Tem corrida neste fim de semana. Em Interlagos. É o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1. Quadragésima edição. Derradeira etapa do campeonato de 2011. Tédio. Sono.

Às voltas com mil problemas financeiros e acadêmicos, confesso que estou dando de ombros ao grande prêmio. Vou assistir, é claro. Mas o ânimo não é o mesmo de outras edições, como a de 2008. Pelo visto, o sentimento é compartilhado por muitos. Ainda há ingressos disponíveis na bilheteria e nada indica que eles serão comprados por uma horda de hunos retardatários. É um panorama meio diferente do visto em anos anteriores, quando os ingressos se esgotaram muito antes da realização do evento.

Podemos enumerar várias razões. À Fórmula 1 e aos promotores das últimas provas, Sebastian Vettel lhes fez o grandessíssimo favor de resolver o campeonato lá em Suzuka e transformar as etapas remanescentes em amistosos da Seleção Brasileira contra Nicarágua. O fato de nenhum brasileiro estar em grande fase também contribui. Felipe Massa não se desprende do sexto lugar, Rubens Barrichello faz uma infeliz temporada com a caquética Williams e Bruno Senna padece na escuridão da Renault. Por fim, convenhamos, Fórmula 1 é tão anos 80 quanto Menina Veneno. As atenções do populacho estão com o MMA, esporte de honra e técnica para alguns e rinha de galo pós-moderna para outros.

Mas não nos desesperemos ainda. Ainda. A Fórmula 1 no Brasil tem destes altos e baixos, mesmo. O automobilismo não tem uma base fiel de fãs por aqui como tem na Inglaterra, por exemplo. Sua audiência sempre dependeu das vitórias de um ou do marketing de outro. Não tendo nada disso, não tem gente nas arquibancadas, equação simplíssima. Quanto aos outros fatores, como o domínio do Vettel, eles acontecem de vez em quando e não podem ser controlados. O Top Cinq de hoje relembra cinco edições mais recentes do Grande Prêmio do Brasil que foram simplesmente desinteressantes para a torcida, para a Fórmula 1 ou para ambos.

5- 1990

Naqueles dias finais do mês de março de 1990, quem é que realmente estava pensando em Fórmula 1 no Brasil? No dia 16 daquele fatídico mês, a destrambelhada ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello anunciou o plano mais absurdo que a história econômica brasileira presenciou.

Perdida no meio de explicações que nem mesmo o economista mais experiente conseguiria destrinchar, ela anunciou uma série de medidas que visavam controlar a hiperinflação que derretia a renda dos brasileiros e os obrigava a estocar bens e a aplicar seus parcos valores no famigerado overnight. A mais espúria das medidas, sem dúvida, era o congelamento das poupanças, das contas-corrente e dos depósitos de overnight. Resumindo muito porcamente, as pessoas só poderiam retirar o equivalente a US$ 1.500 de suas contas. O restante ficava preso durante 18 meses. Imagine o que é você não poder ter acesso ao dinheiro que é seu. Desnecessário dizer que esta estupidez estraçalhou a economia e a vida de muita gente.

Naqueles dias, a grana era escassa para todos. Mesmo assim, cem mil pessoas se dispuseram a pagar entre 500 e 8 mil cruzados novos para acompanhar ao menos um dos três dias do evento, que retornava à Interlagos após dez anos de hiato e uma enorme reforma promovida pela prefeita Luiza Erundina.  O circuito melhorou drasticamente em infraestrutura, mas perdeu boa parte do antigo e louvado traçado. Mas não era o retorno de Interlagos ao calendário que motivou a vinda de tanta gente. Uma única pessoa fazia o sujeito gastar seu parco dinheiro nos caríssimos ingressos: Ayrton Senna.

Senna vivia um inferno astral naqueles dias. Perdeu o título de 1989 para uma tramoia de Alain Prost, foi espinafrado por Jean-Marie Balestre, quase ficou sem a superlicença e ainda tomou um fora da Xuxa. A vitória em Phoenix revigorou os ânimos do então candidato ao bicampeonato. Mesmo assim, a fase ainda não era boa. E a torcida brasileira, que só podia contar com as alegrias da Fórmula 1, havia sentido o baque ao seu lado. Para piorar, o ex-nazista Balestre ainda aproveitou para ironizar a precária situação financeira daquela torcida que o acusava de ter ajudado Prost na cara dura no ano anterior. Ao perceber a fúria daquele povo que o vaiava e até atirava alguns tomates, Jean-Marie mandou uns beijos e ainda proferiu a seguinte pérola: “Na Córsega, eles jogam bombas ao invés de tomates. E, de qualquer forma, os brasileiros nem têm dinheiro para comprar tomates”.

4- 1992

O fator Senna realmente foi o fiel da balança do sucesso do Grande Prêmio do Brasil na primeira metade dos anos 90. Em 1992, a economia brasileira ainda continuava atolada na hiperinflação e a estabilidade política também estava com os dias contados. Quase dois meses depois do GP do Brasil, Pedro Collor, o irmão do então presidente Fernando Collor, concedeu uma entrevista à Veja revelando um portentoso esquema de corrupção orquestrado pelo presidente e seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias. Ou seja, o Brasil estava na merda e somente Ayrton Senna poderia trazer alguma felicidade à população.

Mas naquele ano, nem ele poderia. A Williams trabalhou duro e entregou a Nigel Mansell e Riccardo Patrese o FW14B, um dos melhores veículos automotores criados pelo homem. No início da temporada, Senna não tinha armas muito boas contra a esquadra de Frank Williams. O MP4/6 era excelente, mas apenas para a temporada de 1991. E o MP4/7A era simplesmente fracote perto dos belíssimos e ultratecnológicos FW14B, descritos pelo próprio brasileiro como “carros de outro planeta”.

Nas duas primeiras etapas do campeonato, a McLaren levou surras vergonhosas da Williams. Em Hermanos Rodriguez, Senna bateu forte em um dos treinos e não quebrou as pernas por pouco. Imagine se algo tivesse acontecido com ele. Interlagos, que sediava a corrida seguinte, ficaria vazia. Se bem que, mesmo com Senna e suas duas pernas em bom estado, não mais do que 26 mil pessoas estiveram presentes no domingo da corrida, número absurdamente inferior ao dos dois anos anteriores (38 mil em 1991, 47 mil em 1990). Mesmo com as pequenas reformas feitas pelas prefeitura, muitos brasileiros e estrangeiros ainda se lembravam do choque do Plano Collor em 1990 e do dilúvio que atingiu São Paulo na semana do GP de 1991. Nada menos que 16 mil ingressos ficaram encalhados nas bilheterias.

Tudo estava ruim, inclusive para os pilotos brasileiros. Roberto Moreno, coitado, tentou pré-classificar o carro de brinquedo da Andrea Moda e não conseguiu. Ayrton Senna, Mauricio Gugelmin e Christian Fittipaldi largaram, mas nenhum terminou a corrida. Quem queria ver Senna vencer se deu mal. Muita gente foi embora mais cedo. Enfim, cenário melancólico do GP do país do então tricampeão mundial.

3- 1995

Se 1992 teve lá seus ares de depressão, o que dizer do primeiro Grande Prêmio do Brasil pós-Senna? Sem seu grande ídolo, o que o povo poderia fazer em Interlagos? No máximo, dar todo o apoio aos três representantes brasileiros que poderiam tentar manter a bandeira verde, amarela e azul lá no topo do pódio. Mas não dava para esperar muito. Rubens Barrichello pilotava um Jordan-Peugeot apenas médio. Roberto Moreno e Pedro Paulo Diniz apenas faziam número no cacareco da Forti Corse, talvez a grande atração para os pachecos. Afinal de contas, era uma equipe com capital brasileiro, tinha as cores da bandeira e a mídia dava o mesmo apoio mambembe dos tempos da Copersucar.

Senna fez falta. O paddock, os torcedores, os pilotos, todo mundo sentia que uma corrida de Fórmula 1 no Brasil sem ele era uma coisa bastante esquisita, como se não houvesse mais qualquer razão para ela continuar acontecendo. As homenagens foram inúmeras. Cinco dias antes da corrida, cerca de duas mil pessoas, incluindo aí pilotos e mecânicos de várias equipes, fizeram um mutirão para visitar o túmulo de Ayrton no Cemitério do Morumbi. Pouco antes da largada, um paraquedista pulou exibindo a mensagem “Senna, saudades de você…”.

Entre os pilotos, ninguém parecia mais abatido e deprê do que Rubens Barrichello. Alçado ao status de maior representante brasileiro no grid, ele decidiu homenagear seu ilustre amigo pintando aquela parte habitualmente vermelha de seu capacete com as cores do casco de Senna. Infelizmente, Barrichello não o homenageou pelo seu desempenho. Tendo sérias dificuldades para frear com o pé esquerdo, ele largou em 16º e abandonou com problemas no câmbio. Desacostumado com a nova posição dos pedais, Rubens esquecia o pé esquerdo no freio enquanto acelerava na reta. Com isso, perdia muita velocidade na reta. Ele repetiu a cagada nas etapas seguintes e só percebeu algo errado lá pelos idos de Mônaco e Canadá.

Até houve um aumento no número total de pagantes em relação ao ano anterior (60 mil contra 40 mil em 1994), mas isso pode ser explicado pela inédita estabilidade na moeda, que aumentou bastante os padrões de consumo. Quanto à prova, ela foi chata e só ganhou alguma emoção cinco horas e meia após a bandeirada, quando Michael Schumacher e David Coulthard foram desclassificados porque a gasolina Elf que ambos utilizaram nos treinos não era a mesma apresentada antes do início da temporada. Os dois recuperaram seus resultados alguns dias depois após suas equipes recorrerem. É. Senna fez falta.

2- 1998

Não consigo vislumbrar ano pior do que o de 1998 para quem quisesse torcer por pilotos brasileiros. Você pode até falar que este ano está ruim, mas nenhum dos três pilotos atuais está em uma equipe propriamente ruim: Massa é ferrarista, Barrichello corre por uma equipe tradicional e a Renault de Bruno Senna também não é ruim. Pior é ter de escolher entre o mesmo Barrichello com a pior Stewart de todas, Pedro Paulo Diniz com uma Arrows ridícula e Ricardo Rosset tentando permanecer na pista com os restos de um Tyrrell.

É evidente que o cenário desolador dos brasileiros foi refletido na vendagem dos ingressos. Enquanto 65 mil ingressos haviam sido vendidos em 1997, apenas 50 mil foram comercializados em 1998. Não que a situação do ano anterior fosse muito melhor, com Rubinho em uma equipe novata e Pedro Paulo em uma equipe reestruturada. Mas a incógnita é sempre melhor do que a certeza. E a certeza de 1998 é que os brazucas não pelejariam por nada melhor que o 13º lugar. Dali para frente, território cativo de McLaren, Ferrari, Williams, Benetton, Jordan e Sauber.

E mesmo para quem não ligava para torcidas patrióticas as coisas não eram tão atraentes assim. Poucas pessoas estavam empolgadas pelo início da temporada. A FIA havia implantado uma série de exigências que tornaram a categoria definitivamente pior em 1998: carros mais estreitos, pistas mais estreitas e o pior, o advento dos pneus sulcados. Estas medidas visavam tornar a pilotagem mais complicada e aumentar as ultrapassagens. Pois só o primeiro objetivo foi obtido. Com isso, os muitos que ficaram maravilhados com a excelente temporada de 1997 estavam simplesmente aborrecidos com a “nova” Fórmula 1.

Meio à contragosto, todo mundo acompanhou tudo. A McLaren dominou os treinos e, mesmo deixando de usar um sistema de freios independentes devido aos protestos da Ferrari, ganhou a corrida com tranquilidade. Barrichello largou em 13º e abandonou. Rosset e Diniz dividiram a última fila e… abandonaram também. Foi um evento tão aborrecido que até eu me incomodei de ter de escrever sobre ele.

1- 2004

2004 foi outro ano bem chato. Chatíssimo. Michael Schumacher ganhou seu sétimo título mundial com extrema antecedência lá na região das Ardenhas, na Bélgica. De Monza para frente, somente corridas inúteis que serviriam para completar a tabela. A última etapa, tadinha, seria a mais marginalizada de todas. O pessoal do paddock nem estava mais com a cabeça na temporada. O peru de Natal e o IPVA eram assuntos mais relevantes.

Pois a última prova daquele ano aconteceu justamente no Brasil Varonil. Seria a primeira vez em mais de trinta anos que isso aconteceria. Até então, nós sediávamos uma das primeiras corridas do campeonato, se não a primeira. Se não estou enganado, a mudança foi feita para evitar as torrenciais águas de março, ou abril, que fecham o verão. Mudança besta, é claro, pois quem conhece Sampa sabe que a chuva não tem frescuras e cai quando quer. Mesmo em novembro, a corrida continuou sendo cortejada por nuvens e precipitações. De canivetes, às vezes.

