Mais sensato do que o normal, ele seguiu nesta posição até o fim. Foi ótimo para ele, pois esta posição de chegada seria a posição de largada da segunda bateria, que define o resultado final.

E foi na última bateria que Juncadella fez o que ele sabe fazer melhor, dar show. Na primeira volta, ele herdou as posições de Merhi e Carlos Huertas. Algumas voltas depois, Valtteri Bottas bateu e trouxe o safety-car para a pista. Na relargada, o esperto Juncadella deixou, em uma única manobra, os líderes Marco Wittmann e Felipe Nasr para trás. Não muito depois de ter assumido a liderança, o safety-car voltou à pista devido a um acidente violento de Kevin Magnussen. Faltavam apenas duas voltas para o fim e a corrida foi encerrada sob bandeira amarela. Com vitória do espanhol.

Juncadella é isso aí. Ele sempre foi assim. Em 2009, correu ao lado de Felipe Nasr na equipe Eurointernational. Mesmo sendo mais experiente e carregando consigo o patrocínio da Red Bull, Daniel perdeu para o brasileiro na irregularidade e acabou sendo deixado de lado pelo Leviatã rubrotaurino. No ano seguinte, subiu para a Fórmula 3 Euroseries e para a GP3. Na Fórmula 3, o jovem até fez a pole-position da primeira etapa da temporada, em Paul Ricard, mas só veio a ganhar sua primeira corrida na última prova do ano, a segunda de Hockenheim. Na GP3, obteve um segundo lugar na segunda corrida de Hockenheim. Dejà vu?

Torcida organizada de Daniel Juncadella

Mas Juncadella não é legal somente por causa de suas performances amalucadas. Seu principal patrocinador é uma equipe ciclística do Cazaquistão. Como é que é?

O Cazaquistão, um belo país localizado no meio do nada da Ásia Central que ganhou fama internacional devido a Borat Sagdiyev, segundo melhor repórter de seu glorioso país, tem como um de seus grandes orgulhos a equipe de ciclismo da capital Astana, que é uma das mais competitivas do mundo. O governo cazaque, que patrocina a equipe de ciclismo por meio de várias empresas estatais, decidiu expô-la em âmbito internacional de modo a mostrar ao mundo que, sim, o Cazaquistão é uma nação de respeito no esporte. Sabe-se lá o porquê, decidiram patrocinar Daniel Juncadella a partir do início do ano passado. Deve ter algo a ver com o fato da equipe de Astana ter tido ciclistas espanhóis como Alberto Contador e Josep Jufré.

Outra curiosidade interessante sobre o catalão é o seu sangue nobre no automobilismo. Seu tio é ninguém menos que Luis Pérez-Sala, ex-piloto espanhol que correu na Fórmula 1 pela Minardi no fim dos anos 80. Hoje em dia, Pérez-Sala é um dos consultores da HRT, o que poderia facilitar bastante uma estreia de Juncadella na Fórmula 1. E como não dá para contar apenas com a forcinha dos parentes, Daniel se integrou ao programa de desenvolvimento de pilotos da Mercedes no início deste ano. Se fizer tudo certo, a marca de três pontas o adotará como seu novo prodígio.

O que Daniel Juncadella fará da vida no ano que vem? Gostaria de vê-lo na GP2, mas como a World Series é a categoria da moda e todo mundo quer ir para lá para disputar corridas chatas em um carro meia-boca, não duvidaria que esta fosse sua escolha. Mas não importa. Onde quer que seja, ele continuará dando seu show particular de velocidade e irregularidade.

Por isso, é para ele que eu vou torcer em 2012. Coitado.

Buddh é legal. Para muitos, o arquiteto germânico Hermann Tilke acertou a mão pela primeira vez na vida. Demorou, mas aconteceu. Eu não compartilho com esse tipo de pensata. Tilke já projetou muita coisa legal e o autódromo indiano, localizado em uma precária região de Greater Noida, é mais uma. Ele é veloz e cheio de curvas sacanas, como um grampo em subida, uma rotatória e uma série de chicanes velozes que bebem da mesma fonte de Mugello. Um primor. Uma graça. Tá, não chega a tanto.