Para os estrangeiros, foi um saco ter de sair lá dos confins da Ásia em direção à América do Sul cheia de malária, canibais e jacarés andando nas ruas. Verdade seja dita, boa parte dos xenos não suporta o Brasil. Na verdade, eles até gostam das praias, do churrasco, da caipirinha e dos clichês de costume, mas São Paulo é um lugar detestável para eles. Os torcedores brasileiros sempre estão presentes, no entanto. Em 2004, 70 mil se reuniram para ver a corrida. Neste Top Cinq, é o único caso em que o interesse nacional foi bem maior que o interesse dos de fora.

Afinal, Rubens Barrichello pilotava a Ferrari F2004, um dos melhores carros de todos os tempos, e monopolizava todas as atenções da equipe mafiosa naquele fim de semana chuvoso. Para quem não gosta dele, havia ainda o emergente Felipe Massa na Sauber e o defenestrado Ricardo Zonta na Toyota. Rubinho não decepcionou no sábado e marcou uma celebrada pole-position, mas foi deixado para trás por Juan Pablo Montoya e Kimi Räikkönen e consolou-se com seu primeiro pódio em Interlagos. Massa, ao menos, liderou suas duas primeiras voltas na vida, a seis e a sete.

Vale registrar que foi a última vitória na Williams na Fórmula 1. Sete anos. Puxa, mas faz tempo, hein?

Há quase duas semanas, a Indy realizou uma das corridas mais complicadas de sua história. No acanhado oval de New Hampshire, o americano Ryan Hunter-Reay obteve sua terceira vitória na categoria após uma decisão pra lá de polêmica por parte da direção de prova. Faltando poucas voltas para o fim, uma chuvinha marota começou a encharcar o asfalto da pista de 1,7 quilômetro socada no nordeste dos Estados Unidos. Como todo mundo sabe, não dá para ter corrida em um oval quando chove. Portanto, o mais lógico era interromper a corrida, dar o troféu ao líder e mandar todo mundo para casa, certo?

Errado. Os gênios que comandavam a festa preferiram manter o pelotão andando atrás do carro de segurança por algumas voltas para, então, dar a relargada com chuva e tudo. É óbvio que isso não daria certo. Antes mesmo de ser aberta a primeira volta em bandeira verde, Danica Patrick rodou na saída da curva 4 e causou um salseiro que alijou uns três ou quatro da disputa. Mais à frente, o então líder Hunter-Reay era ultrapassado por Oriol Servià e Scott Dixon, que acabaram abrindo a volta 217 na frente. Logo, com a interrupção da corrida em decorrência do acidente, era de se esperar que o resultado considerado fosse aquele da volta 217, com Servià em primeiro e Dixon em segundo, certo?

Errado novamente. A direção de prova decidiu desconsiderar a volta 217 e oficializou o resultado final como aquele da volta 216, que tinha Ryan Hunter-Reay como vencedor. Enfim, uma confusão da porra e é óbvio que ninguém saiu feliz. Enquanto Will Power cerimoniosamente mandava todo mundo naquele lugar, as equipes Newman-Haas e Chip Ganassi decidiram entrar com um protesto contra o resultado final. No dia 23, a direção da Indy ouviu as duas equipes protestantes e concluiu que não havia nada de errado em atropelar as regras. A vitória seguiu com Hunter-Reay.

Neste caso, Newman-Haas e Chip Ganassi saíram perdendo. Em outras ocasiões, o protestante conseguiu ganhar a causa. No automobilismo, esse negócio de piloto ou equipe protestar por uma vitória alheia é algo bem comum. Há muitos casos e, na verdade, não ficamos sabendo da maioria deles, pois são feitos à surdina. Os que são divulgados, no entanto, viram um espetáculo circense. O Top Cinq relembra cinco casos em que a vitória não foi tão incontestável assim.

5- GP DA BÉLGICA DE 2008, FELIPE MASSA E LEWIS HAMILTON

Em 2008, Lewis Hamilton e Felipe Massa protagonizaram um dos duelos mais legais nos últimos anos. Felipe fazia sua temporada mais bem-sucedida na Fórmula 1 e atuava como o primeiro piloto da Ferrari, uma vez que Kimi Räikkönen se cansou de se esforçar demais. Hamilton era simplesmente o Hamilton, um sujeito que se alterna entre o artista e o louco de uma hora para outra. Confesso que foi a temporada que eu mais gostei na última década. E o Grande Prêmio da Bélgica foi um dos seus pontos altos.

Kimi Räikkönen liderou quase todas as voltas da corrida e vinha com tudo para vencer pela quarta vez em Spa-Francorchamps. Tudo mudou, no entanto, quando a chuva veio com força nas últimas voltas da corrida. Com um carro melhor nestas condições, Lewis Hamilton decidiu partir para o tudo ou nada. No fim da volta 42, o inglês tentou ultrapassar na Bus Stop e foi sumariamente fechado. Sem desistir, Hamilton acabou atravessando a chicane e até chegou a tomar a ponta, mas teve de devolvê-la a Räikkönen. No entanto, só cedeu o mínimo possível, de modo que pudesse pegar o vácuo da Ferrari para tentar a ultrapassagem novamente na freada da La Source. Dessa vez, conseguiu.

Após uns toques ali e umas confusões acolá, Hamilton acabou vencendo a corrida, mas os comissários de pista decidiram aplicar uma punição de 25 segundos ao piloto da McLaren por ter cortado a chicane naquela briga com Räikkönen. Com isso, a vitória caiu no colo de Felipe Massa, que não tinha nada a ver com a história. A McLaren, obviamente, protestou, alegando que Lewis devolveu a posição para Kimi logo após a infração. No entanto, como diz o artigo 152 do Código Desportivo Internacional, este tipo de punição não é passível de recurso. A FIA deu de ombros às reclamações da McLaren e confirmou a vitória de Felipe Massa. Há quem diga que foi uma maneira de acirrar ainda mais a briga pelo título.

4- BUDWEISER/G.I.JOE’S 200 DE 1995, AL UNSER JR. E JIMMY VASSER

Em 1995, a Penske vinha chafurdada na mediocridade e nos problemas. Terrível em grandes ovais, o PC24 era apenas mediano em ovais curtos e em mistos. A sorte da equipe é que Emerson Fittipaldi era especialistas nos primeiros e Al Unser Jr. era fodão nos segundos. Mesmo com um equipamento inferior, Unser Jr. conseguia mostrar todo o seu talento nos circuitos com curvas para os dois lados. Em Long Beach, ele venceu de forma tranqüila. E em Portland?

O bicampeão tinha boas expectativas para a corrida de 200 milhas, já que havia vencido a edição do ano anterior. Na classificação, perdeu a primeira fila para Jimmy Vasser e Jacques Villeneuve, mas não se incomodou muito com isso, até porque não era nem um pouco impossível ultrapassar em Portland.

Na corrida, Villeneuve roubou a ponta das mãos de Jimmy Vasser ainda na primeira volta. Unser Jr. subiu para a segunda posição e começou a perseguir ferozmente o canadense. Jacques vinha segurando bem a liderança até a volta 25, quando errou a tangência da primeira curva, quase seguiu em direção à grama e entregou a primeira posição de bandeja para Al Unser Jr., que só precisou levar o carro cuidadosamente até a bandeirada da vitória. Festa para o piloto do Novo México, que assumia a liderança do campeonato pela primeira vez.

Festa essa que não durou muito. Poucas horas depois da vitória, o vice-presidente da IndyCar, Kirk Russell, anunciou que Unser Jr. havia sido desclassificado pelo fato do seu carro estar fora das especificações. Segundo Russell, a distância do assoalho do Penske PC24 nº 1 para o chão estava inferior aos 5,1 centímetros regulamentados. Este é o mesmo problema que Michael Schumacher havia tido em Spa-Francorchamps no ano anterior.

Na Indy, a medição desta distância entre o assoalho e o solo é feita com a análise das três partes que compõem o assoalho. No caso do carro da Penske, uma destas partes estava completamente danificada. Durante a corrida, as câmeras flagraram um pedaço saindo debaixo do carro. Este pedaço deve ter escapado devido ao atrito entre o assoalho mais baixo e o solo. Enfim, o que importava era que o carro de Al Unser Jr. estava irregular e ponto.

A Penske imediatamente anunciou que recorreria da desclassificação. O problema é que o resultado do recurso só acabaria saindo no fim de setembro, três meses depois da corrida de Portland. Ao menos, Unser Jr. acabou tendo sua vitória de volta. O problema é que isso não serviu para muita coisa: ele ainda acabou terminando o ano com onze pontos a menos que o campeão Villeneuve.

3- 500 MILHAS DE INDIANÁPOLIS DE 2002, HÉLIO CASTRONEVES E PAUL TRACY

Esse negócio de acidente interrompendo uma corrida no momento de uma disputa pela liderança é das coisas mais tensas do automobilismo. Em 2002, as 500 Milhas de Indianápolis acabaram de maneira bem parecida com a tal corrida em New Hampshire. Dessa vez, tinha brasileiro metido no meio da confusão.

Após Tomas Scheckter estourar seu carro no muro e Gil de Ferran ter de ir aos pits para recolocar um pneu problemático, a briga pela vitória ficou restrita a Helio Castroneves, Felipe Giaffone e Paul Tracy. Helio liderava, mas seu Dallara-Chevrolet estava sorvendo as últimas gotas do tanque. Logo atrás, Giaffone e Tracy vinham babando pela vitória e pelo mais puro leite de Indiana. Mas Castroneves se segurava como podia.

Faltando quatro voltas para o fim, Giaffone tentou ultrapassar Castroneves na curva 3, mas acabou dando de cara com o retardatário Dario Franchitti, tirou o pé e abriu espaço para Tracy. Enquanto isso, Helio pedia a todos os santos, anjos, espíritos e demônios para que houvesse gasolina o suficiente para cruzar a linha de chegada em primeiro.

Paul Tracy não demorou muito para colar na caixa de câmbio do Penske de Helio Castroneves, que mantinha uma linha totalmente defensiva. De repente, uma luz amarela se acende no carro do brasileiro. Helinho quase morre de susto, imaginando que fosse a luz de combustível. Para sua felicidade, não era: a bandeira amarela havia acabado de ser acionada. Na volta 199, Buddy Lazier e Laurent Redon se estranharam e destruíram seus bólidos na curva 4.

A bandeira amarela apareceu justamente no momento em que Tracy se colocou na linha externa da curva 3 para ultrapassar Castroneves por fora. Após mostrar o acidente de Redon e Lazier, as câmeras se voltaram para a disputa da liderança, com Tracy já à frente de Castroneves. No rádio, o obeso canadense grita “Yeah, baby!”, acreditando que havia vencido a corrida. De repente, a direção de prova confirma o contrário: Helio Castroneves era o líder das 500 Milhas. O brasileiro só precisou completar a última volta atrás do carro-madrinha para se sagrar bicampeão da corrida mais importante dos Estados Unidos.

Tracy ficou enfurecido com a decisão e alegou que havia ultrapassado Castroneves antes da primeira indicação de bandeira amarela. E não foram poucos os que concordaram com ele. Após a corrida, a equipe Green protestou contra o resultado, repetindo o que Paul havia alegado. Após duas horas de conversa pouco amistosa, a direção da prova não se comoveu com as explicações e manteve o resultado. Há quem diga que a decisão foi totalmente política, já que não interessava à Indy Racing League que a vitória das 500 Milhas fosse obtida por alguém da CART, sua categoria arquiinimiga. Não duvido.

2- GP DO BRASIL DE 2003, GIANCARLO FISICHELLA E KIMI RÄIKKÖNEN

Para quem acha que esse negócio de acidente embananando o resultado de uma corrida é coisa de americano, saiba que um episódio muito interessante aconteceu no Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 em 2003. A corrida, em si, foi absurda do primeiro ao último metro. E se o resultado final tivesse sido outro, Michael Schumacher e Kimi Räikkönen teriam terminado a temporada empatados em 93 pontos.

Chovia absurdamente em Interlagos naquele 6 de abril de 2003. Rubens Barrichello havia marcado a pole-position e era o grande favorito à vitória. Michael Schumacher, ele mesmo, largaria apenas em sétimo. Räikkönen era o quarto no grid. Entre Rubens e Kimi, estavam o Jaguar de Mark Webber e o McLaren de David Coulthard. Como a pista parecia um tobogã de parque aquático, a direção de prova decidiu realizar a largada atrás do safety-car.

Não vou descrever a corrida inteira aqui. Barrichello perdeu a ponta para Coulthard logo após o safety-car. Pouco depois, Räikkönen assumiu a liderança. Atrás dele, só confusão: Pizzonia, Montoya, Button, Schumacher, Verstappen e Wilson escaparam fragorosamente na Curva do Sol, que tinha uma poça canalha e enorme. Mais para o final, Rubinho assumiu a ponta para, em seguida, abandonar a corrida sem uma única gota de gasolina no tanque.

A chuva prosseguia forte e Räikkönen tinha problemas de estabilidade. Na volta 54, enquanto completava o Mergulho, Kimi escapou de frente e entregou a liderança a Giancarlo Fisichella, que fazia uma corrida inspiradíssima com seu precário Jordan. O italiano completou a volta na frente e, segundos depois, a corrida foi interrompida devido a dois violentos acidentes com Mark Webber e Fernando Alonso na Subida dos Boxes. Como havia muitos destroços e pneus espalhados pela pista, a organização preferiu encerrar a corrida daquele jeito.

Só que a organização declarou também que Kimi Räikkönen havia sido o vencedor. Ao invés de considerar a volta 54, a última que havia sido completada antes da interrupção, os organizadores preferiram considerar a volta 53, liderada pelo finlandês. Revoltada, a Jordan recorreu, alegando que o resultado a ser considerado é sempre o da volta anterior à da interrupção.

A FIA demorou cerca de duas semanas para chegar a um veredicto, mas chegou. E devolveu a vitória a Fisichella, dizendo serem procedentes as reclamações da Jordan. Para não deixar o italiano tristonho, foi realizada até mesmo uma pequena cerimônia em Imola, com o próprio Räikkönen entregando o troféu ao piloto da Jordan. Quem disse que alegria de pobre dura pouco?

1- 500 MILHAS DE INDIANÁPOLIS DE 1981, BOBBY UNSER E MARIO ANDRETTI

O protesto do protesto. As 500 Milhas de Indianápolis de 1981 entraram para a história porque os dois primeiros colocados cometeram exatamente a mesma infração, só que um queria que apenas o outro fosse punido. Vamos entender como isso aconteceu.

Na volta 146, o falecido Gordon Smiley bateu e causou uma bandeira amarela. O líder Mario Andretti e o segundo colocado Bobby Unser entraram nos pits e o trabalho dos mecânicos da Penske de Unser foi melhor, o que permitiu que o irmão de Al Unser voltasse à frente do ítalo-croata-americano. A partir daí, só sacanagem.

Ao sair dos pits, Unser simplesmente enfiou o pé no acelerador e ultrapassou um bocado de gente. Mais precisamente, catorze carros. Com bandeira amarela e tudo. Depois disso, se posicionou atrás do carro-madrinha e ficou por lá até a relargada. Antes que você pense “puxa, que filho da puta, o Andretti não merecia perder a corrida para ele”, saiba que o pai de Michael Andretti fez a mesma coisa, ultrapassando três carros na mesma bandeira amarela e nas mesmas circunstâncias.

Unser e Andretti acabaram terminando a corrida nestas posições e Bobby celebrou muito, já que era sua primeira vitória em Indianápolis. No entanto, a Patrick Racing, equipe de Mario Andretti, entrou com um protesto contra a vitória de Unser pouco após o pódio, alegando as ultrapassagens do rival em bandeira amarela e ignorando que seu protegido fez exatamente o mesmo. Outros pilotos, como Gordon Johncock e A. J. Foyt, apoiaram a Patrick no protesto. Os oficiais aceitaram o protesto e passaram a madrugada analisando alguns VTs. Às oito da manhã do dia seguinte, o veredicto final: Bobby Unser foi desclassificado das 500 Milhas de Indianápolis e Mario Andretti acabou declarado como o vencedor da corrida.

A partir daí, a revolta passou para o lado da Penske de Bobby Unser. Na mesma segunda-feira, Roger Penske entrou com protestos duas vezes e foi rejeitado em ambas. Na terceira, a organização decidiu dar uma chance a ele. A alegação era a mesma da Patrick, só que válida para o lado oposto: Andretti não poderia ser o vencedor porque havia ultrapassado alguns carros em bandeira amarela.

O negócio se arrastou por alguns meses. O argumento de Unser era forte: quando você está saindo dos pits, utilizando a parte anterior à linha branca e os demais pilotos estão na pista normal e posterior à linha branca, a regra de não haver ultrapassagens se tornava inválida. O problema é que o mesmo valia para Andretti, que também ultrapassou na mesma circunstância. No dia 9 de outubro, três membros da USAC, entidade que promovia a corrida, decidiram a questão nas urnas. Por dois votos a um, Bobby Unser acabou tendo sua vitória de volta. Sua desclassificação foi substituída por multa de 40 mil dólares.

Andretti ficou possesso. Tão possesso que chegou a jogar fora o anel de vencedor de Indianápolis após saber do resultado. Com isso, acabou não conseguindo devolvê-lo a Unser, que só ficou com a miniatura do famoso troféu Borg-Warner.

Esta corrida ganhou a alcunha de “A Indefinida”. Dá para entender o porquê?

Para aqueles dotados de memória de peixe, lembro que comecei a comentar sobre a triste passagem do australiano Gary Brabham pela equipe Life na temporada de Fórmula 1 de 1990. Escrevo sobre isso fazendo uma conexão com a estreia de Daniel Ricciardo na Hispania no próximo fim de semana. São australianos estreando na pior equipe da Fórmula 1. Mereço um Nobel da Paz pela referência.

Hoje, vou falar sobre a vida de Gary Brabham após o fracasso de Phoenix, onde seu Life F190 só conseguiu dar quatro voltas antes de explodir impiedosamente. Enquanto Ayrton Senna e Jean Alesi protagonizavam um belo duelo pela liderança na corrida, nosso amigo australiano via a corrida pela televisão e queimava neurônios e fios de cabelo pensando no que fazer. O carro era horroroso, a equipe era ridícula e as chances dele ir para os treinos oficiais eram menores do que a sua de ganhar na Mega Sena.

Após o vexame de Phoenix, Gary voou para a Flórida para passar uns dias na casa de Geoff Brabham, o irmão que corria no IMSA. Enquanto ele esteve hospedado por lá, algum zé-ruela ligou para Gary dizendo que a Life provavelmente não correria no Brasil. Segundo o que lhe foi dito, após ir tão mal nos Estados Unidos, a equipe decidiu que não valeria a pena ir para a América do Sul, até porque mal haveria condições para isso.

Desesperado, Brabham tentou se comunicar com Ernesto Vita para saber o que realmente estava acontecendo. Não obteve sucesso. Faltando poucos dias para o Grande Prêmio do Brasil, o coitado não sabia se viajaria para São Paulo ou não. A equipe não havia arranjado passagens aéreas e hospedagem a ele e não dava para tirar dinheiro do próprio bolso para custear uma viagem que talvez nem servisse para nada.

Mesmo assim, Brabham decidiu ir para o Brasil. Deu um jeito, comprou as passagens, pegou o avião e deu a tremenda sorte de encontrar Alain Prost no voo. Os dois bateram um papo, o australiano expôs todas as mazelas de sua equipe e o tetracampeão francês lhe deu uma força, provavelmente lhe ajudando com a hospedagem e coisas afins.

Gary chegou a Interlagos sem a menor certeza de encontrar alguém da Life por lá. Entrou no autódromo e suspirou de alívio quando deu de cara com o carro na garagem. Faltavam dois dias para a pré-classificação. Sua aventura na Fórmula 1 não terminaria aí, portanto.

Tranquilo, ele aproveitou o tempo disponível antes da pré-classificação para conhecer o autódromo. Após dez anos de ausência, Interlagos retornava ao calendário da Fórmula 1 totalmente remodelado. O circuito havia perdido boa parte daqueles trechos mais velozes que maravilhavam os amantes da velocidade, mas ganhou em segurança e em infraestrutura, o que importava para os notáveis da Fórmula 1. Exagerado, Gary Brabham afirmou que adorou a nova pista, pois ela era uma mistura de Daytona, Brands Hatch, Nürburgring e Suzuka. Então tá, né?

As esperanças da Life não eram lá tão grandes para a etapa brasileira. Nenhuma novidade foi implantada no carro e até mesmo o tacômetro permaneceu quebrado. Como um dos dois motores havia estourado em Phoenix, a equipe contava com uma única unidade. Nos boxes, os três ou quatro mecânicos sofriam para montar o carro e o semanário Motoring News chegou a descrever uma cena deprimente, na qual Gary olha desolado para um dos esforçados mecânicos, que tentava parafusar um braço de suspensão sem sucesso.

Os carros de Fórmula 1 entraram na pista paulistana pela primeira vez na quinta-feira, 22 de março de 1990, para duas sessões de aclimatação. Choveu muito nas duas sessões, mas os 35 pilotos inscritos conseguiram marcar tempo. Enquanto Ayrton Senna marcava 1m20s333 e encabeçava as tabelas, o Coloni de Bertrand Gachot computava 1m35s740 e ficava em 34º. E o Life? Gary Brabham até chegou a completar volta e marcou impressionantes 2m01s801. Foi a única vez na história em que um Life dividiu a pista com McLaren, Ferrari, Williams e demais colegas ricos. É que nem a doméstica que fica orgulhosa por dividir o elevador social com o Eike Baptista.

No dia seguinte, Gary Brabham e a Life voltariam à dura realidade de ter de dividir a pista com AGS, Eurobrun, Coloni e porcarias do tipo. A FISA não tinha a menor dó dos pilotos do fundão e os obrigava a acordar bem cedo para participar da pré-classificação, sempre realizada às oito da manhã da sexta-feira. Para piorar, chovia torrencialmente. O uso de pneus de chuva era obrigatório. Curioso saber que a paupérrima Life dispunha de pneus de chuva…

Brabham trouxe seu carro avermelhado para a pista. Desceu pela saída dos boxes, entrou na pista pela Curva do Sol e enfiou o pé no acelerador. Imediatamente após o pedal ser acionado com vontade, o motor explodiu sem dó. Causa mortis: biela arrebentada. Após apenas 400 metros, acabava o fim de semana da Life e de Gary Brabham. O desespero da equipe era enorme, pois os dois únicos motores disponíveis estavam em frangalhos. E agora?

Gary já não estava com cara de muitos amigos quando chegou aos pits. Ao conversar sobre o que havia acontecido, ele descobre a prosaica causa do estouro do propulsor: os mecânicos deliberadamente não colocaram óleo no motor. Sim, é exatamente isso que você leu: os mecânicos deliberadamente não colocaram óleo no motor. Imagine que seu 1.0 prata financiado em 72 vezes começa a falhar tão logo o nível de óleo se encontra menor do que o mínimo necessário. Imagine agora um motor 3.5 de 12 cilindros sem óleo algum. O que diabos os mecânicos tinham na cabeça?

Pois é exatamente isso que Gary Brabham pensou. Após Interlagos, ele viajou para a Austrália para discutir com seu empresário, Don MacPherson, se a aventura na Life estava servindo para alguma coisa em sua carreira. Não dava para acusar o piloto de falta de seriedade e compromisso: ele se dispôs a aprender italiano, correu atrás de patrocinadores na Austrália e até chegou a pôr quatro mil dólares do seu bolso nos cofres da equipe para tentar ajudar. A equipe, por outro lado, simplesmente não fazia nada certo. E o pior é que não havia a menor disposição para mudar as coisas.

Dias depois da corrida brasileira, Brabham e Ernesto Vita, o dono da Life, se reuniram para conversar sobre o futuro da equipe. Vita tentava aplacar a ansiedade de Brabham prometendo a injeção de pelo menos três milhões de dólares na equipe, dinheiro vindo de industriais de Milão. Esta era a única promessa feita pelo chefão. Brabham e MacPherson, no entanto, fizeram outras exigências. Estas exigências nada mais eram do que coisas básicas que qualquer equipe de Fórmula 3 que se preze tem: capacidade de comunicação, segurança do carro, infraestrutura e um staff mínimo.

O piloto australiano fez dois pedidos em especial. Ele convidou Ron Salt, seu chefe nos tempos da Fórmula 3000 Britânica, para trabalhar como diretor geral da equipe e pediu para Vita contratá-lo. Além disso, Gary pediu que o tenebroso motor W12 fosse substituído por qualquer outro enquanto uma nova versão não ficasse pronta. Até mesmo um Judd CV V8 serviria.

Orgulhoso, Vita nem quis saber de se aprofundar mais nestas questões e negou qualquer mudança. Ele não largaria a gestão da equipe para entregá-la de bandeja a um inglês mofino e branquelo. O pedido para trocar o motor soava ainda mais absurdo, quase ofensivo. Como este australiano de merda tem a pachorra de contestar nosso maravilhoso W12, a verdadeira raison d’être dessa equipe? Não, não e não. A Life seguiria com o mesmo motor e pronto.