Buddh é legal, mas um pequeno detalhe ficou para trás. Quem se dispôs a acordar às sete e meia da madrugada para ver a estreia da pista na Fórmula 1 deve ter se aborrecido ligeiramente. Muita gente apressada havia dito que a pista teria mais ultrapassagens do que acostamento de rodovia. Não foi bem assim. Se elas aconteceram, e eu realmente não me lembro, devemos agradecer à combinação entre KERS e asa móvel. A única briga realmente relevante aconteceu entre os amantes Felipe Massa e Lewis Hamilton e deu no que deu. Enfim, tivemos aí um caso típico de pista muito legal sediando corrida chata.

Cedo dizer que esta será a regra em Buddh. Se eu fizesse esta afirmação, teria de engolir letra por letra no caso de uma reedição de Spa/1998. Precisamos acompanhar ao menos umas três ou quatro corridas para concluirmos algo. Além disso, mesmo as pistas mais divertidas da cidade podem ter corridas terríveis. Quantas provas ruins eu já não cansei de ver em Spa-Francorchamps, Monza ou Interlagos?

Ainda assim, existem pistas ótimas que simplesmente rendem corridas terrivelmente enfastiantes. Paradoxal? Não. Um traçado muito desafiador pode ser péssimo para ultrapassagens. Outro pode até ser veloz e render boas disputas, mas não empolga por alguma razão obscura. O Top Cinq de hoje, por pura falta de assuntos, citará cinco pistas cuja qualidade é incompatível com a chatice proporcionada.

5- HOCKENHEIM

Não, não me refiro à estéril versão atual. O antigo Hockenheim era um dos circuitos mais exuberantes dos tempos nos quais videocassete era coisa de rico ou da ficção científica. Já escrevi um texto sobre a pista da Floresta Negra de Baden-Württemberg. Aliás, voltarei a escrever sobre as pistas logo. Até 2001, o traçado era uma emulação de um oval. Retas intermináveis que cortavam a floresta e eram cortadas por uma ou outra chicane.

Sinto falta deste tipo de pista mais rápida e menos complicada. Confesso que estou meio cansado de ver tanta pista sinuosa, meticulosa e cheia de frescuras no calendário atual. Para mim, automobilismo é velocidade. Como não dá para importar circuitos ovais para a Fórmula 1, o negócio era apreciar as corridas de Hockenheim. Mas tudo acabou no início da última década, quando um punhado de ecologistas desocupados e afeminados decidiu implicar com o autódromo, alegando aquele monte de besteiras típicas do Greenpeace. Sensível à causa verde, Bernie Ecclestone cedeu sem maiores problemas e pediu para Hermann Tilke construir um trecho misto. Tilke obedeceu e Hockenheim virou essa coisa genérica aí.

Feito o ode, vamos à realidade. Hockenheim era bonita, majestosa, muito veloz e tal. Só que, para muitos, era um saco ficar vendo os carros andando em linha reta a 300.000 quilômetros por segundo no meio das florestas. Quase todo mundo reclamava. O piloto, que gosta de fazer curvas para exercitar seus bíceps, bocejava ao ter de passar a maior parte do tempo com o pé cravejado no acelerador. Os espectadores não conseguiam ver muita coisa. Quem estava na parte da floresta só enxergava os vultos passando. Zupt! Olha lá o Berger! Quem via pela televisão também não tinha muito o que fazer. As ultrapassagens não eram muitas e o pessoal só abria o olho quando algum motor explodia, cansado que estava de trabalhar a pleno durante tanto tempo. Houve corridas boas? Óbvio que sim, como a inesquecível edição de 2000, em que Rubens Barrichello venceu pela primeira vez. Mas a maior parte das corridas realizadas por lá não merece mais do que uma nota cinco.

Eu gostava pra caramba. Vários aqui vão concordar. Conformemo-nos, bonobos: somos raros.

4- NÜRBURGRING NORDSCHLEIFE

Guarde as pedras! Reconheço que muita gente olhará esta escolha com cara feia. Bem feia. Como se tivesse chupado limão com vinagre. Vamos aos fatos. Eu acho a versão Nordschleife do circuito de Nürburgring uma das melhores coisas que já existiram na história do automobilismo. Quiçá, na história mundial. Nunca escreveria um artigo dividido em duas partes (esta e esta) para um circuito que eu não gosto. Mas a realidade é a seguinte: as corridas eram chatas pra danar!