Contrariado, Gary Brabham concluiu que sua permanência na Life estava insustentável e decidiu cair fora. No dia 10 de abril de 1990, sua saída foi oficialmente anunciada. Os comentários abaixo são do seu empresário:

“Como vocês sabem, nós queríamos fazer algumas pequenas sugestões ao doutor Ernesto Vita, mas ele se recusou até mesmo a tomar conhecimento delas. Nós pedimos a ele para que fizesse algumas mudanças que trouxessem a equipe para um nível de profissionalismo coerente com a Fórmula 1. Seguir em uma equipe dessas seria altamente prejudicial para a carreira do Gary. É evidente que agora é fácil olhar para nós e dizer que nós nunca deveríamos ter aceitado este projeto, mas se recebêssemos uma outra proposta para correr na Fórmula 1, por pior que ela fosse, aceitaríamos. Quando um piloto jovem recebe uma chance de ir para lá, deve aceitá-la sem pensar“ – Don MacPherson.

Vocês pensam que a história acabou aí? Pois Gary Brabham levou mais uma chicotada do destino – e o pior é que a culpa foi de seu pai.

Naqueles dias, a Brabham estava com um carro disponível, uma vez que o suíço Gregor Foitek, que havia corrido pela equipe nas duas primeiras etapas, bandeou-se para a Onyx. Sabendo disso, Jack Brabham ligou para a sua antiga equipe, agora comandada por engravatados do consórcio japonês Middlebridge, e informou que um dos seus filhos estava disponível. Vocês imaginam que Gary conseguiu salvar sua pele aí, certo? Errado, muito errado.

Este filho se chamava David Brabham e havia vencido a Fórmula 3 britânica no ano anterior. Sir Jack ainda não sabia que Gary havia acabado de abandonar a Life e achava que teria a enorme felicidade de ver os dois correndo juntos na Fórmula 1. Quando descobriu, se sentiu mal. Se tivesse tomado conhecimento disso antes, Jack Brabham teria recomendado Gary. Quatro anos mais novo que o irmão, David poderia esperar mais um pouco.

Após a rasteira dada pela própria família, Gary Brabham até conseguiu arranjar um carro da Middlebridge – na Fórmula 3000 Internacional. Fez uma temporada completa sem levar dinheiro e obteve dois bons pódios, mas não conseguiu sequer sonhar com o título. Em 1991, ele decidiu correr nos EUA. Em entrevista dada há alguns anos, Gary revelou que este primeiro ano nos States foi tão difícil que ele só tinha disponíveis cerca de seis dólares por dia! Imagine o que representa para um ex-piloto de Fórmula 1 ter de sobreviver com menos de duzentos dólares por mês. Pois é.

Depois disso, sua carreira se recuperou um pouco e ele até conseguiu fazer algumas corridas na CART. Mas é evidente que Brabham nunca mais conseguiu chegar ao mesmo ponto em que estava antes de estrear na Life. Hoje em dia, todos nós damos risada de histórias como essa. E é para nós rirmos mesmo, pois já temos muitas coisas sérias o suficiente para nos aborrecer. O chato é que toda esta piada custou a carreira de um sujeito extremamente talentoso, talvez o mais entre os filhos de Jack Brabham.

Repito: te cuida, Ricciardo.

Grande Prêmio da Austrália: a Qantas financia um pouquinho. O resto fica por conta do cidadão local

Os sinais são bem claros.

Na quinta-feira passada, Bernie Ecclestone ligou para Gianni Alemanno, alcaide de Roma, para dizer que não haveria mais uma corrida de Fórmula 1 a ser realizada na capital italiana. A mídia repercutiu a ligação com força. No dia seguinte, o promotor da futura corrida, Maurizio Flammini, anunciou que não era bem assim e que Ecclestone, na verdade, propôs uma alternância entre Monza e Roma como sedes do GP da Itália. O jornalista inglês James Allen, macaco velho do meio, interpretou a sugestão como uma simpática maneira de Bernie sugerir que não queria mais saber de Roma.

Bernie Ecclestone foi a última pessoa importante a se manifestar contra a corrida de Roma. Antes dele, muita gente importante e até mesmo insuspeita nesse assunto já havia se pronunciado a respeito. Luca di Montezemolo, um dos sujeitos mais poderosos de seu país, disse que era contra haver mais de uma corrida em um mesmo país e que a preferência deveria recair sobre novos mercados. Em pesquisa recente, 80% dos moradores da cidade dizem discordar da realização da corrida. E o próprio prefeito de Roma declarou que o circuito de Monza é historicamente mais importante.

Com exceção de Flammini, que parece não passar de mais um italiano picareta, ninguém quer essa corrida em Roma. A princípio, é estranho ver tanta gente que seria beneficiada pela Fórmula 1 rechaçando a categoria. Na verdade, não é. Ao contrário do que a expansão do calendário do campeonato nos últimos anos sugere, cada vez menos gente está interessada em receber a Fórmula 1. E cada vez mais países estão interessados em pular fora.

Os australianos, por exemplo, estão cansados de perder dinheiro com a Fórmula 1. Em 2010, a organização do Grande Prêmio da Austrália registrou prejuízos de 49 milhões de dólares. Em 2009, as perdas foram de 40 milhões de dólares. Para não dizer que a culpa é da crise econômica de 2008, as perdas de 2006 ultrapassaram os 20 milhões de dólares. Somando todas as perdas, o GP já sumiu com nada menos que 200 milhões de dólares! Alguns políticos locais de mentalidade mais austera consideram que a Fórmula 1 é um gigantesco ralo onde se escoa uma considerável parcela de recursos públicos. E estão certos.

Grande Prêmio da Bélgica: ameaçado por questões financeiras e sonoras

O GP da Austrália é patrocinado pela Qantas, maior companhia aérea do país. Pelo que pude apurar, a empresa paga cerca de 3 milhões de dólares para estampar seu nome na denominação oficial do Grande Prêmio (Qantas Grand Prix of Australia) e para espalhar seu logotipo por várias partes do circuito. 3 milhões de dólares é quirera perto dos custos necessários para a realização da corrida. O restante da grana vem do governo. Assim como acontece com praticamente todas as corridas do calendário.

Os defensores da corrida australiana alegam que a corrida em Melbourne é uma das medidas de revitalização do local, que não era lá aquelas coisas até meados dos anos 90, e também um poderoso propulsor do turismo no país. Tudo besteira. Em 1995, muitos habitantes de Melbourne reclamaram um monte sobre a transferência da corrida australiana de Adelaide para seu parque municipal. Há três anos, um auditor independente concluiu que a corrida não só não turbinou o turismo em Victoria, estado onde se localiza Melbourne, como também não rendeu os dividendos esperados. O GP da Austrália pode ser muito divertido, mas representa um fardo pesadíssimo e despropositado para o contribuinte australiano.

O caso australiano não é único. Para desespero dos seus muitos fãs, o Grande Prêmio da Bélgica é outro enorme problema. Entra ano, sai ano, e a corrida de Spa-Francorchamps segue ameaçada para os anos seguintes. Nós podemos reclamar muito, mas não temos como discordar 100% dos motivos. Muitos habitantes das pacatas cidadezinhas locais reclamam muito do barulho dos motores. E eles não estão errados, já que devem escutá-lo em boa parte dos fins de semana do ano (lembrando que não existe só a Fórmula 1). Além do mais, até onde eu sei, não foi a região de Spa-Francorchamps que se desenvolveu após o surgimento do circuito, mas exatamente o contrário. Logo, os nativos têm todo o direito de reclamar.

Mas o pior dos motivos é financeiro, é claro. A corrida belga, assim como a australiana, é uma enorme privada de recursos públicos. Ela é 100% financiada com o dinheiro dos contribuintes e só traz como contrapartida prejuízos. Em 2009, a organização da corrida reportou perdas de 6,6 milhões de dólares. E 2010 deve ter sido ainda pior, já que as vendas de ingressos foram bem inferiores às do ano anterior. Mergulhados em profunda crise, os europeus estão cansados de perder dinheiro para o Estado. Uma corrida de Fórmula 1, nesse contexto, não passa de um capricho estúpido.

Australianos e belgas são os exemplos mais extremos de uma dura realidade edulcorada pelo glamour do esporte. Há outros exemplos. A China, país de mais de 1,5 bilhão de habitantes, é incapaz de lotar suas arquibancadas. Os chineses não se interessam pela Fórmula 1 e a categoria já não sabe mais o que fazer para conquistar este poderosíssimo mercado. Outros países asiáticos, como a Malásia e a Turquia, também lamentam arquibancadas vazias, desinteresse generalizado e perspectivas cada vez mais sombrias. O que salva todas essas “novas corridas” é o dinheiro público de governantes oportunistas e irresponsáveis. E se a torneira fechar um dia?

Grande Prêmio da China: aquele CHINA ali é uma maneira de preencher as arquibancadas vazias

Isso está para acontecer com o Grande Prêmio da Europa, realizado no circuito de rua de Valência. Seu organizador, Francisco Camps, praticamente implorou a Ecclestone para que seja liberado do contrato leonino que garante a corrida até 2012. Os números são absurdamente negativos. Foram gastos 120 milhões de dólares apenas na construção do circuito. Anualmente, 40 milhões de dólares são gastos com a realização da corrida, sendo que 24 milhões são depositados diretamente em contas de Bernie Ecclestone localizadas em paraísos fiscais. E quanto a organização consegue recuperar? Em 2010, por volta de míseros 13 milhões de dólares, o que não paga nem a comissão de Ecclestone. O buraco é financiado, mais uma vez, pelo governo.

Segundo o que andei lendo, de todas as 19 etapas realizadas em 2010, apenas o Grande Prêmio da Inglaterra é lucrativo. Os ingleses são doidos por corridas e, faça chuva ou faça sol, lotam as arquibancadas de Silverstone. Os patrocinadores, como o banco Abbey, são bastante generosos e o resultado é positivo. As demais corridas, no entanto, apresentam apenas abstrações como “retornos institucionais” ou, na melhor das hipóteses, vantagens absolutamente indiretas. O GP do Brasil, por exemplo, é o evento internacional que mais traz grana para São Paulo. Mas devemos considerar que Sampa é uma cidade de excelente infra-estrutura que não tem nenhum outro grande atrativo turístico natural. Nesse caso, uma corrida de Fórmula 1 só faz bem para ambos os lados: os gringos se divertem com cerveja, putas e churrasco e os paulistanos conseguem turbinar os setores de turismo e de serviços. Eu diria que uma corrida de Fórmula 1 só funciona verdadeiramente nesse caso.

Prejuízos, desinteresse, reclamações dos habitantes locais… É sintomático ver tantos argumentos contra uma corrida de Fórmula 1. A verdade é que Bernie Ecclestone impõe um estilo de grande prêmio que se mostra financeiramente insustentável, urbanisticamente inútil e esportivamente desinteressante. As corridas acabam trazendo benefícios reais para apenas uma pessoa: ele mesmo.

Com isso, a tendência, a médio prazo, é haver cada vez menos países “responsáveis” no calendário. Bernie Ecclestone será obrigado a negociar com políticos extravagantes ou simplesmente irresponsáveis que se disponham a cumprir todas as miseráveis cláusulas de realização de uma corrida, o que inclui enormes quantias de recursos públicos destinadas à Fórmula 1. Você acha ruim ter corrida em locais antidemocráticos como a China ou Abu Dhabi? Prepare-se, porque a coisa tende a piorar.

Quem quer a Fórmula 1? Os políticos responsáveis não querem. Os contribuintes não querem. Os torcedores estão querendo cada vez menos. Ela vai acabar ficando nas mãos de Hassanal Bolkiah, Hugo Chavez, Robert Mugabe e Nursultan Nazarbayev.

TRAÇADO E ETC.

Como muitos já sabem, Interlagos já teve dois traçados. O atual, vigente desde 1990, é legal e tal, mas não consegue se aproximar do antigo, que foi utilizado entre 1940 e 1989. Naquela época, o autódromo paulistano era um dos mais seletivos e sensacionais do mundo. 

Longo, ele tinha 7,96 quilômetros de extensão e 26 curvas. O mais interessante era a velocidade média alcançada. Em 1980, no treino de classificação da sexta-feira, o francês Jean-Pierre Jabouille quebrou o recorde da pista com seu Renault turbinado: completou a volta em 2m21s40 com uma média de velocidade de 200,46 km/h. Naquele ano, os pilotos fizeram 200km/h de média em pistas tão velozes quanto, como em Brands Hatch e em Watkins Glen. Mas o diferencial da pista de Interlagos era seu tamanho: quase oito quilômetros de muita aceleração.

Em termos de velocidade alcançada nos trechos, dá pra dividir o antigo traçado em duas partes. O primeiro é o maior e vai da Junção até o Laranja: é o trecho mais veloz, composto por retas ou curvões de raio longo que podem ser completados com marchas mais altas. O segundo trecho, bem menor, compreende o setor misto que passa pelo Esse, pelo Pinheirinho, pelo Bico de Pato e pelo Mergulho. Apesar de nesta versão não ser um trecho estritamente lento, não é também um trecho veloz e o carro precisa ter mais downforce para não perder muito tempo. Nada que mude a rota do destino, no entanto.

No final das contas, Interlagos podia ser considerado um circuito velocíssimo. Em tempos nos quais os carros não tinham essas frescuras no rabo de considerar variáveis como força de gravidade, distribuição de peso e downforce e os pilotos aceitavam correr com pneus radiais e santantônios tubulares, a motivação maior era enfrentar os desafios de controlar o bólido em altíssima velocidade. A segurança não era das melhores, mas não era algo que incomodava tanto como aconteceria nos dias atuais. Todos gostavam de Interlagos. Quem não gostava, estava errado. Simples assim.

 Conheça as curvas:

1: É a primeira curva do circuito, feita à esquerda. De raio longo e com inclinação perceptível, é daquelas que se faz com o pé cravado. Em tempos remotos, no entanto, apenas os mais corajosos se atreviam a fazer isso.

2: Após completar a curva 1, o piloto percorre uma pequena reta e desemboca na 2, curvão de raio bastante longo feito à esquerda. Assim como a curva 1, a curva 2 é ligeiramente inclinada e testa a coragem dos competidores, com o adicional de ser mais longa e de ter um guard-rail não muito distante esperando pelo erro e posterior desastre.

RETÃO: Essa é para o Tilke. O retão do antigo traçado de Interlagos tinha 850 metros de extensão, mas parecia que tinha mais. É o trecho mais veloz do circuito.

3: Após atravessar o retão, o piloto se depara com esta curva de raio longo, feita à esquerda e em leve descida. O tangenciamento é suave e o piloto não precisa fazer um movimento muito brusco ao volante. Assim como as duas primeiras curvas, tem uma certa inclinação.

4: Rápida virada à esquerda em leve subida. O piloto já vem embalado da curva 3 e atravessa por uma pequena reta antes de chegar neste trecho. Esterça o volante moderadamente e “mergulha” na curva. Um carro com menos força aerodinâmica tende a perder a traseira.

FERRADURA: O motivo do nome é banal: é uma curva cujo formato é o de uma ferradura. É um trecho razoavelmente filho da puta. Após atravessar um trecho de alta velocidade, o piloto deve virar o volante levemente à direita para completar a suave mudança de trajetória. Feito isso, ele deve imediatamente frear bruscamente e esterçar energicamente à esquerda. Um carro com o freio desbalanceado, sem downforce ou com pneus gastos tende a balançar na entrada desta curva. Após iniciar o tangenciamento, ele deve continuar virando à esquerda em média velocidade. Apenas no final da curva é que o carro poderá acelerar novamente.

SUBIDA DO LAGO: Algum precipitado pode achar que este trecho é a atual Descida do Lago feita em sentido contrário. É evidente que não. A Subida do Lago é um curvão de 180° de raio longo feito em suave subida à direita. O piloto a completa acelerando e sempre mantendo o volante esterçado à direita. Um carro que sai de frente pode ter problemas. O nome se refere ao lago que se encontra logo ao lado.

RETA OPOSTA: Esse trecho existe até hoje, no traçado atual. No entanto, o nome só fazia tempo no traçado antigo, quando o piloto andava em linha reta em sentido oposto ao do veloz trecho inicial.

CURVA DO SOL: Deve ser a maior curva de todo o Calendário do Verde. É uma verdadeira embarrigada de mais de 180° e raio longuíssimo feita à direita. O piloto se aproxima deste trecho sem tirar o pé e monotonamente mantém o pé no acelerador e o volante esterçado por vários segundos. É um trecho belíssimo. Ganhou esse nome devido ao fato do sol ofuscar a visão do piloto a cada vez que ele o completava.

CURVA DO SARGENTO: Curvinha complicada de 180° e raio médio feita em média velocidade à esquerda. O piloto freia suavemente e esterça o volante com vontade. Saindo deste trecho, ele iniciará o trecho que corresponde o miolo do traçado atual. O nome da curva surgiu a partir da história de um sargento responsável pelo policiamento de uma corrida. Este cidadão pegou sua viatura e, querendo fazer graça, foi dar algumas voltas em alta velocidade pela pista. Ao chegar nessa curva, rodou de maneira constrangedora. Insatisfeito, retornou à pista, completou a volta e se aproximou novamente da curva. E não é que ele rodou de novo?

CURVA DO LARANJA: Começa aqui aquela parte mista do circuito que todos nós conhecemos. É uma traiçoeira curva de raio médio feita à esquerda. O piloto não sabe se chega acelerando para frear com tudo no início do Esse ou se começa a reduzir precoce e lentamente para não prejudicar a freada. Como ela é cega, é preciso ter coragem, sorte e um carro que não subesterça. Erros são bastante comuns. O nome da curva foi dado em homenagem aos “laranjas”, os cabaços inexperientes que não conseguem completa-la sem errar.

ESSE: É uma curva feita à direita em baixa velocidade. Ligeiramente cega, também complica a vida de pilotos menos prudentes. Quem chega com tudo da Curva do Laranja normalmente tem problemas para tangenciar este trecho.

PINHEIRINHO: Após a redução do esse, o piloto entra nesta curva de 180° e raio médio feita à direita reacelerando suavemente. O traçado ideal neste trecho pede que o carro percorra uma linha o mais próxima possível da área de escape interna. O nome se refere a um pinheiro que ficava localizado na área de escape da curva e que sempre era atingindo por um ou outro mandrião. Na reforma de 1989, contrariando qualquer regra contemporânea do politicamente correto ecológico, ele foi impiedosamente destroçado.

BICO DE PATO: Imagino que este é o trecho mais lento de todo o traçado. É uma curva imperfeita de 180° e raio curto que mais se assemelha a um hairpin. Ponto cego, obriga o piloto a adivinhar ou decorar um ponto de freada. Dependendo de como o piloto reacelera desde o Pinheirinho, a freada no Bico de Pato pode acabar prejudicada. A curva tem esse nome por se parecer muito com o bico de um pato, ué.

MERGULHO: Talvez o meu trecho preferido deste autódromo. É uma curva de 90° e raio médio feita à esquerda em descida e em alta velocidade. O carro reacelera desde o Bico de Pato e segue com o acelerador acionado ao máximo no momento em que esta curva em descida se aproxima, um movimento que se assemelha ao de um mergulho. Um carro com subesterço terá enormes problemas para completá-la corretamente.

JUNÇÃO: É como se fosse o negativo do Mergulho. Curva cega feita em subida à esquerda e em baixa velocidade. Como é uma curva pequena, o piloto quer reacelerar o mais rápido possível. Dependendo do comportamento de tração do carro, tal ansiedade em reacelerar pode resultar em uma bela rodada, exatamente como aconteceu com Ayrton Senna em 1994.

SUBIDA DOS BOXES: É uma reta. Ou não. Na verdade, é uma reta curva, na mais chula acepção da palavra. O piloto segue acelerando e esterçando apenas discretamente o carro à esquerda. As arquibancadas e o muro de proteção estão logo ali do lado.

Apesar de realizado em uma quinta-feira, o I Grande Prêmio do Brasil foi um enorme sucesso. Atraindo 60 mil torcedores, um número impressionante para um esporte que sequer tinha televisionamento regular no Brasil, a corrida provou que, mesmo sem ter um piloto brasileiro vencendo e mesmo sem contar pontos para o campeonato, pode captar a atenção de multidões. Apesar dos irmãos Fittipaldi terem liderado a maior parte da corrida, a vitória ficou com um argentino de Santa Fe, Carlos Reutemann. No final daquele ano, Emerson ganharia seu primeiro título e a Fórmula 1 se tornaria, definitivamente, uma febre no Brasil.

1973: primeiro GP que valeu pontos no campeonato

Os fãs que ficaram tristes pela vitória não ter sido brasileira em 1972 puderam regozijar-se no ano seguinte, quando Emerson Fittipaldi obteve a primeira das suas três vitórias consecutivas no circuito paulistano. Foi a partir 1973, também, que o GP do Brasil passou a contar pontos para o calendário da Fórmula 1. Em 1975, outro brasileiro, José Carlos Pace, conseguiu vencer pela única vez na carreira em Interlagos. Nada mal.

O circuito de quase oito quilômetros de extensão era sensacional. Veloz e variado, acabou despertando a simpatia de muitos estrangeiros. As curvas, com nomes tão pitorescos quanto originais, tinham alma própria e muitas histórias. Mas havia também um lado negativo. Trintão, Interlagos já não era mais considerado aquele circuito vanguardista. Com o advento das transmissões televisivas, manter circuitos muito extensos e que demandam um grande número de câmeras se tornou inviável. Além do mais, o surgimento de pistas menores e mais modernas acabou aumentando a necessidade de atualizar todo o autódromo. Infelizmente, São Paulo não tinha dinheiro para isso. Como a corrida experimental em Jacarepaguá em 1978 foi bem sucedida, a FIA resolveu retirar Interlagos do calendário da categoria a partir de 1981.

O fato de não sediar mais a corrida brasileira de Fórmula 1 não afetou a existência de Interlagos, que continuou sediando, ainda no circuito de oito quilômetros, corridas de Fórmula 2, 3, Ford, Fiat, Super-Vê, Stock Car, Brasileiro de Marcas e outros campeonatos menos relevantes. Mas o sonho de ver os carros da categoria mais badalada dos monopostos percorrendo novamente trechos como a curva do Sargento e o Pinheirinho novamente.

Justiça seja feita. Correr no Rio de Janeiro é bacana, a cidade é muito mais animada e calorosa do que São Paulo e os pilotos adoram a praia e as mulheres locais, mas o autódromo de Jacarepaguá não conseguia fazer frente aos desafios de Interlagos. As corridas não eram tão boas, poucas curvas eram marcantes e a nostalgia de muitos se dá porque o período em que o circuito carioca pertenceu à Fórmula 1 coincidiu com os grandes momentos de Nelson Piquet e Ayrton Senna. Enfim, não gosto de Jacarepaguá. E pelo visto, nem os cariocas gostavam muito. Uma pesquisa na época revelou que 60% dos espectadores do GP do Brasil eram… paulistas!

Em 1989, uma série de problemas ameaçou a realização do GP do Brasil. O acidente de Philippe Streiff na pré-temporada evidenciou a insegurança do traçado em alguns pontos e a precariedade da equipe de atendimento. Era o primeiro acidente realmente sério ocorrido no autódromo carioca e o pessoal da Fórmula 1 não gostou nada do que viu. Além disso, o contrato de Jacarepaguá com a categoria estava acabando e o novo governador, Marcello Alencar, não estava nem um pouco interessado em renová-lo. Surge aí, então, uma figura rechonchuda e de ar professoral: Luiza Erundina, a então prefeita petista de São Paulo. Eu não gosto do PT, mas reconheço: devemos muito à vovó por ainda termos Fórmula 1 por aqui.

No segundo semestre de 1989, Erundina e alguns secretários, como Marilena Chauí e Paul Singer, deram um pulo em Interlagos para ver o que fazer com aquele colosso cheio de mato. Chauí, pessoa de visão curtíssima que acredita que o automobilismo é apenas um esporte burguês e estúpido, sugeriu a demolição do autódromo e a construção de casas populares no lugar. Erundina, inteligentemente, negou, dizendo que o pessoal das corridas precisava de um lugar para suas atividades. Como a má situação contratual do GP do Brasil no Rio de Janeiro era de conhecimento público, a prefeita tomou uma decisão drástica: faria todas as reformas necessárias em Interlagos e traria o Grande Prêmio do Brasil de volta à São Paulo.

1980: último GP nesse traçado

Luiza Erundina mandou o administrador de Interlagos, Chico Rosa, dar um pulo à Europa para conversar com Bernie Ecclestone, o chefão da Fórmula 1. A conversa foi rápida e Bernie se mostrou feliz com a disposição de levar a categoria de volta à capital paulista e aliviado por se livrar do Rio de Janeiro. Sem mais delongas, foi assim que Interlagos conquistou um lugar no calendário da Fórmula 1 em 1990. Mas havia um preço, que, diga-se de passagem, era bem alto, a ser pago. O traçado teria de ser remodelado.