Construído em 1927, Nordschleife é um exemplo muito bem acabado de um circuito com C maiúsculo. Ele era grande, muito grande. Ele tinha um cenário deslumbrante. Ele tinha curvas de baixa, de média e de alta velocidade. Ele era perigoso. Ele tinha um nome legal. Ele sediava corridas de Fórmula 1. Quem ganhava corridas por lá tinha o direito de ser considerado um piloto bom pra cacete. Juan Manuel Fangio, Jackie Stewart, Jim Clark, Jacky Ickx e Alberto Ascari que o digam.

É uma pena, no entanto, que as corridas eram consideravelmente tediosas em seu período. Não serei tão injusto a ponto de ignorar a magnânima atuação de Fangio na corrida de Fórmula 1 de 1957, quando ele teve um problema no seu pit-stop, voltou à pista com desvantagem de quase um minuto para os líderes Mike Hawthorn e Peter Collins, pilotou com o capeta na alma, ultrapassou os dois e obteve sua maior vitória na vida. Recordo também a vitória de Jacky Ickx em 1969, na qual ele saiu da nona posição para a liderança em quatro voltas. Estas corridas não eram a regra. As demais provas careceram de emoções.

É impossível dizer se elas realmente foram tão enfadonhas assim ou se as transmissões televisivas da época eram desfavoráveis. O fato é que as ultrapassagens eram dificílimas, já que a pista era estreita e o único bom ponto de ultrapassagem naquele colosso de quase 23 quilômetros era aquela reta que não acabava mais. Para quem gosta de ver piloto preso atrás do outro, como aconteceu na edição de 1966, quando John Surtees passou a maior parte da prova grudado na caixa de câmbio do carro do líder Jack Brabham, Nürburgring era um prato cheio. A partir de certo momento, os pilotos se distanciavam uns dos outros e, veja só a ironia, apenas os vagarosos pit-stops garantiam algumas mudanças de posições.

Não acredita? Jackie Stewart venceu obteve suas três vitórias no Inferno Verde com facilidade assustadora sobre os concorrentes. Em 1968, ele chegou a colocar quatro minutos e três segundos (!) sobre o segundo colocado, Graham Hill. Enfim, é engraçado concluir que o amado circuito de Nordschleife realizava corridas tão legais quanto às de Barcelona, por exemplo. Para mim, esta é a melhor prova de que corridas boas e circuitos bons nem sempre estão relacionados. Adoraria pilotar em Nordschleife, mas pensaria duas vezes antes de aceitar um convite para ver uma corrida por lá.

3- SUZUKA

Lá vêm vocês com mais pedras. Calma, gente. Suzuka é legal. Eu também escrevi um texto sobre a pista nipônica há algum tempo. Sua corrida é uma das mais aguardadas por mim na temporada. Sempre. A desgraça da história é que, na maioria das vezes, eu desligo a TV e vou dormir pensando no tempo que eu joguei fora. No ano seguinte, lá estou eu torrando horas preciosas de sono na frente da TV esperando por mais uma sensacional e mirabolante corrida japonesa.

Suzuka está presente no calendário sagrado da Fórmula 1 desde 1987. OK, o insosso Fuji Speedway até entrou em seu lugar nos anos de 2007 e 2008, mas seus donos ficaram sem dinheiro e a pista do monte felizmente caiu fora após apenas duas edições. Voltando a Suzuka, os leitores de boa memória comentarão sobre as boas corridas de 1988, 1993, 1994, 2003 ou 2005. Vocês estão certos. Eu coleciono corridas e, neste momento, meu Santo Graal é o Grande Prêmio do Japão de 1994, aquele realizado em mar revolto. Mas temos de concordar que não foram muitas as provas realmente legais nestas 23 edições.

Muitos aqui apontariam também aquelas corridas nas quais houve brigas encarniçadas pela liderança, como os GPs de Fórmula 1 de 1989 e 2000. Vale lembrar que nestes dois casos, a graça realmente só se restringiu aos duelos pela ponta, já que as coisas estavam bem sonolentas mais atrás. A verdade é que o traçado de Suzuka não possui muitos pontos de ultrapassagem porque as curvas são muito velozes e, de modo geral, a pista é bastante estreita.