Chico Rosa, em entrevista ao site Grande Prêmio, disse que dispunha de um outro projeto de traçado, que teria 4,8 quilômetros de extensão e seria mais veloz. Bernie Ecclestone vetou. Como de costume, por um motivo comercial: o anel externo, uma das variantes do autódromo, seria mantido e poderia muito bem ser utilizado por aqueles rednecks caipiras da Indy. Os dois travaram uma boa briga e, no fim, Ayrton Senna foi chamado para intervir. Começa aí a participação do tricampeão na história.

A sugestão de Senna para inviabilizar o uso do trecho do anel externo foi a criação de um “esse” em descida que desembocaria na Curva do Sol. Agradava muito ao piloto a criação deste trecho, que representaria um ótimo ponto de ultrapassagem, no que definitivamente não estava errado. Contrariado, Chico Rosa aceitou a sugestão. As demais mudanças foram executadas pelo administrador. E o projeto final do traçado acabou sendo aquilo que conhecemos hoje: um traçado de 4,3 quilômetros de extensão com alguns trechos de alta velocidade e vários de média. Um bom traçado, sem dúvidas, mas simplesmente indigno de ser comparado ao antigo.

E foi assim. Em parceria com a CBA de Piero Gancia e a petrolífera Shell, a prefeitura começou a empreender as mudanças. As coisas foram feitas rapidamente e, em março de 1990, estava tudo pronto para o primeiro Grande Prêmio do Brasil em São Paulo desde 1980. A corrida foi vencida por Alain Prost, e muitos celebraram o retorno da Fórmula 1 a Interlagos. Mas o fato é que o traçado antigo era apenas um fantasma nostálgico que rondava as mentes dos fãs de automobilismo.

E Interlagos se mantém com o mesmo traçado desde então. As mudanças feitas são relacionadas com a qualidade do asfalto, que era muito ruim até 2006, e com outras medidas de segurança e de infraestrutura, como a implantação do tal asfalto poroso que substituiu as caixas de brita em 2002 e o aperfeiçoamento do sistema de drenagem de água na Curva do Café.

Eu gosto muito do circuito atual de Interlagos. Mas o que eu falei para Spa-Francorchamps vale também para o circuito paulistano: o atual é um autorama de moleque perto do original.

Amanhã, a terceira e última parte.

Interlagos sendo reformado

Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos. Isso aí, macacada. O Calendário do Verde desembarca em nossa pátria amada e idolatrada que foi cantada por Ary Barroso há muitas décadas. É desnecessário descrever o país para os leitores, que já conhecem a realidade do país de Dilma Rousseff, Sílvio Santos, Ronaldo e Geisy Arruda, de Pelé e Senna, do carnaval, do futebol e do Tropa de Elite há muito. E a pista escolhida para compor o calendário é exatamente aquela que James Hunt considerava um absurdo por estar localizada justamente na zona meridional de sua maior cidade, sabendo que ele poderia estar em qualquer ponto de um território de 8,5 milhões de km². Sim, pequenos gafanhotos! Estou me referindo ao Autódromo José Carlos Pace, ou simplesmente Autódromo de Interlagos, localizado na cidade de São Paulo.

Honestamente, eu tenho até dificuldades para começar. Em língua portuguesa, é impossível encontrar documentação tão boa de qualquer outro circuito como encontramos sobre Interlagos. Afinal de contas, não dá para falar em automobilismo no Brasil, e quiçá no mundo, sem contar boas histórias sobre o autódromo inaugurado em 1940. Como é fácil encontrar farta informação sobre a história da pista e como tenho medo de cometer erros crassos, até colocaria uns links para vocês se esbaldarem. Mas não sou o Google para ficar apontando para outros sites. Faço o possível.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, São Paulo era uma cidade que crescia a passos largos no cenário nacional. Turbinada pela então fortíssima agricultura cafeeira, os paulistanos, que eram cerca de 240 mil em 1900, se aproveitavam do boom econômico para montar uma cidade moderna, dinâmica e condizente com a realidade das metrópoles europeias e americanas. Durante esse período, empreiteiros brasileiros e estrangeiros, principalmente ingleses, ergueram várias obras que acabaram por se tornar cartões de visita da cidade. Neste interregno, surgiram a Avenida Paulista, o prédio da Estação da Luz, o Viaduto do Chá, a Praça da Sé, o Parque do Anhangabaú e a represa de Guarapiranga.

Um dos mais proeminentes empreiteiros ingleses era um engenheiro chamado Louis Romero Sanson, dono da AESA, Auto Estradas S.A. Em 1926, Sanson iniciou o projeto de construir o Balneário Satélite da Capital, uma espécie de bairro recreativo de luxo localizado entre a já operante represa de Guarapiranga, criada em 1907 pela Light com o intuito de fomento de água para geração de eletricidade, e a futura represa Billings, que seria concluída na década seguinte. A ideia de construir o balneário entre dois lagos surgiu da cabeça de um urbanista francês que trabalhava no projeto, Alfred Agache. Segundo ele, a região sul de São Paulo se parecia muito com Interlaken, cidadezinha turística da Suíça localizada entre os lagos Brienz e Thur. E o tal balneário foi renomeado para Interlagos.

O sonho de Sanson previa a criação de um polo urbano voltado para as classes abastadas paulistanas. Sendo assim, haveria a implantação de grandes vias de acesso como a Avenida Washington Luís, um grande hotel, um ginásio esportivo, uma praia artificial localizada em Guarapiranga, vários pequenos centros esportivos e um autódromo. O projeto corria muito bem até a devastadora crise de 1929, que suprimiu qualquer ânimo financeiro para um projeto desses. A revolução constitucionalista de 1932 e a decadência geral nas exportações de café acabaram por interromper a construção do complexo.

Apesar de todo esse período de turbulência econômica e política no país, o sonho não havia morrido de vez, especialmente a questão relacionada à construção do autódromo. Em 1936, São Paulo recebeu pela primeira vez uma corrida automobilística de caráter internacional. O improvisado circuito de rua de 4,250 km se localizava no nobre Jardim América. Esta corrida vinha sendo um sucesso de organização e competitividade, mas o pavoroso acidente da francesa Hellé Nice (que também merece um post aqui), que matou 30 pessoas e feriu gravemente a própria pilota, acabou jogando um manto negro sobre a imagem do automobilismo na cidade. Os paulistanos concluíram que, se quisessem competir com a competição carioca da Gávea, precisavam de um autódromo permanente.

Largada de uma corrida em 1951

E nosso engenheiro Louis Sanson volta à cena. O Automóvel Clube do Brasil o convida para liderar a construção do tal autódromo. Para arejar as idéias, Sanson visitou alguns autódromos consagrados dos países mais ricos, como Indianápolis, Brooklands (Inglaterra) e Monthony (França) e consultou vários técnicos e engenheiros europeus e americanos sobre o que poderia ser feito para desenvolver a melhor pista possível. De volta ao Brasil, Sanson iniciou as obras em 1938. O dinheiro da AESA, do ACB e dos demais órgãos envolvidos era escasso e o cronograma não era cumprido em dia.

No dia 12 de maio de 1940, o Autódromo de Interlagos era finalmente inaugurado. Apesar de estar incompleto – não havia banheiros, arquibancadas, lanchonetes, torre de transmissão e estacionamento, o circuito de 7,960 quilômetros de extensão era bonito e muito desafiador. Naquele dia, seriam realizados o 3º Grande Prêmio Cidade de São Paulo, vencido por Artur Nascimento Júnior, e uma corrida de motocicletas.

Não demorou muito e o circuito se consagrou como um dos melhores de seu período. No dia 30 de março de 1947, ele recebeu sua primeira corrida de caráter internacional, a Circuito Internacional de Interlagos, na qual competia carros Grand Prix, os antecessores imediatos da Fórmula 1. Ao mesmo tempo, o bairro de Interlagos crescia em volta do circuito e a especulação imobiliária começava a atacar com força.

O Autódromo de Interlagos foi administrado pela AESA até 1954, quando ele foi repassado por um valor simbólico ao comitê de celebração do IV Centenário da Cidade de São Paulo. As corridas com carros de turismo, carros esporte, carreteiras e motocicletas eram inúmeras e muito disputadas. O prestígio da pista só aumentava, apesar do automobilismo ter passado por fases difíceis nos anos 60.

No final de 1967, o autódromo foi fechado para reformas. Reaberto em março de 1970 após atrasos graves no cronograma, ele recebeu uma corrida do Torneio BUA de Fórmula Ford, competição que reunia pilotos brasileiros e estrangeiros de renome, como Emerson Fittipaldi, Wilsinho Fittipaldi, Luis Pereira Bueno, Ricardo Achcar, Chiquinho Lameirão, Pedro Victor de Lamare, Vern Schuppan, Ian Ashley, Valentino Musetti e Tom Walkinshaw (sim, o dono da Arrows). Sucesso de público e de crítica, a corrida fez Interlagos perceber que poderia pleitear coisa maior. Fechou as portas para reformas novamente em 1971 para, no ano seguinte, voltar ao calendário internacional. Dessa vez, realizando uma corrida de Fórmula 1.

E começa, a partir daqui, a história do Grande Prêmio do Brasil. Mas chega por hoje. Amanhã, a segunda parte da história de Interlagos, e a descrição do traçado.

Camilo Christófaro (nº18) na reta dos boxes

Olha lá! Suíços! Vamos pegar os relógios deles!

RED BULL10 – Circuito variado, cheio de curvas de velocidades diferentes… é a cara da Red Bull, um lugar desses. E a equipe dos touros não podia ter deixado de aproveitar essa vantagem. Apesar de ter perdido a pole-position em um lance absolutamente fortuito, seus dois pilotos pularam para as duas primeiras posições logo na primeira volta e não saíram mais de lá. Dobradinha sensacional que garantiu à equipe o campeonato de construtores.

FERRARI7,5 – Não tinha carro para sequer sonhar com uma luta com os carros da Red Bull. Mal no treino oficial, a equipe ainda conseguiu um lugarzinho no pódio devido a Fernando Alonso, que sempre consegue se superar. Felipe Massa nunca andou bem, mas também foi prejudicado pelo erro constrangedor do mecânico que troca o pneu dianteiro direito.

MCLAREN8 – Com o quarto lugar de Hamilton e o quinto de Button, saiu de Interlagos até mais satisfeita do que a Ferrari. O carro também não era bom o suficiente para brigar com os da Red Bull, mas a equipe conseguiu se manter sempre à frente com Lewis e ainda viu Button ganhando um monte de posições com a boa estratégia.

MERCEDES8 – Teve um fim de semana muito positivo, com os dois pilotos andando bem e marcando bons pontos. Schumacher andou à frente de Rosberg durante boa parte do fim de semana, mas decidiu dar sua posição para Nico no final da corrida. Este, por sua vez, fez uma boa corrida de recuperação e deu uma boa reviravolta em sua sorte.

WILLIAMS7 – Um sábado de sonhos se transformou em um apenas mediano domingo. A pole de Nico Hülkenberg foi a primeira desde 2005, e Rubens Barrichello também brilhou ao fazer um ótimo sexto lugar no grid. Mas o carro não era bom o suficiente para peitar as equipes grandes e os dois pilotos ficaram para trás. Barrichello ainda foi bastante prejudicado em sua parada nos boxes. Ainda assim, o oitavo lugar do alemão fez a equipe subir para a sexta posição no campeonato de construtores.

RENAULT6 – Não tinha lá grandes motivos para sair de Interlagos feliz. Os dois pilotos andaram bem no treino oficial, mas a corrida foi bastante ruim. Robert Kubica perdeu um bom tempo atrás de carros mais lentos e Vitaly Petrov só fez besteira. Há quem diga que foi a penúltima corrida da equipe francesa na categoria.

SAUBER5 – Como já virou figurinha carimbada nos pontos, sair do Brasil com apenas um não era o que os suíços esperavam. Kamui Kobayashi, como era esperado, foi o responsável pelo feito, obtido após algumas boas ultrapassagens no final da prova. Nick Heidfeld não fez nada.

TORO ROSSO3 – Equipe sem perspectivas, praticamente inútil. Mais uma vez, os dois pilotos ficaram naquela de passar pelo Q1 e sobrar pelo Q2 e não conseguiram pontuar, mesmo não ficando tão distantes do top 10.

FORCE INDIA4 – A equipe indiana já não rende mais nada no treino oficial, e Adrian Sutil foi o único das equipes estabelecidas a sobrar no Q1. Mas a corrida de recuperação dos dois pilotos foi boa, apesar de Sutil não ter pontuado e de Vitantonio Liuzzi ter sofrido um forte acidente no S do Senna. Se tivesse ido melhor no treino oficial, teria marcado pontos.

LOTUS4,5 – Os dois pilotos da equipe verde perderam para Timo Glock no treino oficial, mas se recuperaram na corrida. Jarno Trulli largou à frente de Heikki Kovalainen, mas acabou terminando atrás devido ao recorrente problema hidráulico. Chamou a atenção na mídia por ter anunciado a parceria com a Renault para 2011 e pela possível contratação de Bruno Senna.

VIRGIN3,5 – Não há muito o que dizer. Timo Glock largou à frente dos dois carros da Lotus, mas terminou atrás. E Lucas di Grassi vinha se arrastando pela pista até a suspensão arriar.

HISPANIA3 – Os dois carros chegaram até o final, o que demonstra a boa confiabilidade dos carros ítalo-espanhóis. Mas Christian Klien quase não largou, devido a um problema na pressão do combustível que atingiu seu carro faltando apenas minutos para a largada. Seria uma pena se ele não participasse, já que sua performance foi superior à de Bruno Senna.

TRANSMISSÃORED BULL, VIRGIN… – É evidente que, em dia de Grande Prêmio do Brasil, a Globo trata a corrida como o evento mais importante das galáxias. Horas e horas dedicadas a reportagens idiotas e manjadas que atraem apenas aquele torcedor domingueiro, que só se interessa na vitória do piloto brasileiro, como visto com Neymar. No mais, o trio global (que chegou a ser quarteto no treino oficial, com a participação especial de Emerson Fittipaldi) falou as sandices de sempre. Mas há uma novidade: o uso ostensivo dos nomes “Red Bull”, “Virgin” e “Toro Rosso”. Não sei se é um movimento insurgente dos donos da palavra nas transmissões ou se a Globo deu sinal verde aos nomes corretos. Mas não deixou de ser curioso. E positivo. Chegava a ser constrangedor a maneira com a qual Galvão buscava evitar o nome Virgin: “equipe de Lucas di Grassi” e “VRT”. E destaco também o péssimo posicionamento das câmeras, que conseguiu perder os acidentes de Vitaly Petrov na sexta-feira e de Vitantonio Liuzzi no domingo.

CORRIDA MORNA COMO CERVEJA FORA DA GELADEIRA – A empolgação da torcida brasileira é sempre grande. A patota se reúne na laje, munida de alguns engradados de cerveja, carne de segunda qualidade, carvão, gelo e uma TV CRT de 14 polegadas para ver um corridão inesquecível. Pois eu espero que o churrasco e a Itaipava tenham compensado, já que a prova foi apenas mediana, para não dizer medíocre. Os dois pilotos da Red Bull não perderam muito tempo e assumiram as duas primeiras posições na primeira volta. O pole-position Nico Hülkenberg não conseguiu conter o turbilhão de carros de ponta que vinha com tudo atrás. As brigas foram numerosas no meio do pelotão, mas não salvaram a chatice média da corrida. Apenas um abandono, o acidente de Vitantonio Liuzzi. E quem queria ver o que aconteceu com o piloto italiano não conseguiu, já que a câmera não conseguiu captar o momento corretamente. Foi a corrida brasileira mais chata desde 2005, creio eu.

Hands up, Jenson!

 

SEBASTIAN VETTEL10 – Perder a pole para Hülkenberg não passou de mera casualidade. Tão logo a corrida começou e o ainda jovem alemão da Red Bull tomava a liderança para não perdê-la mais. Andou rápido durante todo o tempo e ainda conseguiu se livrar do tráfego com muito mais facilidade do que Webber. Vitória inquestionável e renascimento na briga pelo título.

MARK WEBBER9 – Em uma corrida absolutamente dominada por seu companheiro de equipe, fez de tudo e mais um pouco para impedir o trunfo do oponente. Largou imediatamente atrás de Vettel e nunca o deixou escapar. O que o complicou mais foram as dificuldades que os retardatários lhe impuseram. Ainda assim, o segundo lugar está de ótimo tamanho e a vice-liderança está mantida.

FERNANDO ALONSO8,5 – O dia era da Red Bull e o restante brigaria apenas pelo último lugar do pódio. No fim, deu Alonso, que andou o máximo possível e chegou até a sonhar com uma aproximação sobre Webber. O tempo perdido atrás de Hülkenberg no início da corrida fez falta, mas parecia claro que o terceiro lugar era o limite para ele. Chega à última corrida com apenas oito pontos de vantagem sobre Webber.

LEWIS HAMILTON8 – Não tinha um carro com boa aderência durante a corrida e sofreu durante um tempo atrás de Hülkenberg. Após a parada do alemão da Williams, assumiu a quarta posição e, sem contar o momento da parada de boxes, ficou por lá ficou até o fim. Está praticamente fora da briga pelo título.

JENSON BUTTON8 – Teve um sábado de cão, com um parco 11º lugar no grid e uma tentativa de assalto sofrida à noite. O domingo, por outro lado, foi bastante positivo. Ao fazer sua parada de boxes antes de todo mundo, o inglês conseguiu ganhar várias posições e subiu para um ótimo quinto lugar.

NICO ROSBERG8 – Outro que foi mal no treino oficial mas que conseguiu se recuperar na corrida. Fez uma boa largada e tentou adiantar sua primeira parada o máximo possível, o que lhe deu várias posições. No final da corrida, fez outra parada. Poderia até ter ido melhor, mas perdeu muito tempo com os retardatários.

MICHAEL SCHUMACHER7,5 – Em boa fase, bateu Rosberg com folga no treino oficial e andou bem na corrida. Chamou a atenção no início ao se envolver em disputa renhida com Kubica nas primeiras voltas, o que lhe proporcionou uma bela escapada e a perda de algumas posições. Depois, se comportou e se manteve sempre entre os primeiros. No final, em atitude raríssima na sua carreira, cedeu sua posição para o companheiro e terminou em sétimo. Nada mal.

NICO HÜLKENBERG9,5 – A pole-position em Interlagos, primeira da Williams desde 2005, foi histórica e mostrou que o alemão, além de muito rápido, é um tremendo de um oportunista sortudo. Infelizmente, seu carro não era páreo para os das equipes maiores na corrida. Perdeu várias posições ainda no começo e acabou terminando em oitavo. Ainda assim, foi o melhor do resto e ficou à frente de vários que tinham um carro melhor. Será que fica desempregado mesmo?

ROBERT KUBICA5 – Foi bem nos treinos, como é o costume, mas, dessa vez, teve uma corrida aquém do esperado. Largou bem, mas foi um dos primeiros a parar e deu o azar de ficar preso atrás do implacável tráfego. Ficou a maior parte do tempo atrás de Hülkenberg. Saiu de Interlagos insatisfeitíssimo. Também não é pra tanto, Robert.

KAMUI KOBAYASHI6 – Um ano após sua auspiciosa estreia na Fórmula 1, o japonês não teve lá seu melhor fim de semana. Na primeira parte da corrida, teve problemas com os pneus e perdeu várias posições. Só recuperou terreno quando colocou pneus macios na volta 49. Começou a fazer as ultrapassagens de sempre e pegou um pontinho.

JAIME ALGUERSUARI5 – É o piloto oficial da trave, do 11º lugar. Ficou novamente à margem dos pontos. E o mais chato é que ele não andou mal. Superou Buemi no treino oficial e teve um ritmo de corrida bastante honesto, apesar de ter se envolvido em um toque com Barrichello. Perdeu o ponto no fim da corrida para Kobayashi, seu algoz.

ADRIAN SUTIL5,5 – Foi muito mal no treino oficial e ainda perdeu mais algumas posições no grid como punição pelo acidente com Kobayashi na Coréia. Em compensação, fez uma excelente corrida de recuperação e chegou a andar em oitavo. No fim, travou boas batalhas com os pilotos da Toro Rosso. Se tivesse largado um pouco mais à frente, teria pontuado.

SEBASTIEN BUEMI3,5 – Perdeu novamente para Alguersuari no treino oficial e ainda perdeu mais algumas posições por punição. Na corrida, teve lá seus bons momentos, mas também se envolveu em vários toques, notadamente com Massa e com Petrov. Não está em bom momento e ainda corre o risco de ficar a pé, já que há quem diga que está em pé de guerra com a cúpula de sua equipe.

RUBENS BARRICHELLO3 – Como de costume, teve um monte de problemas e infelicidades em Interlagos. Largou em um ótimo sexto lugar e manteve-se bem nas primeiras voltas, mas começou a ter seu bom momento destruído quando a equipe se complicou em sua parada de boxes. Despencou para o fim do pelotão e ainda teve um outro contratempo, quando se envolveu em um toque com Alguersuari que furou seu pneu e o obrigou a fazer uma outra parada.

FELIPE MASSA2 – Nem seu excelente retrospecto Interlagos o ajudou. Foi mal nos treinos e tudo o que podia ter acontecido de ruim na corrida aconteceu. Em seu primeiro pit-stop, a Ferrari não encaixou uma roda direito e ele teve de retornar na volta seguinte para recolocá-la corretamente. Após ter se dado mal, ainda se envolveu em um toque razoavelmente violento com Buemi no final da corrida. Ao menos, levou o carro até o fim. Está esperando muito pelo fim da temporada.

VITALY PETROV1 – E o russo se supera. No treino livre de sexta, bateu violentamente pela bilionésima vez nessa temporada. No treino oficial, foi surpreendentemente bem e conseguiu passar para o Q3. Mas é óbvio que algo tinha de dar errado. E deu logo na largada, especialidade sua. Vitaly perdeu absolutamente todas as posições possíveis até a Curva do Sol e ficou militando pelo fim do grid até o final da corrida. Ainda conseguiu atrapalhar seu companheiro Kubica lá pelo final. Só não leva zero por ter andado bem no treino oficial.

NICK HEIDFELD2,5 – Corrida muito ruim. Perdeu feio para Kobayashi no treino oficial e até ameaçou se recuperar com uma boa largada. Mas perdeu muito tempo atrás de Sutil e não conseguiu ganhar mais posições. Ainda tomou um drive through no final da prova por ter atrapalhado Rosberg escandalosamente. Não é com uma corrida como essa que se arranja uma vaga para 2011.

HEIKKI KOVALAINEN5,5 – Não foi bem no treino oficial, mas conseguiu se recuperar na corrida, manteve-se como o ponteiro entre os pilotos das equipes novatas e terminou em um 18º lugar que, embora aparente ser péssimo, deixou satisfeito o finlandês de Suomussalmi.

JARNO TRULLI5 – Superou Kovalainen no treino oficial, mas acabou perdendo uma posição para ele no decorrer da corrida. A justificativa? A mesma de sempre, o velho e não tão bom problema hidráulico. Ao menos, deixou Glock para trás.

TIMO GLOCK5 – Poderia até ter terminado na frente das Lotus, já que havia sido o melhor piloto das equipes novatas no treino oficial, mas acabou sendo prejudicado pela largada indecente de Petrov e acabou perdendo posição para Kovalainen. Depois, Trulli também o deixou para trás. Ainda assim, considerando o carro que dirige, não foi nada de tão ruim.

BRUNO SENNA3,5 – Até ele saiu feliz de Interlagos. Seu carro continuava a mesma coisa miserável de sempre, mas sua pilotagem foi bastante razoável e ele conseguiu levar o carro até o fim, afinal. Poderia até ter recebido nota maior, mas tomar sete décimos de Klien no treino oficial pegou muito mal.

CHRISTIAN KLIEN5,5 – Com pouca quilometragem no carro, superou com folga Senna mais uma vez em um treino oficial. Sua corrida quase que não existiu, devido a um problema com a pressão de combustível. Porém, os obstinados e humildes mecânicos da Hispania trabalharam com fervor e conseguiram consertar o carro a tempo. Largou dos pits e fez o que pôde para não perder muito tempo. Diria até que fez mais do que deveria.

LUCAS DI GRASSI3 – Seu desempenho foi aquele de sempre, insuficiente para brigar até mesmo com as Lotus. No final da corrida, ainda teve um problema de suspensão que o obrigou a ficar parado nos pits por um bom tempo. Foi considerado como classificado na tabela final.

VITANTONIO LIUZZI4,5 – Quem viu, pensou que foi mais uma corrida medíocre. Mas a verdade é que Tonio conseguiu superar Sutil no treino oficial e vinha fazendo uma boa corrida, chegando a estar entre os dez primeiros em alguns momentos, mas um problema desconhecido o fez bater forte pelo segundo ano seguido em Interlagos. Seu abandono foi o único da corrida.

Olha o GP do Brasil aí, geeeeente! Pois é, e a Fórmula 1 desembarca, pela 39ª vez, em Terra Brasilis para realizar a penúltima etapa da temporada 2010 no digníssimo Autódromo José Carlos Pace. Todos ficam muito felizes. Os brasileiros tem a grande chance de ver de perto (ou não tão de perto assim) os carros, os pilotos e as grid-girls. Os estrangeiros ficam extasiados por poderem consumir caipirinha, churrasco e prostitutas a granel, não nesta ordem. Boa parte dos pilotos gosta do traçado. A prefeitura paulistana fica contentíssima pelo fato da corrida ser o evento que traz mais dinheiro e dividendos institucionais à cidade, superando até mesmo a Parada Gay (?). A Globo, então, fica em polvorosa. A corrida torna-se assunto primordial nos jornais e no programa da Ana Maria Braga.