Ultimamente, as coisas até pioraram um pouco. Não me lembro de nenhuma corrida realmente boa por lá desde 2005. Considerando que as duas corridas realizadas em Fuji foram muito divertidas, muitos fãs mais novos tendem a crer que esta pista é bem melhor que Suzuka. Devemos perdoar estas almas possuídas pelo diabo. Da mesma forma, devemos admitir que Suzuka é uma pista boa para pilotar ou para acompanhar uma câmera onboard. O circuito em forma de oito não é lugar para as diversões mais terrenas.

2- ISTAMBUL

Este é um exemplo muito interessante. O coitado do Hermann Tilke não consegue construir circuitos que agradam à massa, ao povão, à rafaméia. Quando finalmente consegue fazer algo próximo da unanimidade, a Fórmula 1 não colabora e promove corridas chatas de doer por lá. Assim não pode, assim não dá. Mas é esta a realidade do autódromo de Istambul, legal no papel, legal no treino livre, legal no treino classificatório, chato e dispensável na corrida.

Apesar de parecer que não, eu mais gosto do que odeio as coisas. Eu gosto de Istambul. Também escrevi um texto sobre a pista turca no ano passado. Compactuo com a opinião popular, que diz que é a pista mais interessante do arquiteto cativo de Bernie Ecclestone. É a mais pura verdade. Se não é a mais legal, ao menos é a mais rápida. Ou não? Vou conferir com meu pai-de-santo. Sim, é a mais rápida.

Mas não é só isso. Istambul é larga. Dá para colocar uns tratores emparelhados que não vai dar chabu. Mas não é só isso. Istambul tem muitas curvas legais. A primeira é um S do Senna mais afrescalhado. As últimas curvas, que formam uma espécie de chicane dupla, são das coisas mais legais do calendário atual. A curva oito dispensa comentários. Para mim, ela é a mais desafiadora da Fórmula 1 moderna. A Eau Rouge pode até ser mais perigosa, mas pode ser feita em pé cravado com alguns movimentos sutis no volante. Sua concorrente anatólica exige um braço de ferro e um pescoço de chumbo.

Se a receita era tão boa e foi tão bem executada, por que Istambul nunca conseguiu ter uma única corrida realmente memorável? OK, a deste ano foi divertida, mas devemos agradecer ao KERS e, sobretudo, aos pneus de porcelana da Pirelli. As demais foram mornas. Algumas foram chatas, mesmo. Ao contrário do que parece, as ultrapassagens não acontecem com tanta facilidade. E até mesmo a curva oito não pega tanta gente assim nesta Fórmula 1 perfeccionista. Istambul é a prova definitiva de que nem sempre um mais um é igual a dois na hora de se desenvolver uma pista divertida. Porque essas coisas subjetivas, como a diversão, só aparecem espontaneamente. Não é um arquiteto nerd de um país bitolado que vai conseguir compreender.

1- SILVERSTONE

Vocês me desculpem, mas eu não gosto de Silverstone. Sou doente mental e mau caráter com muito orgulho. Acho uma das pistas mais injustamente celebradas de todas. Ela lidera o Top Cinq de hoje porque, fora os doentes mentais e os desprovidos de caráter, todo mundo ama Silverstone. Sua corrida é uma das mais esperadas do campeonato. E é, certamente, uma das que mais atrai espectadores. Tento explicar o motivo de tanto amor e ódio.

O autódromo de Silverstone ainda é um dos últimos refúgios nostálgicos do automobilismo. Ele surgiu no final dos anos 40 a partir da iniciativa de uns amigos que queriam realizar corridas de carros em um campo de pouso da Força Aérea Britânica. A ideia deu tão certo que o campo de pouso sediou nada menos que a primeira corrida da história da Fórmula 1 em 1950. Passados mais de sessenta anos e 45 grandes prêmios, Silverstone segue com o mesmo vigor. É uma pista rápida, larga e muito frequentada por amantes do automobilismo. Por que diabos alguns retardados não gostam dela?

Na verdade, eu até gosto de algumas versões antigas de Silverstone. Aquela em que Keke Rosberg marcou uma pole-position a mais de 258 quilômetros por hora é bastante respeitável, pois ela tinha somente retas, curvas de altíssima velocidade e a ingrata chicane Woodcote. Como as velocidades estavam ficando altas e a Fórmula 1 se afeminava gradativamente, o pessoal decidiu mutilar Silverstone gradativamente. A última reforma, que criou aquele horrendo trecho Arena, tornou o célebre circuito inglês uma coisa artificial, burocrática, apagada. Sua modernidade destoa dos demais circuitos britânicos, despretensiosos e puramente velozes. Espero ter dado ao menos algumas razões passíveis de discussão.

Além disso, as corridas são muito chatas. O que salva esta pista, assim como as outras citadas hoje, é a chuva. Às vezes, nem isso. A encharcada edição de 2008 foi ótima. A de 2002, tão encharcada quanto, foi um saco. As corridas no seco são, em sua maioria, totalmente entediantes. Uma agradável exceção é a de 2003, vencida de maneira brilhante por Rubens Barrichello. Fora esta, esforço-me para trazer à mente alguma outra corrida legal. No passado, certamente deve existir alguma, mas eu realmente não me lembro de nenhuma espetacular. Sempre há um Mansell ultrapassando um Piquet numa Stowe, mas nem todo mundo tem bigode. E culhões.

O Calendário do Verde segue na Alemanha, terra de mulheres com cara de homem, homens com cara de mulher, cerveja à exaustão, carros grandes e comida à base de joelho de porco e restos de geladeira. A última pista apresentada, AVUS, não era nenhuma unanimidade, embora tenha sido curiosamente uma das mais votadas. Esta daqui, no entanto, é bastante admirada pelos entusiastas do esporte a motor. Não sua versão atual, competente porém dispensável. Falo da antiga e portentosa versão de Hockenheimring, ou simplesmente Hockenheim.

O circuito localizado na região norte da Schwarzwald (Floresta Negra), no estado de Baden-Württemberg, ainda faz parte do calendário da Fórmula 1, que realiza o Grande Prêmio da Alemanha em alternância com Nürburgring. Desde 2002, ele vem sendo utilizado como um circuito de 4,5 quilômetros de extensão composto por retas, curvas de alta e de baixa sobre um terreno plano. Não é desta versão medíocre que irei falar. É impossível dissociar Hockenheim daquele circuito quase oval que passava perto dos sete quilômetros de extensão.

Em 1930, um jovem cronometrista que gostava muito de corridas teve a brilhante ideia de construir um circuito na região onde morava. Um dos poucos habitantes da cidadezinha de Hockenheim, Ernst Christ vislumbrou tal ideia quando o governo hitlerista decidiu fechar o autódromo de Wildpark, que era utilizado pelos moradores da região. Sem Wildpark, o norte de Baden-Württemberg ficou órfão de um lugar para as práticas automobilísticas.

Ernst Christ percebeu que um novo circuito em sua cidade-natal poderia suprir a comunidade automobilística da região e ainda dar um tranco na pequena economia de Hockenheim. Então, ele foi até a prefeitura e levou a projeto ao prefeito Philipp Klein, que achou aquilo o máximo. Em 1931, Klein encaminhou a ideia ao conselho municipal para votação. Os “vereadores” também acharam aquilo o máximo e, unanimemente, aprovaram a construção de um autódromo em dezembro daquele ano. Presentão de Natal, não?

Ao contrário do que acontece em países latino-americanos, as coisas se desenvolveram rapidamente a partir daí. A prefeitura de Hockenheim iniciou as obras do autódromo no dia 23 de março de 1932 após ter contratado, em caráter temporário, dezenas de operários desempregados e desiludidos com a vida. Após apenas dois meses de típico trabalho duro e incansável alemão, o autódromo de Hockenheim, cujo nome oficial era Dreieckskurs, estava pronto. A inauguração ocorreu em 25 de maio de 1932 com uma corrida de motos.

A primeira versão do circuito de Hockenheim era ligeiramente diferente daquela que nós gostamos. Na verdade, o traçado de 12 quilômetros se parecia mais com um funil. Este traçado aproveitava algumas estradas que passavam pela Floresta Negra, residindo aí parte da explicação pelo pouco tempo necessário para sua construção. Há de se dizer que faltou grana para construir tudo o que estava nos planos. Sendo assim, alguns trechos da pista eram de terra batida. E era nessas condições que as motos aceleravam floresta adentro.