A felicidade é tamanha que todos se esquecem de que Interlagos é um dos circuitos mais precários do calendário, que sua localização é ainda pior e que o Brasil é um país de terceiro-mundo repleto de problemas. Ao menos nós, tupiniquins, estamos acostumados com dengue, corrupção, bandidagem, asfalto esburacado e burocracia. E os gringos? A verdade é que a Fórmula 1 no Brasil é uma vitrine de como as coisas são por aqui: nós arrumamos a casa apenas para os estrangeiros. Ainda assim, varrendo a sujeira para debaixo do tapete. Mas não dá tão certo, já que eles conseguem perceber. O Top Cinq de hoje se dedica a contar algumas histórias a respeito.

Deixo bem claro: não quero tomar partido de Interlagos ou Jacarepaguá. Tanto São Paulo quanto o Rio de Janeiro são duas grandes metástases urbanas, problemáticas, sujas e violentas. É tudo farinha do mesmo saco de má qualidade.

5- A FAMA

Coulthard: "O Brasil é uma merda"

Começo com uma declaração de James Hunt sobre Interlagos: “O Brasil é do tamanho da Europa. Então, por que escolhem realizar uma corrida de Fórmula 1 justamente em uma pista socada na maior cidade do país?”. A declaração do sempre ácido Hunt faz todo o sentido. A maioria das pistas de concepção antiga de corrida é localizada em rincões muito distantes da civilização. Afinal, o barulho dos carros não incomoda tanto e a logística é bastante facilitada.

Hunt era um dos críticos da pista. Vários outros pilotos, dirigentes e jornalistas estrangeiros já reclamaram de Interlagos, de Jacarepaguá, de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Brasil. Lembro-me de ter lido críticas de Mika Salo, Ron Dennis, The Scrutineer (o colunista da F1 Racing), Ralf Schumacher e de mais um punhado de gente sobre Interlagos e também sobre os problemas de São Paulo. É óbvio que os ufanistas irracionais pedem a cabeça dessa gente. Afinal de contas, ingleses, alemães e finlandeses não entendem nada de urbanidade. Quem entende somos nós.

Mas as críticas mais contundentes saíram das bocas de dois pilotos britânicos em 2007. David Coulthard, vice-campeão em 2001, disse simplesmente que o Brasil é uma merda. Anthony Davidson, ex-Super Aguri, foi além e falou sobre absolutamente tudo. “O autódromo do Brasil é terrível. O traçado não é bom, cheio de ondulações. O asfalto é uma porcaria. Os banheiros são uma porcaria, o paddock também é uma porcaria. E quando você deixa o autódromo, sente medo de perder sua vida. Tenho medo daquele lugar”, sentenciou. Só faltou reclamar dos impostos. E se reclamasse, não estaria errado.

Justiça seja feita. Muitos adoram Interlagos. Assim como muitos adoravam Jacarepaguá. E assim como muitos adoram São Paulo, Rio de Janeiro ou o Brasil. Tudo isso, de fato, tem lá suas muitas qualidades. Mas os defeitos também saltam aos olhos. E devem ser corrigidos. Não é porque Silverstone ou Istambul têm lá seus problemas que nós podemos usá-los como desculpa.

4- OS PROBLEMAS DE INTERLAGOS…

Não vou dar uma de Anthony Davidson e criticar coisas comezinhas, como o fato de não haver papel higiênico nos banheiros do paddock. Interlagos é um autódromo muito legal, mas que tem muitas coisas a resolver. Muitas mesmo.

Um dos problemas históricos do circuito é a qualidade do asfalto, terrível e cheio de ondulações. Lembro-me de ter lido certa vez uma declaração do jornalista e piloto Sérgio Quintanilha sobre isso. “As ondulações podem ser percebidas no meu Corsa de competição, imagine então em um carro de Fórmula 1”, relatou. Não por acaso, vários pilotos reclamavam de dores de cabeça, enjoos e tonturas após a corrida. O pior é que a prefeitura tinha o terrível costume de recapear o traçado com asfalto de má qualidade, piorando a situação. Caso notável foi o recapeamento de 1995, empreendido pelo então prefeito Paulo Maluf. Os pilotos, em uníssono, disseram que o novo asfalto era basicamente muito pior que o anterior, que já não era aquelas coisas. O problema só foi amenizado em 2007, na gestão de Gilberto Kassab.

Se o asfalto fosse o único problema, estávamos bem. Infelizmente, não é. Defasados, os apertados boxes não estão conseguindo comportar direito as 12 equipes da atual temporada. O sistema de escoamento e drenagem de água não é dos melhores. Em 2003, a corrida teve seu andamento prejudicado devido à formação de enormes poças na Curva do Sol. Fora do autódromo, a presença de cambistas incomoda um bocado. E olha que estes são os problemas que costumam atingir apenas a Fórmula 1. A situação piora muito nas categorias nacionais. O mato toma conta das áreas de escape e algumas das arquibancadas desaparecem após a corrida de Fórmula 1. Nunca entendi o porquê do uso ostensivo de arquibancadas móveis, de instalação cara e de qualidade menor que as fixas.

3- … E DE JACAREPAGUÁ

Eu até me arrisco a dizer que Jacarepaguá (mesmo o atual) supera Interlagos em vários pontos. A localização é boa. O Autódromo Nelson Piquet está localizado a alguns quilômetros da Barra da Tijuca, rodeado por belos morros e apartamentos da nova classe média. Até onde eu sei, não há grandes problemas de tráfego. Os problemas não estão, definitivamente, na questão logística ou geográfica. É lá dentro que o bicho pega, especialmente nos tempos de Fórmula 1.

O problema maior de Jacarepaguá na Fórmula 1 é que as coisas não eram levadas a sério. A sala de imprensa é um ótimo exemplo. Quente, apertada e desorganizada, fazia com que jornalistas se acotovelassem em busca de um pequeno espaço. Aliás, não havia apenas jornalistas: alguns penetras sempre conseguiam credenciais para entrar e encher o saco. Geralmente, estas credenciais eram dadas a amigos de pessoas que trabalhavam na organização das corridas. O escambo delas, aliás, representava um dos grandes problemas da corrida e levou a uma situação extrema em 1986. Falo dela depois. Voltando à abafada sala de imprensa, enquanto os penetras entravam, alguns jornalistas, notadamente os de rádio, acabavam ficando de fora.

A torcida em Jacarepaguá protagonizava um espetáculo à parte. A alegria da torcida, geralmente vinda de outros estados, era um ponto positivíssimo da corrida carioca. Uns jogavam sacos de urina e garrafinhas de água nos outros como se fossem crianças no primário. Mas e quando há a morte de uma criança de verdade, como ocorreu na edição de 1989? E quando alguns torcedores invadiam a pista na bandeirada? No mesmo ano de 1989, um maluco atravessou na pista quase que no momento em que Nigel Mansell cruzava a linha de chegada com sua Ferrari. Imagine se o Leão acertasse o cara em plena bandeirada.  

Muitos diziam que a pista de Jacarepaguá era segura. De fato, os acidentes graves não eram frequentes, já que as áreas de escape eram consideráveis.  Mas havia trechos bem perigosos, como a curva do Cheirinho. Foi lá que Philippe Streiff destroçou seu AGS na pré-temporada de 1989. Seu carro deu uma cambalhota e caiu de cabeça para baixo, com o santantônio arrebentado. O precário atendimento dos despreparados fiscais permitiu até que Philippe tentasse se levantar do carro, o que agravou ainda mais sua lesão na coluna. A demora no atendimento e os problemas que obrigaram o helicóptero a desistir do primeiro hospital e seguir para um segundo teriam enterrado de vez qualquer chance de recuperar os movimentos, que ainda existiam nos primeiros instantes após o acidente.

2- CACHORROS, PLACAS E POLICIAIS

Às vezes, temos a impressão de que algumas coisas só acontecem no Brasil. Conto algumas histórias sobre eventos bastante curiosos que causaram riso em alguns, constrangimento em outros e indignação para os mais revoltados. É óbvio que algumas delas também já ocorreram em outros países, mas o Brasil é o Brasil e acaba sempre despertando atenção maior.

Animais invadindo a pista são absolutamente comuns nas pistas ao redor do mundo. Já tivemos marmotas passeando por Montreal, sapos invadindo Enna-Pergusa e cervos saltitando alegremente em direção à morte em Österreichring e em Elkhart Lake. No Brasil, país que, segundo Nelson Rodrigues, sofria de síndrome de vira-lata, eram os cachorros que davam o ar da graça. Em 1996, um pobre vira-lata invadiu a pista durante os treinos. O canino deu a maior sorte do mundo: adotado por Michael Schumacher, ganhou o nome de Flöh (pulga, em alemão) e foi levado para a Europa. Se bobear, almoça melhor do que eu e você. Em 2000, outro cachorro invadiu os treinos. Os fiscais de pista não conseguiam capturar o animal, o que gerou risos em muitos.

Naquele mesmo ano, 2000, nada menos do que três placas de publicidade caíram no meio da pista durante o treino oficial. Três! Em cada uma das ocasiões, a bandeira vermelha foi acionada. A última placa, localizada no fim da reta dos boxes, quase atingiu o Prost de Jean Alesi, como pôde ser visto no vídeo acima. Na época, até mesmo o sempre ufanista e otimista Galvão Bueno ficou revoltado com a precariedade da instalação das tais placas.

Mas nada supera o absurdo ocorrido nos treinos de sexta-feira da corrida de 1986, ainda em Jacarepaguá. Alguns policiais militares invadiram o paddock e impediram a realização do treino por cerca de 45 minutos. A confusão foi grande e um fiscal de pista chegou a ser agredido. A alegação oficial dos policiais era a retirada de algumas pessoas que não podiam circular por lá, mas os rumores apontavam uma espécie de chantagem dos policiais, que exigiam credenciais para que as coisas seguissem normalmente. Como sanção pela bagunça, a FISA aplicou uma multa de 50 mil dólares à organização. Vale lembrar que eram conhecidas por todos as picuinhas entre a polícia militar carioca, a organização da corrida, a FOCA e a Riotur.

1- CRIMES

Innes Ireland x 5 maloqueiros

Falemos agora de algo mais sério. Os estrangeiros morrem de medo de vir para cá por causa das notícias pouco auspiciosas a respeito dos corriqueiros crimes violentos que costumam ocorrer nas grandes cidades brasileiras. Desacostumados com aquela paranoia que caracteriza a classe média dessas cidades, eles não sabem como se portar no Brasil. E acabam sendo presa fácil para os meliantes.

É verdade que há muito exagero por trás disso. Em 2001, funcionários da Jaguar e da Minardi deram falta de alguns objetos da equipe. Respectivamente, laptops e rodas. A comunidade internacional saiu dizendo que algum marginalzinho brasileiro conseguiu invadir o paddock e levou as bugigangas para revendê-las e arranjar algum para comprar um prato de comida ou crack. No fim das contas, descobriram que os laptops haviam sido esquecidos na Malásia e as rodas estavam muito bem escondidas no motorhome da equipe italiana. Esta é a fama que nós criamos e que nos rende até mesmo acusações injustas.

Mas não pensem que o primeiro lugar fica no campo das fantasias de europeus assustados. Em 1986, dois ingleses relacionados à Fórmula 1 foram assaltados no Rio de Janeiro. O piloto Jonathan Palmer, da Zakspeed, andava pela praia à noite quando foi atingido pelas costas por uma garrafa quebrada, obra de um assaltante. Ferido na perna, ele foi a um hospital público e detestou o atendimento que lhe deram. Como o piloto era formado em Medicina, ele mesmo acabou costurando o corte, que cicatrizou e não lhe impediu de correr no domingo.

Dias depois, o ex-piloto e jornalista Innes Ireland caminhava pela praia à noite com sua namorada quando foi abordado por nada menos que cinco trombadinhas. Os moleques tentaram roubar seu relógio Ferrari, mas não pensem que Ireland, ex-oficial do Exército Britânico, deixou barato. Aos 56 anos e em excelente forma, ele simplesmente dominou os cinco e conseguiu reaver o relógio. Até mesmo a namorada ajudou: arrancou o salto alto do pé e deu uma pancada na cabeça de um dos bandidos, que caiu desmaiado.

Vocês podem até dar risada pelo fato dos dois ingleses branquelos terem feito papel de otário ao se arriscarem na praia à noite. Mas será que os otários não somos nós, que nos trancamos  em casa sem reagir enquanto a bandidagem domina os espaços públicos?