Nos anos 30, Dreieckskurs foi utilizado quase que exclusivamente para corridas de motos e testes das grandes montadoras alemãs. Em 1938, o circuito passou por sua primeira grande reforma. Para começar, o nome foi mudado: saiu Dreieckskurs, entrou Kurpfalzring. Além disso, foram construídas algumas arquibancadas de madeira e outras facilidades para o público. A mudança mais drástica, no entanto, aconteceu com o traçado. Kurpfalzring aproveitaria apenas um dos vértices da pista antiga. Para substituir os outros dois vértices, foi construída uma curva em formato oval, a Ostkurve. E o funil de Hockenheim se transformou em uma sanguessuga. Sou bom em ver coisas estranhas nos traçados!

O problema é que Kurpfalzring não durou muito tempo. Em 1939, foi iniciada a Segunda Guerra Mundial. Assim como aconteceu com os demais circuitos europeus, o oval da Floresta Negra foi severamente atingido por alegres bombardeios e boa parte de sua estrutura se reduziu a escombros. Após a guerra, os entusiastas da velocidade tentaram reavivar o circuito, que estava em frangalhos. Efetuaram algumas reformas e o renomearam para Hockenheimring, que é o nome que temos hoje. No dia 11 de maio de 1947, foi realizada a primeira corrida por lá desde o fim da guerra.

Em 1954, o ex-piloto de motos Wilhelm Herz assumiu a presidência de Hockenheimring e sua gestão elevou o autódromo ao nível dos mais importantes da Europa. Em 1957, Hockenheim foi escolhido para abrir a temporada do Mundial de Motovelocidade daquele ano. Além disso, inúmeras corridas de monopostos e de protótipos estavam sendo realizadas com sucesso por lá.

Em 1961, o governo alemão decidiu retomar a construção da Bundesautobahn 6, estrada que ligava a fronteira da França com a fronteira da atual República Tcheca. Um dos novos trechos construídos desta estrada teria de atravessar o traçado de Hockenheim lá perto da Westkurve. Diante deste problema, o criador Ernst Christ e o projetista John Hugenholtz sentaram para discutir o que fazer. Após algumas canecas de cerveja escura, foi decidido construir um trecho misto imediatamente anterior à estrada. O trecho ganhou o nome de Motodrom, mas os mais íntimos o chamam de Stadium, uma vez que as arquibancadas circundariam a pista como se fosse um estádio. Além disso, uma novíssima área de boxes e uma minipista seriam construídas.

O primeiro traçado, com cara de funil

Projeto definido, mãos à obra. Foram necessários três anos até que as obras fossem iniciadas. Em 1966, após dois anos de muito trabalho, o novo Hockenheimring foi inaugurado com bolo e brigadeiro pelo então Ministro dos Transportes do país, Dr. Hans-Christoph Seebohm. Agora, sim, o formato estaria próximo daquele consagrado por todos.

Infelizmente, em 7 de abril de 1968, Jim Clark morreu em um estúpido acidente numa igualmente estúpida corrida de Fórmula 2 e aqueles velhos e sonoros clamores sobre a segurança vieram à tona. Em 1970, para reduzir um pouco as altíssimas velocidades e aplacar as reclamações, os organizadores do autódromo decidiram enfiar duas chicanes nos dois retões que cortavam a floresta. Uma das chicanes ganhou o nome de Clark Kurve. Próximo a ela, um memorial em homenagem ao falecido bicampeão.

Os anos 70 foram marcados pelo início do casamento entre Hockenheim e a Fórmula 1. Também em 1970, após inúmeras reclamações com relação à segurança, a categoria decidiu retirar a corrida de Nürburgring Nordschleife do campeonato. Para substituí-la, Hockenheim entrou em seu lugar sem maiores problemas. A corrida, realizada no dia 2 de agosto, foi um sucesso: nada menos que 120 mil espectadores enfrentaram o calor para testemunhar a vitória dominante de Jochen Rindt e seu Lotus.

No entanto, mesmo com o sucesso do evento, a Fórmula 1 voltou para Nürburgring no ano seguinte e restou a Hockenheim se contentar com o Mundial de Motovelocidade e a Fórmula 2. Mas ficava claro que a velha pista de 14km não resistiria por muito tempo no calendário da categoria maior. Dito e feito: após o acidente de Niki Lauda em 1976, Nürburgring foi imediatamente sacado do calendário. E Hockenheim assumiu o posto definitivo de autódromo oficial do Grande Prêmio da Alemanha.

No princípio, não foram muitos os que gostaram da mudança. Nürburgring era aquela pista quilométrica cheia de curvas traiçoeiras e histórias boas. Hockenheim, por outro lado, não passava de uma corruptela de oval com uma ou outra chicane para muitos. Com o tempo, o circuito da floresta passou a ter sua própria tradição. Até que aquele conjunto de retões, que não tinha nada a ver com qualquer outra pista do calendário, tinha seu charme.

Entre o fim dos anos 70 e o início do novo milênio, poucas mudanças foram realizadas. Em 1982, foi criada uma pequena chicane antes da Ostkurve. Em 1990, esta mesma chicane foi antecipada em alguns metros. Em 1992, ela foi recolocada na mesma posição original, mas com sentido invertido: ao invés de esquerda-direita, ela passava a ser direita-esquerda. Em 1994, as duas chicanes antigas foram diminuídas e ficaram mais agudas e lentas. É desta última versão que falo agora.

Hockenheim foi a primeira pista que aprendi a gostar. Aquelas retas intermináveis, aquelas centenas de milhares de árvores ao seu redor, o trecho do estádio e as altíssimas velocidades me seduziram mais rapidamente do que qualquer outra pista. Infelizmente, como tudo o que eu gosto, alguém quis acabar com este belíssimo layout.

Os burocratas da Fórmula 1, liderados pelo sempre canalha Bernie Ecclestone, diziam que Hockenheim simplesmente não cumpriam os requisitos básicos da Fórmula 1 contemporânea. Segundo tais eminências, a pista seria longa e veloz demais, o que atrapalhava os acessos, demandava um maior número de câmeras e impedia que os espectadores pudessem ver o que se passava em outros trechos além daquele que estava à sua frente. Além disso, havia a concorrência de pistas mais modernas, como Sepang e até mesmo Lausitzring. Por fim, os ecologistas reclamavam que o autódromo fazia mal para a Mãe Natureza. Infelizmente, Hockenheim havia se tornado um trambolho anacrônico para as pretensões da categoria.

Em 1999, foi iniciado um projeto de remodelação do traçado. Inicialmente, pensou-se em simplesmente cortá-lo ao meio, mas uma ideia aprovada no final de 2001 previa a mudança de quase toda a pista. O governo de Baden-Württemberg gastou 62 milhões de euros com a empreitada, cujas obras foram iniciadas em fevereiro de 2002. Após alguns meses, a nova pista de Hockenheim estava pronto. Os antigos fãs, como eu, ficaram revoltados.

Atualmente, Hockenheim é um circuito correto e só. Permite ultrapassagens, assim como queriam Bernie Ecclestone e companhia, mas não tem um único diferencial que chame a atenção. Até mesmo o belíssimo cenário da Floresta Negra não é valorizado nesta nova versão. Enfim, não é a pior pista do planeta, mas também não é a pista favorita de ninguém. Um zero à esquerda.

E o que aconteceu com o trecho antigo? Foi destruído. Hoje em dia, em teoria, algumas mudas foram plantadas para recuperar a floresta, mas as fotos que costumamos ver por aí só mostram que os retões de Hockenheimring se transformaram em melancólicas clareiras com mato. Os burocratas e os ecologistas venceram novamente.

TRAÇADO E ETC.

Sabe o que mais doeu quando houve aquela reforma de 2002? O fato de termos perdido um traçado único. Tudo bem, dizer que ele era único pode ser um exagero, mas certamente tratava-se do último falso oval europeu de expressão. Na primeira metade do século XX, as pistas nada mais eram do que círculos, elipses ou manchas asfaltadas. Esse negócio de sofisticar demais com hairpins, chicanes e muitas curvas fechadas só se tornou um padrão a partir dos anos 70. Hockenheim, de certa forma, ainda era um dos poucos circuitos que conservavam esta filosofia mais “inocente” de traçados.

Em 1994, após as últimas mudanças nas duas antigas chicanes, Hockenheimring passou a ter 6,825 quilômetros de extensão. Desde 1982, ele tinha três chicanes, oito curvas e cinco retas de tamanho considerável. Você não precisa ser Albert Einstein resolvendo um quebra-cabeças para perceber que tratava-se de um circuito de altíssima velocidade, talvez um dos mais velozes de todos os tempos. O recorde foi obtido pelo colombiano Juan Pablo Montoya em 2001: a bordo do Williams FW23, ele fez a pole-position do Grande Prêmio da Alemanha em 1m38s117 a uma velocidade média de 250,415km/h. O mesmo Montoya fez a pole da corrida de Monza no mesmo ano a uma velocidade média apenas três quilômetros por hora maior. E olha que Monza é o circuito misto mais veloz do planeta.

Acertar o carro neste circuito é um problema de custo de oportunidade, como diriam os economistas. Em um monoposto, você pode tirar toda a asa e voar nos retões. Em compensação, perderá um temporal nas chicanes e no Stadium. Você pode rebaixar a suspensão ao máximo, mas terá problemas quando subir nas zebras das chicanes. Ou você pode simplesmente colocar mais asa para não ter problemas nas curvas lentas, mas ficará para trás nos retões. Enfim, não dá para aparecer em Hockenheim com um dragster. Apesar de ter cara de oval, gosto de oval e cheiro de oval, a pista da Schwarzwald está muito longe de ser um.

Conheça os trechos:

NORDKURVE: É a primeira curva do circuito. Trata-se de uma curva feita à direita a algo próximo de 90°. Pode não parecer difícil de se completar, mas já causou problemas a muita gente. Uma explicação possível seria o fato da reta dos boxes ser larga e a Nordkurve ser estreita, o que causava um indesejável afunilamento. Um carro de Fórmula 1 a completava em terceira ou quatra marcha.

CLARK KURVE: Esta chicane feita em segunda marcha a 95km/h tem este nome porque foi o local onde Jim Clark faleceu em 1968, época em que não havia chicane alguma ali. O piloto chega nela a 330km/h, freia bruscamente, vira à direita, esterça o volante para o lado esquerdo, pula na zebra, conserta o volante, sobe na zebra do lado direito e vai embora. Vale notar que o piloto só consegue subir na zebra porque ela é baixa neste ponto.

BREMSKURVE: É a chicane mais recente, construída em 1982. O piloto se aproxima a 325km/h, freia bruscamente e reduz para a segunda marcha para completá-la. Ele esterça o volante à direita em um movimento menos brusco que na chicane anterior, reacelera, passa por cima da zebra à esquerda e segue em frente. Há um pequeno declive.

OSTKURVE: É o trecho mais antigo deste traçado, tendo sido criado em 1938. Trata-se de uma curva à direita de raio médio e formato oval. O piloto não deve fazer mais nada a não ser acelerar fundo. Foi lá que Patrick Depailler morreu em 1980.A

AYRTON SENNA KURVE: Das três chicanes, é a mais suave e tranquila de se fazer. O piloto se aproxima dela a 325km/h e freia bruscamente até a velocidade cair para 95km/h. Neste caso, a primeira perna, feita à esquerda, é maior do que nas outras chicanes. Como a zebra é baixa, o piloto pode passar por cima dela para reacelerar antes. A segunda perna, à direita, já é feita com o pé cravado no acelerador.

AGIPKURVE:  Ah, essas curvas publicitárias… Esta daqui é a primeira curva do trecho misto do Stadium. Trata-se de uma perna feita à direita a quase 90°. O píloto vem do último retão a 320km/h, freia, reduz para quarta e passa pela curva a cerca de 185km/h. É um bom ponto de ultrapassagem. Área de escape grande.

SACHSKURVE: Outra curva publicitária. É um hairpin feito à esquerda em segunda marcha a cerca de 90km/h. Desconsiderando as chicanes, é o trecho mais lento do autódromo. Se o piloto escapa por ali, como a área de escape é pequena, as chances de terminar na barreira de pneus devidamente patrocinada pela Sachs é grande.

OPELKURVE E SÜDKURVE: São as duas últimas curvas do circuito, ou a última curva, depende do ponto de vista do freguês. O piloto se aproxima da primeira perna (Opelkurve), feita à direita, em terceira marcha a 145km/h. É uma curva meio cega e de contorno complicado, na qual é difícil definir onde se freia e onde se acelera. A segunda perna (Südkurve), também feita à direita, não é tão complicada, mas exige uma pequena redução de velocidade antes da reaceleração. É difícil dizer que trata-se de uma única curva, pois as duas pernas possuem diferentes angulações e alternam vários momentos de freada e reaceleração.

Recorde de Juan Pablo Montoya em 2001: