No último sábado, o monegasco Stefano Coletti fraturou duas vértebras após se envolver em um violentíssimo acidente durante a primeira etapa da GP2 Series em Spa-Francorchamps. Sob intensa chuva, Coletti atropelou o carro do russo Mikhail Aleshin na descida da Rivage para a Pouhon, mesmo ponto onde Michael Schumacher acertou David Coulthard na corrida de Fórmula 1 de 1998. Só que, ao contrário de Schumacher, Stefano levantou vôo com seu Dallara azul e branco e aterrissou violentamente no solo. Por isso, as vértebras estouradas.

Há um detalhe mórbido aí: não é a primeira vez que Coletti se machuca em um acidente em Spa-Francorchamps com um carro da GP2. Em 2009, ele disputava seu segundo fim de semana na categoria com um bólido azul claro, amarelo e branco da Durango. Faltando duas voltas para o fim da primeira corrida, Stefano disputava a oitava posição com Kamui Kobayashi quando seu carro passou reto na Eau Rouge por motivos desconhecidos. O resultado você já imagina: uma pancada daquelas. Após ser levado de ambulância ao centro médico, os médicos só encontraram um piloto cheio de dores pelo corpo. Passaram um Gelol e o mandaram para casa para descansar um pouco.

Dá para ver que Stefano Coletti tem um relacionamento dos mais litigiosos com Spa-Francorchamps. Na história do automobilismo, podemos nos lembrar de vários casos de pilotos que insistiam em bater razoavelmente forte em um determinado circuito. Seria um magnetismo natural entre o sujeito e o guard-rail do circuito? Ou seria apenas um pretexto pra ele visitar alguma enfermeira e traçá-la? Não importando a razão, o fato é que conto cinco casos bem interessantes aí embaixo.

5- PATRICK TAMBAY E MÔNACO

Nos anos derradeiros de sua carreira na Fórmula 1, o francês Patrick Tambay havia se tornado um ímã de acidentes perigosos. Depois de ter passado por um monte de equipes e de ter sonhado com o título mundial de 1983, Tambay correu entre 1984 e 1986 pensando apenas em se afastar um pouco de sua costumeira má sorte, marcar uns pontinhos e voltar para casa inteiro. Pois ele teve dificuldades para fazer os três, especialmente em Montecarlo, circuito no qual ele sofreu acidentes em três anos consecutivos.

O primeiro deles ocorreu logo na largada do Grande Prêmio de Mônaco de 1984. Debaixo de chuva assassina, todos os pilotos largaram normalmente e Tambay, que pilotava para a Renault, conseguiu pular muito bem, ganhando a posição de Michele Alboreto antes mesmo da primeira curva. O problema aconteceu quando seu companheiro Derek Warwick, que estava à sua frente, se tocou com René Arnoux na Saint Devote, se descontrolou e bateu no guard-rail.

Sem espaço, o francês acabou atingindo a traseira do colega e também ficou parado por lá. Enquanto a Renault se chateava com o abandono de seus dois carros logo na primeira volta, Patrick Tambay era carregado para fora do carro com muitas dores na perna. Depois de ser levado ao médico, foi constatada a fratura no perônio da perna esquerda, o que o obrigou a perder o GP seguinte, no Canadá.

Em 1985, para sua enorme infelicidade, Tambay foi novamente envolvido em uma meleca na largada. O Arrows de Gerhard Berger conseguiu a proeza de ter o motor estourado logo na hora da partida e quem veio atrás ficou sem visibilidade alguma. Com isso, nosso herói da Renault acabou acertando a traseira de Stefan Johansson ainda antes da Saint Devote. Com a suspensão quebrada, ele teve de abandonar a prova. De qualquer jeito, é melhor quebrar a suspensão do que o perônio.

Mas a saga de acidentes ainda não acabou. Na verdade, ela foi encerrada em alto estilo em 1986. Já na Lola, Tambay quase ficou de fora da largada pelo fato de seu carro ter tido um problema elétrico. Ele conseguiu assumir o carro reserva e até vinha fazendo uma boa corrida. Mas tudo acabou na volta 67, quando o francês tentou ganhar a sétima posição de Martin Brundle na estreita curva Mirabeau. Péssima idéia. Brundle não abriu espaço, Tambay acertou sua traseira, decolou, deu uma pirueta no ar, bateu de traseira no alambrado e caiu de cabeça para cima. Uma pintura de acidente. Patrick saiu do carro ileso, mas sentou-se no guard-rail e ficou olhando para o que havia restado de seu Lola. Depois, ainda afirmou “dei muita sorte”. Após três acidentes consecutivos na mesma pista, não há como discordar.

4- RUBENS BARRICHELLO E SUZUKA

Se você acha que bater três vezes na mesma pista é demais, espere para ver o caso de Rubens Barrichello em Suzuka. O paulista já sofreu quatro acidentes na pista japonesa, sendo três deles em três anos consecutivos. Não dá para dizer que Barrichello é ruim em um circuito onde até conseguiu vencer em 2003. Nos seus três primeiros anos de Fórmula 1, no entanto, correr na veloz pista em formato de oito significava dar de cara com o muro ou a barreira de pneus em algum momento.

Na edição de 1993, Barrichello iniciou o sábado roendo as unhas com o ótimo desempenho de Eddie Irvine, o estreante que o havia superado nos treinos de sexta-feira. No segundo treino oficial, Rubinho entrou na pista bem cedo tentando melhorar sua posição, mas não começou bem. Ao passar pela curva 4, seu Jordan passou por um monte de terra e se descontrolou, rodopiando em direção à barreira de pneus. O carro não ficou tão destruído, mas a moral do brasileiro, sim. Ele acabou largando atrás de Eddie Irvine.

No ano seguinte, Rubinho caprichou ainda mais e destruiu seu Jordan 194 na curva 12 durante o treino de classificação do sábado. Debaixo de muita chuva, ele perdeu o controle do carro na veloz curva e bateu de traseira nos pneus. Pelo estrago, podemos dizer que ele deu muita sorte em ter saído inteiro.

Para completar a trinca, Barrichello voltou a se acidentar no Japão em 1995. Dessa vez, o problema aconteceu na corrida. Seu Jordan 195 estava acertado para pista seca, mas o asfalto ainda estava um pouco úmido. Na volta 16, ele se aproximava do companheiro Eddie Irvine visando tomar dele a sexta posição. Na chicane anterior à reta dos boxes, Rubens até esboçou uma tentativa de ultrapassagem, mas o carro pisou na grama, rodou e bateu de traseira no muro após a chicane. O carro nem ficou tão destruído, mas dava para ver que Irvine ainda lhe causava alguns problemas.

Depois disso, Barrichello ficou nove anos sem ter grandes problemas em Suzuka. Somente em 2004 que ele voltou a bater. Correndo na Ferrari, ele disputava uma estúpida décima posição com David Coulthard quando, ao se aproximar da chicane, acertou a traseira do escocês e destruiu a suspensão de seu F2004. Fim de corrida para o brasileiro. E fim da longa saga de acidentes dele. Por enquanto.

3- MIKA HÄKKINEN E ADELAIDE

Ao contrário de Barrichello e Tambay, Mika Häkkinen só teve dois acidentes em seu circuito cativo, Adelaide. O problema maior era a violência dos acidentes. Em seu início de carreira, Häkkinen era conhecido pela sua enorme velocidade e pelo amor ao guard-rail. Uma pista como Adelaide não perdoa gente assim. Na verdade, o finlandês até se safou ileso de uma levantada de vôo que ele deu durante a corrida de 1993. Mas a Austrália ainda lhe cobraria a conta.

Em 1994, Häkkinen vinha fazendo uma ótima corrida por lá, ocupando a quarta posição a poucas voltas do fim. Infelizmente, o freio de seu McLaren não funcionou a contento no fim da Brabham Straight e quando o piloto pisou no pedal para reduzir a velocidade, o carro rodopiou artisticamente e bateu de traseira no muro interno. Depois, ainda seguiu se arrastando por alguns bons metros até parar com a traseira destruída. Mika saiu ileso, mas irritado. Mal sabia ele que as coisas seriam ligeiramente piores no ano seguinte.

Adelaide, manhã do dia 12 de novembro de 1995. Treze minutos após o início da sessão, Häkkinen vinha em volta rápida com seu McLaren-Mercedes quando o pneu traseiro esquerdo estourou justamente na curva mais veloz do circuito, a Brewery. O carro rodopiou, catapultou por cima da zebra, completou um giro e, muito desafortunadamente, bateu de frente em uma ridícula barreira de pneus. A cabeça de Häkkinen ricocheteou violentamente e parou inerte.

Häkkinen estava em estado de choque, algo entre a consciência e a inconsciência. Seus olhos estavam totalmente abertos, mas as pupilas estavam dilatadas – um claro sinal de lesão cerebral. O sangue escorria abundantemente da boca, devido aos dentes quebrados e a língua cortada, e do nariz. Além disso, a dificuldade para respirar era enorme. Assim que o doutor Sid Watkins chegou ao local, foi iniciado um procedimento de traqueostomia para abrir uma via respiratória para o piloto. Graças a isso, Mika foi salvo e se recuperou por completo.

O problema de Häkkinen seria exclusivamente com Adelaide ou com a Austrália? Faço essa pergunta porque, em 2001, ele sofreu um violento acidente no Grande Prêmio disputado em Melbourne, que havia substituído Adelaide em 1996. Diz a lenda que esta batida foi decisiva para o finlandês anunciar sua aposentadoria. Ele não queria mais saber de ter de voltar à Austrália.

2- AYRTON SENNA E HERMANOS RODRIGUEZ

Até mesmo os grandes campeões sofrem em determinados circuitos. Ayrton Senna tinha problemas com duas pistas em especial. Em Hockenheim, Senna sofreu acidentes violentos em 1984 (quando seu Toleman perdeu a asa traseira em um trecho a mais de 300km/h) e em 1991 (quando ele capotou várias vezes seu McLaren e chegou a perder a consciência por instantes). Mas a pista complicada mais para ele, de verdade, era Hermanos Rodriguez. Foi lá que Senna sofreu três dos piores acidentes de sua vida.

O menos conhecido por todos é o de 1987. Durante o treino de classificação de sábado do Grande Prêmio do México, Senna perdeu o controle de seu Lotus-Honda na perigosíssima Peraltada e bateu com tudo na barreira de pneus a quase 300km/h. No choque, Senna chegou a bater a cabeça no volante e teve de ficar no centro médico do autódromo por duas horas, mas acabou sendo liberado para correr. Não adiantou nada, pois ele abandonou enquanto estava andando em terceiro.

Quatro anos depois, Senna voltou a ter problemas com a curva Peraltada. Ele já não estava em suas melhores condições físicas naquele fim de semana de junho de 1991, pois havia sofrido um acidente de jet-ski no domingo anterior e estava com uma costura de dez pontos na testa. Logo no primeiro treino oficial da sexta-feira, Senna vinha com problemas no câmbio e não podia fazer muitas trocas de marcha. Na Peraltada, ele vinha usando a sexta marcha quando deveria estar usando a quinta. É evidente que isso resultou em merda.

Em uma das voltas, o McLaren-Honda bateu mais forte em uma das muitas ondulações do curvão e se descontrolou. Como estava em sexta marcha, Senna não conseguiu controlá-lo e acabou rodopiando em direção à barreira de pneus. Com o choque, o carro ricocheteou para o alto e caiu de cabeça para baixo. Senna saiu do carro com a ajuda dos comissários e deu um pulo no centro médico. Fez exames neurológicos e nada foi diagnosticado, embora o corte do acidente de jet-ski tenha sido reaberto com a batida. No fim, conseguiu participar da corrida, mas não conseguiu nada além de um terceiro lugar.

Cansado de bater na Peraltada, Senna decidiu inovar com um acidente ainda mais violento em uma outra parte do circuito. Em 1992, Senna vinha se debatendo com um McLaren lento e difícil de guiar. No treino oficial de sexta-feira da corrida mexicana, ele arriscava o máximo possível para tentar ao menos se aproximar da Williams. Em sua quarta volta rápida, ele mergulhou com tudo nos esses quando o carro pisou em uma ondulação e rodou. Não havia uma área de escape grande nessa parte da pista. Nem barreira de pneus. Senna bateu de frente em um muro frio e bem duro.

O carro só teve o bico destruído. No entanto, Senna batia as mãos no capacete insistentemente. Ele não estava suportando as dores no pescoço e na perna esquerda, que havia sido atingida por uma haste de suspensão. Os médicos chegaram rapidamente. O brasileiro não conseguia sair do carro. Havia suspeita de fratura na perna, o que deixou todo mundo assustado. Ayrton foi colocado na maca e levado ao hospital. Por lá, foram feitos alguns exames e, felizmente, não havia nada de errado. Senna voltou para casa dolorido e conseguiu participar da corrida, mas não conseguiu terminá-la.

1- JACQUES VILLENEUVE E SPA-FRANCORCHAMPS

Eita, Driver Williams. Mesmo que Rubens Barrichello, Patrick Tambay e Ayrton Senna tenham batido várias vezes no mesmo lugar, não dá para não entregar o primeiro lugar ao cara que conseguiu a proeza de bater forte três vezes no mesmo circuito em apenas dois anos e duas vezes seguidas em uma das curvas mais perigosas de toda a Fórmula 1, e ainda sair de tudo isso totalmente ileso. Quantas vidas Jacques Villeneuve tem?

Não sei, mas dá para dizer que ele perdeu três em 1998 e 1999. Em 1998, Villeneuve pilotava um Williams-Mecachrome avermelhado e não estava em um grande momento da carreira, não tendo vencido nenhuma corrida naquele ano. Em Spa-Francorchamps, o canadense tentaria obter seu terceiro pódio consecutivo, algo próximo de uma façanha com seu limitado bólido. Só que as coisas não começaram bem.

Logo no primeiro treino livre de sexta-feira, Villeneuve vinha tentando de todo o jeito completar a Eau Rouge de pé cravado. Não demorou muito para isso daí dar errado. Em uma das voltas, ele chegou muito perto de conseguir seu objetivo, completando a Eau Rouge a uma velocidade 8km/h mais alta do que na volta anterior. Sem sustentação aerodinâmica, o carro começou a escorregar de traseira e embicou em direção à tragédia. Jacques bateu violentamente com a parte de trás do carro nos pneus da Radillon. Atrás do cockpit, quase tudo ficou destruído, mas o piloto não sofreu nada além de alguns arranhões no joelho. Pelas imagens acima, dá para ver que não tem o menor direito de reclamar de falta de sorte.

E no ano seguinte? Villeneuve havia mergulhado de cabeça na BAR, um projeto seu desenvolvido em conjunto com Craig Pollock e a British American Tobacco que não vinha dando muito certo na temporada. O BAR 001 era tão ruim que o canadense não havia terminado uma única corrida sequer até o Grande Prêmio da Bélgica. Que começou pessimamente mal.

Na sexta-feira, a suspensão dianteira direita do carro estourou em plena reta Kemmel e Villeneuve acabou batendo de frente no guard-rail da Les Combes a mais de 300km/h, mas saiu ileso. Mal sabia ele, no entanto, que este nem foi o seu pior acidente naquele fim de semana.

No dia seguinte, durante o treino classificatório, Jacques ainda insistia naquela idéia estúpida de completar a Eau Rouge com o pé cravado no acelerador. O problema é que o BAR é ainda mais desequilibrado que seu Williams. Aos 31 minutos de sessão, ele passava pela temida curva quando seu carro escorregou de traseira. O que se seguiu foi um violento acidente na mesma Radillon do ano anterior que fez o bólido capotar e parar de cabeça para cima totalmente destruído. Villeneuve saiu do carro ileso novamente, mas não conseguiu treinar mais.

A BAR ficou desesperada, ainda mais após o acidente de Ricardo Zonta minutos depois. Sem nenhum carro inteiro, a equipe teve de mandar trazer às pressas da Inglaterra dois carros que estavam prontos para um teste naquela semana na Itália. Villeneuve e Zonta largaram, mas não conseguiram fazer nada de mais.

A não ser sobreviver.

Michael Schumacher há vinte anos

Era dez da manhã em Spa-Francorchamps, algo em torno de cinco da manhã aqui no Brasil. O tempo estava bonito lá na região das Ardenhas, com o céu tão azulado como um carro da Leyton House e sem as ameaçadoras nuvens que costumam encharcar a floresta local. Lá nos boxes, os primeiros motores ecoavam seus inúmeros decibéis. Trinta pilotos entrariam naquela belíssima pista pela primeira vez naquele ano. Retificando: vinte e seis destes trinta pilotos entrariam na pista pela primeira vez. Quatro deles (Brundle, Blundell, Grouillard e Caffi) haviam sobrevivido ao purgatório da pré-classificação duas horas antes.

No meio destes trinta pilotos, havia de tudo. Campeões como Ayrton Senna, Alain Prost e Nelson Piquet, veteranos da turma da frente como Nigel Mansell, Gerhard Berger e Riccardo Patrese, eternos sofredores do meio do pelotão como Olivier Grouillard, Martin Brundle e Pierluigi Martini, promessas como Jean Alesi, Mika Häkkinen e Gianni Morbidelli e jovens desiludidos como Stefano Modena, Alex Caffi e Nicola Larini. No meio desta patota, muito boa, por sinal, havia um aí que se destacava bastante. Era um garoto queixudo, estranho e magrelo de apenas 22 anos. Nunca tinha disputado uma corrida de Fórmula 1 antes. Seu nome era quase impronunciável: Michael Schumacher.

Schumacher substituía Bertrand Gachot na Jordan pelos motivos que retratei neste antigo post. Quem acompanhava o automobilismo com afinco até já tinha ouvido falar no cara, que havia vencido o Grande Prêmio de Macau da Fórmula 3 no ano anterior e que fazia bonito com um Mercedes C291. Quem só acompanhava a Fórmula 1 achava que este era apenas mais um piloto pagante, um Pedro Chaves que comia chucrute.

No primeiro dia daquele fim de semana de Spa, 23 de agosto de 1991, Schumacher pilotou em Spa-Francorchamps pela primeira vez na vida, contrariando a informação que seu empresário Willi Weber havia dado a Eddie Jordan sobre antigos trunfos do jovem notável na pista belga. O aprendizado foi rápido. Na Eau Rouge, Michael chegava a reduzir marchas e a dar leves toques no freio em suas primeiras voltas. Não demorou muito e ele já estava voando com tudo na temerária curva em subida. Na Blanchimont, destemido, ele vinha com o pé totalmente cravado no acelerador. Pequeno detalhe: seu companheiro, o experiente Andrea de Cesaris, não estava conseguindo fazer o mesmo.

Michael Schumacher em 2011

Logo de cara, Schumacher fez 1m55s322, o que lhe deu o 11º tempo. De Cesaris, no mesmo Jordan-Ford verde e azul, foi seis décimos mais rápido. Algumas horas depois, foi realizado o primeiro treino oficial. Mais à vontade com o Jordan 191, Schumi não precisou de mais do que um único jogo de pneus para fazer 1m53s290, o oitavo melhor tempo. Para surpresa de todos, De Cesaris ficou quase um segundo atrás. E olha que o tempo do piloto alemão poderia ter sido ainda melhor, mas uma de suas voltas rápidas foi interrompida por uma bandeira vermelha causada por um violento acidente de Eric van de Poele.

Este foi o primeiro dia de Michael Schumacher como piloto de Fórmula 1. Hoje, faz exatos vinte anos que tudo isso aconteceu. O alemão continua queixudo, estranho e relativamente magro, mas ganhou sete títulos mundiais e construiu um patrimônio que, dizem, ultrapassa a casa do bilhão de dólares. A personalidade também segue a mesma, a de um cara tímido, introvertido, simpático, dedicado, sério e razoavelmente humilde. Engana-se feio quem pensa que ele se acha o rei da cocada preta.

Eu tenho implicância com datas. Às vezes, me vejo pensando coisas do tipo “o que eu estava fazendo na tarde de 14 de fevereiro de 1996?” e viajo. Além disso, gosto de tomar uma data como referência e pensar em seu contexto. Por exemplo, o que aconteceu no dia 1 de maio de 1994 além da morte de Ayrton Senna? Fazendo pesquisa rápida, descubro que, na África do Sul, o ex-presidiário político Nelson Mandela havia se elegido presidente do país.

No Brasil, o ministro Rubens Ricupero havia anunciado que os preços dos derivados do petróleo, como a gasolina, seriam convertidos para URV, a unidade indexadora vigente no momento, em quinze dias. Para quem não sabe, a URV foi um mecanismo criado pelo Plano Real que ajudou a acabar com a hiperinflação que assolou o país durante quase duas décadas. Em São Paulo, foi anunciada a construção de um hotel e um estacionamento para quase quatro mil carros no Aeroporto de Congonhas. No futebol, o Palmeiras ganhou de virada do São Paulo por 3 a 2 e se aproximou do título do Campeonato Paulista. Por fim, Pelé curtia sua segunda lua-de-mel após juntar os trapos com uma psicóloga. Tudo isso aí não significou nada perante a tragédia de Imola.

No dia em que Schumacher fez seu primeiro treino oficial na Fórmula 1, este homem acabou com os últimos resquícios do comunismo na Rússia

Pois bem, o que acontecia lá no primeiro dia de Schumacher na Fórmula 1?

23 de agosto de 1991. Eu tinha dois anos, mas faltavam apenas treze dias para completar três. Era um moleque risonho e bobo, com olhos muito mais puxados do que agora. Tinha uma irmã que havia nascido em janeiro. Meu pai usava mullets e minha mãe usava aquele cabelo encaracolado e farto, licenças estéticas da época. Morávamos todos em uma pequena edícula erguida no quintal da casa da tia do meu pai, localizada na Vila Teixeira, periferia de Campinas. Era realmente pequena: sala, quarto, banheiro, cozinha e só. Na garagem, um Gol amarronzado. Confio apenas na minha memória.

Na sala, uma televisão da Philips com doze botões, do dois ao treze. Na época, dava para o gasto. Não existiam estas frescuras de HDMI, Blu-Ray, TV digital, TV por assinatura e HD externo. Nem controle remoto. No máximo, ajuste de cor, contraste e brilho, e seja feliz. E eu era. Vendo Pica Pau, Pernalonga e Fórmula 1.

Meus pais assistiam às corridas como qualquer outro brasileiro na época: apenas para ver o Senna vencer. No domingo de manhã, me largavam na sala e eu ficava lá, hipnotizado com aqueles carrinhos coloridos na tela. Dentro de uma caixa de papelão. Caixa de papelão dos leites Elegê. Disso eu me lembro bem. Toda vez que vejo Elegê no supermercado, me lembro da caixa de papelão, meu bunker infantil.

Fórmula 1 é algo confuso demais até mesmo para adultos, quanto mais para uma criança. Eu gostava do Senna. Gostava do capacete amarelo, da musiquinha que tocava no final, da felicidade que ele trazia para todos. Gostava de acidentes. Adorava, aliás. Meu negócio era pegar meus carrinhos e tacá-los sem dó na parede branca da sala. Nem Philippe Alliot faria melhor.

Em 23 de agosto de 1991, eu morava aí perto

Em 1991, já estávamos pensando em sair daquela casa. Meu pai havia arranjado uma casa um pouco maior para alugar no Jardim São Fernando, um bairro muito seguro, bonito e próspero para traficantes. Nunca gostei dessa nova casa. Na verdade, sinto uma ponta de saudade daquela casinha da Vila Teixeira. Da porta de ferro que dava para um barranco. Da linha de trem que ficava a algumas centenas de metros. Da agência do Nossa Caixa, Nosso Banco, com aquele logotipo com dois quadrados coloridos. Da Favarelli. Passei em frente à Favarelli, que vende peças, nesse fim de semana. As letras de metal e o logotipo da Bosch deram lugar a uma horrenda placa dessas impressas. Odeio placas impressas.

E o resto do mundo? O mundo, para uma criança como eu, se restringia a uma caixa de papelão, alguns carrinhos, leite com Toddy e diversão pura e inocente. Lá fora, o mundo acompanhava com apreensão o fim da União Soviética. No dia da estréia do Schumacher, o presidente russo Boris Ielstin anunciou a ilegalidade do Partido Comunista e de todos os jornais comunistas do país, como o Pravda. Em Minas Gerais, uma operação conjunta das polícias Civil e Militar prendeu 520 crianças e adolescentes de rua. E, coitadinho, a revista Fortune anunciou que a fortuna do magnata Antônio Ermírio de Moraes havia caído de 2,3 para apenas 1,7 bilhão de dólares. Ô, dó. Enfim, nada de novo neste mundo de loucos.

Para a Fórmula 1, sim. Aquele treino de sexta-feira marcou o início de uma nova fase na Fórmula 1. Fase que provou que até mesmo os títulos de Juan Manuel Fangio, as vitórias de Alain Prost e as poles de Ayrton Senna eram superáveis. Que irritou muita gente por valorizar demais as estratégias e os pit-stops. Que deixou muitos nostálgicos e saudosos aborrecidos. Que criou uma nova leva de fãs, que não puderam acompanhar uma Fórmula 1 menos perfeccionista e bitolada.  Que nos presenteou com belíssimas demonstrações de genialidade de um indivíduo que era largamente superior a qualquer outro na condução de carros.

A Fórmula 1 precisou se adequar a Michael Schumacher neste interregno. Após seu efêmero período de vigorosos sucessos, a Benetton acabou perdendo Michael e seus amigos Ross Brawn e Rory Byrne para a Ferrari. Imediatamente, a equipe das roupas se transformou em uma cansada participante que não ganhava mais nada, enquanto que os vermelhos voltaram aos seus dias de glória. Alguns anos depois, cansada de tantos sucessos do alemão, a FIA decidiu mudar algumas regras para literalmente acabar com seu domínio. Desde então, a entidade se mostra incapaz de manter o mesmo regulamento por duas temporadas. Quem vê a Fórmula 1 em 1991 não reconhece quase nada na de 2011. Os carros ainda disputam entre si e ganha quem cruzar a linha de chegada em primeiro. Daqui a pouco, nem isso.

Vinte anos. Tudo mudou. Mas o Schumacher ainda está lá. Com a mesma cabeça de piloto vencedor.

 

“Tenho 22 anos e estou aqui, ao volante de um Fórmula 1” – Michael Schumacher, falando sobre o que se passava na sua cabeça quando fez seu primeiro teste na Fórmula 1.

 

Achei que teria mais gente acertando o desafio da semana passada. Na verdade, os indefectíveis Rianov, Felipe Portela, Speeder76 e Fábio Ickx foram os que chegaram mais perto, apontando corretamente Michael Schumacher em um teste com o Jordan 191 em uma versão mais curta do circuito de Silverstone. O mineiro soviético só deu uma escorregadela quando disse que era a versão National, de 2,638km: na verdade, este é o traçado South, um pouco maior. Enfim, um detalhe besta. A estrelinha fica com o Portela, que respondeu a data como o dia 20 de agosto de 1991.

Essas fotos são daquelas que qualquer fã doente de Michael Schumacher deveria ter guardadas em seu HD. Elas dizem respeito às primeiras voltas do alemão, atual piloto da Mercedes, em um carro de Fórmula 1. Começava ali, naquela manhã ensolarada do verão inglês, uma das carreiras mais bem-sucedidas da história do esporte.

A vida de Schumacher na Fórmula 1 começou lá nos 430 Quilômetros de Nürburgring de 1991. Michael era piloto da Sauber Mercedes e dirigia um belíssimo C291 prateado em dupla com o austríaco Karl Wendlinger. Nessa prova, os dois jovens lideraram as primeiras voltas, mas abandonaram com o motor fundido. Nos treinos livres, o heptacampeão deu um totó no Jaguar XJR-14 de Derek Warwick. Furioso, o inglês foi até o motorhome da Mercedes e armou um enorme barraco com Schumacher, que se mantinha calmo e lívido. Warwick estava emocionalmente destroçado, pois havia perdido seu irmão Paul em um acidente na Fórmula 3000 Inglesa semanas antes. Apenas para constar, o veterano inglês venceu a corrida. E chorou muito dentro do carro.

Voltemos, pois, ao assunto principal. Após a corrida, um jornalista se aproximou de Willy Weber, empresário de Michael Schumacher, e comentou sobre o belga Bertrand Gachot, que havia sido preso naquele mesmo dia. Espertão, Weber ligou imediatamente para Eddie Jordan, empregador de Gachot na Fórmula 1 e foi sucinto: “É o seguinte: a gente sabe que seu piloto foi preso e que você tem um carro disponível para o GP da Bélgica. Dê ao meu piloto uma oportunidade!”. Eddie, assustado com a cara-de-pau do sujeito, replicou: “Você é doente da cabeça? Quem diabos você quer colocar no meu carro?”. “Schumacher”, respondeu o empresário.  “Quem é Schumacher?”. “Aquele que ganhou em Macau”.

Eddie Jordan, que sempre se interessou pelos novos talentos, já tinha ouvido falar do cidadão, vencedor do prestigioso Grande Prêmio de Macau da Fórmula 3 em 1990. Na verdade, ele já havia batido uns papos com Weber tempos antes, até mesmo para negociar uma possível participação de Schumacher em sua equipe de Fórmula 3000. Depois de inúmeras trocas de telefonemas e faxes (que, segundo Weber, teriam lhe custado nada menos que 816 dólares), os dois lados entraram em acordo. E a Jordan decidiu dar um teste a Schumacher. Weber, por meio da Mercedes e de alguns patrocinadores menores, pagou exatos 126.400 dólares à equipe por esse dia de testes.

A sessão foi realizada na ensolarada manhã do dia 20 de agosto de 1991, terça-feira anterior ao fim de semana da corrida belga. O palco, como não poderia deixar de ser, seria o circuito de Silverstone em sua versão South, que utilizava apenas a metade do layout mais conhecido. Schumacher entrou no belíssimo 191 esverdeado e mandou ver. Acompanhavam o teste Ian Philips, diretor comercial da Jordan, e Trevor Foster, diretor técnico. Os dois prestavam atenção na curva Abbey, uma veloz chicane feita à esquerda na qual se analisa o trabalho do piloto com freios e acelerador. E logo nas primeiras voltas, Schumacher cometeu a loucura de completá-la com o pé cravado no acelerador.

O atrevimento foi tamanho que Philips e Foster começaram a discutir sobre o que fazer com o garoto. Acabaram chamando-lhe aos pits e pediram-lhe para que não se atrevesse a andar tão rápido naquele trecho novamente, já que aquele carro seria utilizado em Spa-Francorchamps. Schumacher não lhes deu muita atenção e continuou acelerando o máximo. Em cerca de trinta voltas completadas, Philips e Foster interromperam o teste três vezes para lhe dar umas broncas. Estavam incomodados, mas maravilhados com o que viram. Esse garoto é dos bons.

Apesar disso, o telefone andava tocando muito lá no QG da Jordan Grand Prix. Pilotos experientes, como Derek Warwick, Bernd Schneider e até mesmo o ex-campeão Keke Rosberg, estavam doidos para pilotar aquele carro na pista mais legal do campeonato. Eddie Jordan ficou muito tentado sobre a possibilidade de contar com Rosberg em seu carro, mas preferiu dar uma chance ao tal do queixudo. Nesse caso, valeu também uma lorota contada por Weber sobre as bem-sucedidas experiências de Michael Schumacher em Spa-Francorchamps. Na verdade, ele nunca tinha pisado naquele circuito antes…

A parte técnica estava resolvida e Schumacher embarcou para Spa-Francorchamps na quinta-feira. O que pegava era a parte jurídica. A Jordan queria assinar um contrato que vigorasse pelo restante da temporada de 1991 e também pelos três anos seguintes. Mas Willy Weber sabia de algumas coisas a mais. Tom Walkinshaw, diretor da Benetton na Fórmula 1 e da Jaguar no Mundial de Protótipos, era amigo de longa data do empresário alemão. Antes do GP da Bélgica, Walkinshaw contou a Weber que, por falta de dinheiro, a Jordan não continuaria utilizando os motores Ford, os quais eram intermediados pelo próprio Walkinshaw, e que a equipe inglesa recorreria aos Yamaha V12, pesadíssimos e pouco confiáveis. O pessoal já sabia que a Jordan não faria nada em 1992.

Weber e Jochen Neerpasch, diretor esportivo da Mercedes e conselheiro de Schumacher, decidiram agir na malandragem. Pegaram o contrato de Schumacher com a Jordan e exigiram uma mudança sutil, mas fundamental: a troca do trecho “o contrato” por “um contrato”. O artigo indefinido faria com que aquele papel pudesse ser invalidado com mais facilidade. Além disso, orientaram Schumacher para que ele postergasse ao máximo a assinatura. O jovem alemão, meio perdido na história, assim o fez, mas Eddie Jordan ficou irritado e chegou a convocar Stefan Johansson para correr em Spa. No fim, Weber, Neerpasch e Schumacher entraram em acordo com a Jordan, transformaram o tal contrato em uma mera carta de intenções, assinaram-na e deixaram para discutir um contrato mais sólido após a etapa de Spa-Francorchamps. A Mercedes e os patrocinadores pessoais de Schumacher pagaram 237.000 dólares. Em um primeiro momento, pelas corridas restantes de 1991.

Schumacher fez a corrida de Spa e também um dia de testes com a Jordan no circuito normal de Silverstone na quinta-feira após a prova belga. Mas Weber e Neerpasch passaram uma rasteira na Jordan ao negociar com a Benetton. Os dois conseguiram anular a carta de intenções e se livraram de Eddie Jordan, levando Schumacher para a equipe de Flavio Briatore. A Jordan ficou puta da vida, a Benetton conseguiu trazer aquele que seria bicampeão com seu uniforme e a Fórmula 1 presenciava o surgimento de uma lenda.

PS: Como eu sei de todos esses detalhes? Inventei tudo, é claro.

PS2: Não falei do Kubica ainda. Mas já tenho três posts encaminhados sobre isso.

 

Em junho do ano passado, o ex-piloto finlandês Jyrki Juhani Järvilehto, ou simplesmente JJ Lehto, se envolveu em um violentíssimo acidente de barco no canal Jomalvik, localizado no sul da Finlândia, que culminou na morte de um amigo seu. A justiça local iniciou uma série de investigações que pudessem concluir se Lehto, que se safou com algumas escoriações, deveria ser considerado culpado.

Ao contrário do que acontece no Brasil, o processo durou apenas alguns meses. Ao contrário do que acontece no Brasil, o cara rico e famoso acabou se dando mal. JJ foi indiciado por homicídio culposo, uma vez que os peritos conseguiram provar que era ele quem pilotava o barco a 80km/h, velocidade 16 vezes superior àquela permitida no estreito canal! Não sinto a menor pena. Acelerar um barco em um arroio é uma tremenda de uma burrice. Darwin quase fez seu trabalho.

Se tudo correr dentro dos trâmites, Lehto passará um tempinho em uma penitenciária finlandesa. O irônico é que este ponto baixíssimo de sua vida se passa quase vinte anos depois do seu auge como piloto. Refiro-me ao seu melhor momento na Fórmula 1, o milagroso pódio no encharcado Grande Prêmio de San Marino de 1991.

Naquele ano, JJ Lehto era o segundo piloto da modesta Scuderia Italia, equipe italiana comandada pelo industrial Beppe Lucchini que utilizava carros produzidos pela Dallara. Na pista, os carrinhos avermelhados até se assemelhavam um pouco aos da cugina ricca Ferrari, mas só com relação à aparência. Em 1990, a Scuderia Italia terminou o ano sem pontos e era necessário reverter esse panorama para 1991.

Um dos problemas da equipe era o motor Cosworth, que quebrou muito em 1990. Lucchini foi atrás da Ferrari, mas os rampantes preferiram fornecer motores à Minardi. A Lamborghini também foi procurada, mas esta já estava comprometida com sua própria equipe e com a Ligier. Restou usar um Judd V10, que tinha como trunfo maior ser barato. Ninguém estava muito confiante, mas o propulsor surpreendeu a todos. Apesar de pesado, era razoavelmente potente e poderia fazer seu trabalho direitinho. Os pneus ainda eram os Pirelli, muito bons em determinadas circunstâncias.

O chassi, totalmente novo, foi desenvolvido novamente pela Dallara com apoio do inglês Nigel Cowperthwaite. Apesar de estar longe de ser o mais bonito da temporada de 1991, era razoavelmente eficiente e fácil de pilotar. A Scuderia Italia teria de disputar, naquele primeiro semestre de 1991, a tenebrosa pré-classificação. Com o pacote que tinha, no entanto, não seria tão difícil bater Lambo, Coloni e Fondmetal. A novata Jordan daria trabalho, mas como os quatro melhores carros passariam para os treinos oficiais, as duas equipes poderiam coexistir numa boa.

Após duas razoáveis apresentações nas duas primeiras corridas, a Scuderia Italia vinha com boas expectativas para a corrida de Imola, primeira etapa europeia do campeonato de 1991. JJ Lehto e seu companheiro, o italiano Emanuele Pirro, esperavam poder brigar pelos primeiros pontos daquela temporada. Um fator que aumentava as esperanças da equipe era a chuva, que caía torrencialmente na Itália naquele mês de abril.

Mas as coisas não correram 100% como o esperado, já que Pirro fez apenas o 5º tempo na pré-classificação, realizada em pista seca, e acabou ficando de fora dos treinos oficiais. Lehto conseguiu fazer o segundo melhor tempo, atrás apenas do Jordan de Andrea de Cesaris, e seguiu em frente. No primeiro treino livre, o finlandês fez o nono tempo. No segundo treino livre, o oitavo. Os prognósticos pareciam bons para o único BMS-191 na pista.

O problema maior foi quando as coisas valeram de verdade. Lehto deu azar no primeiro treino oficial, fazendo apenas o 16º tempo. No segundo, choveu forte e ninguém conseguiu melhorar o tempo. E restou a JJ sair lá no meio do pelotão da merda, entre o Leyton House de Mauricio Gugelmin e o Larrousse de Eric Bernard.  

O tempo estava coisa de louco em Imola. Não choveu no warm-up, mas os pilotos da Fórmula Opel pegaram um toró em sua corrida preliminar, vencida pelo brasileiro Djalma Fogaça. Poucos minutos antes da largada da prova de Fórmula 1, uma tempestade lavou a pista. Análoga às tempestades de verão brasileiras, durou alguns instantes e sumiu, dando espaço a um tímido sol que começava a surgir no horizonte. A largada, portanto, seria normal. Ou não.

A pista ainda estava molhada em alguns trechos, como a descida da Rivazza, e muita gente sofreu com isso ainda na volta de apresentação. Para desespero dos torcedores italianos, quem mais se deu mal foi o ferrarista Alain Prost, que rodou pateticamente em direção à grama da Rivazza e ficou por lá, não conseguindo sequer largar. Gerhard Berger também escapou no mesmo ponto, mas conseguiu voltar. O pau ia comer em Imola.

A largada ocorreu sem sobressaltos, apesar da visibilidade nula, e os pilotos sobreviveram às primeiras curvas. O Dallara de Lehto estava lá no meião, brigando com os surpreendentemente lentos Benetton de Nelson Piquet e Roberto Moreno. Ainda na primeira volta, o Williams de Nigel Mansell se envolvia em uma colisão com o Jordan de Bertrand Gachot e saía da prova. Logo antes do fim da primeira volta, dois favoritos haviam dado adeus à disputa.

O GP de San Marino foi uma verdadeira corrida de sobrevivência. Os pilotos que andavam mais à frente caíam como mosquinhas mortas. Jean Alesi abandonava miseravelmente na terceira volta, quando escapou da pista na Tosa após tentar uma estúpida ultrapassagem por fora sobre o Tyrrell de Stefano Modena. Nelson Piquet, da Benetton, rodopiava na mesma curva. O Williams de Riccardo Patrese abandonava com problemas no motor. Os dois Tyrrell saíam com o câmbio quebrado. Ivan Capelli rodopiava na Acqua Minerale. Os dois Jordan também abandonavam a disputa. Só os McLaren de Ayrton Senna e Berger corriam como se nada estivesse acontecendo.

E quem sobraria para terminar nas demais posições pontuáveis? A turma do fundão. Lehto, que chegou a ter de se envolver em brigas encardidas com o lamentável Lotus de Julian Bailey e com o Lambo de Eric van de Poele, ganhava posições a granel e, na 22ª volta, já era o sexto colocado. A rodada de Capelli na 25ª volta o projetou à quinta posição. E por lá ele ficou durante muito tempo.

Na 42ª volta, após passar pela Acqua Minerale, o Tyrrell de Modena estaciona no meio da pista com a transmissão em frangalhos e JJ Lehto pula para a quarta posição. Já estava bom demais, mas eis que o motor Ford HB do Benetton de Roberto Moreno começa a falhar e o brasileiro é obrigado a diminuir drasticamente o ritmo. Na 52ª volta, o Dallara de Lehto se aproxima rapidamente e passa o Benetton por fora na Tamburello sem maiores problemas. E lá está o jovem finlandês, que fazia sua segunda temporada completa na categoria, na terceira posição.  

Lehto completa a corrida uma volta atrás dos McLaren de Senna e Berger. Seu carro realmente não permitiria uma aproximação maior, mas quem liga? Incrédulo com o resultado, o finlandês sobe em uma caminhonete junto de seus dois colegas ilustres e segue em direção ao pódio. Os poucos torcedores remanescentes, aqueles que sobraram após a deplorável saída dos dois carros da Ferrari nas três primeiras voltas, aplaudiam o jovem branquelo. Afinal, apesar dos pesares, havia ainda um piloto de um carro italiano avermelhado no pódio.

No pódio, JJ continua meio sem saber o que fazer. Recebe um prato e um gigantesco troféu, muito mais bonitos do que qualquer prêmio dado hoje em dia, e segue feliz para casa. Era seu primeiro pódio, e o segundo de sua equipe. Os quatro pontos deixam em uma improvável sexta posição no campeonato de pilotos, mesma posição em que se encontra sua equipe. Mas o melhor era a certeza de que a Scuderia Italia estaria livre da pré-classificação na segunda metade do ano.

Este foi o dia mais feliz de JJ Lehto na Fórmula 1, quiçá em toda a sua carreira. Em alguns meses, ele poderia estar celebrando os vinte anos de sua conquista. Ao invés disso, poderá passar o tempo vestido de preto e branco, enxergando o sol quadrado e tomando sopa de batatas com pão velho.

Michael Schumacher e pneus Pirelli, 1991

Um dos pilotos do grid atual da Fórmula 1 já teve o privilégio, que era absolutamente duvidoso em seu tempo, de ter um contato prévio com os pneus italianos Pirelli, que retornam à Fórmula 1 após vinte anos. E como não poderia deixar de ser, o tal piloto é Michael Schumacher, o mais antigo em atividade. O heptacampeão da Alemanha fez as últimas cinco corridas da temporada de 1991 pela Benetton. Vale lembrar que a equipe era o cliente mais importante da Pirelli, que com seu exército de Brancaleone composto por 80 técnicos, peitava a americana Goodyear, uma virtual monopolizadora no fornecimento dos compostos às equipes grandes e médias.

Quase vinte anos após suas poucas corridas com o Pirelli, Schumacher voltará a utilizar os pneus italianos na temporada de 2011. A marca será a única fornecedora a partir do ano que vem, substituindo a japonesa Bridgestone, que cansou de sustentar a brincadeira sozinha. Os primeiros testes com os novos pneus, realizados no final da semana passada em Abu Dhabi, dividiram opiniões: houve elogios, dúvidas e reclamações. Ainda assim, é muito cedo para se chegar a alguma conclusão. Muito cedo.

O que dá pra falar sem medo de errar é que a Pirelli não é exatamente a fornecedora de pneus de maior sucesso da história da categoria. Os pneus italianos, de fato, venceram praticamente tudo nos quatro primeiros campeonatos da Fórmula 1, mas boa parte do crédito se deveu aos carros que em que eram equipados: nada menos que Ferrari, Alfa Romeo e Maserati os utilizavam. Em 1954, a alemã Mercedes apareceu na história utilizando compostos da Continental e passou a dominar a categoria. No ano seguinte, a Ferrari começou a usar os Englebert. A Maserati se manteve fiel à Pirelli, mas era visível que ela já não era mais a queridinha do grid. Sendo assim, em 1959, a marca deu adeus à categoria.

O retorno à Fórmula 1 se deu pouco mais de vinte anos depois. Em 1981, os italianos reapareceram fornecendo pneus às medianas Toleman, Fittipaldi e Arrows. Sem ter o apoio de uma grande equipe e usufruindo apenas do duvidoso benefício de ser a marca mais barata do mercado, a Pirelli não conseguiu ser nada além de uma fornecedora de equipes medíocres até 1985, quando a Brabham optou por um acordo com ela. O motivo era puramente financeiro, aliás. Bernie Ecclestone, o dono da equipe, era bastante pão-duro e não estava disposto a gastar muito dinheiro com estúpidos pneus. Esperto como uma raposa felpuda, Ecclestone foi ingênuo ao não ter dado mais atenção a esse importante aspecto do carro.

Para infelicidade de todos, os pneus Pirelli eram muito ruins, deficientes em pista seca e absolutamente terríveis em pista molhada. Eu até me arriscaria a dizer que a parte maior da responsabilidade pelo fracasso da Brabham naquele ano é da Pirelli. Por incrível que pareça, e apesar da vitória de Nelson Piquet em Paul Ricard, quem parece ter se dado melhor com os pneus italianos foi a Toleman, que comprou, de última hora, o contrato da Spirit e conseguiu um ou outro bom desempenho com Teo Fabi. No ano seguinte, tanto a Brabham como a Toleman, agora chamada de Benetton, mantiveram a parceria e Gerhard Berger até conseguiu vencer no México devido exatamente à resistência da borracha. Mas esse era o limite da Pirelli, vencer uma ou outra por temporada e ser coadjuvante da Goodyear no restante do ano.

Os italianos se tocaram e caíram fora em 1986. Mas não desistiram e voltaram apenas três anos depois, em 1989. Naquela belíssima Fórmula 1 de 39 carros, não era nem um pouco insensato sonhar em lucrar algum fornecendo compostos para várias equipes. A princípio, apenas equipes fracas trocaram os confiáveis e caros Goodyear pelos Pirelli: Brabham, Minardi, Scuderia Italia, Osella, Eurobrun e Zakspeed. Para surpresa de todos, as três primeiras equipes demonstraram excelente desempenho em pistas travadas e na chuva. Pelo visto, usar um Pirelli não era um negócio tão ruim assim.

Em 1990, cinco das seis equipes mantiveram seus contratos com a Pirelli. A Zakspeed caiu fora da Fórmula 1, mas a empresa conseguiu substitui-la por uma equipe bem mais valiosa, a Tyrrell, que vinha em notável ascensão. A parceria deu visibilidade à marca: com Jean Alesi, o carro de Ken Tyrrell conseguiu chegar em segundo em Phoenix e em Mônaco, além de ter andado bem em várias outras corridas. Aos poucos, as pessoas passaram a compreender que a Pirelli poderia ser uma ótima alternativa aos Goodyear. Em 1991, a Eurobrun já não fazia mais parte da Fórmula 1 e a Minardi e a Osella preferiram voltar aos Goodyear. Mas quem precisa desses lixos se a poderosa e emergente Benetton se tornaria sua principal cliente? Pelo visto, a Pirelli voltaria aos bons tempos do início dos anos 50.

O problema é que 1991 foi um ano infeliz para a Benetton. O B191, carro projetado por John Barnard, utilizava o então revolucionário bico “tubarão” e representava uma ótima ideia com execução incompleta. E os pneus Pirelli também não ajudaram muito. Nelson Piquet até conseguiu vencer uma corrida com a equipe, em Montreal. Mas a vitória, herdada após uma burrada de Nigel Mansell na última volta, não convenceu muita gente. Com relação às outras equipes, a Tyrrell fez um ano abaixo do esperado mesmo tendo motores Honda V10 e Scuderia Italia e Brabham apenas fizeram número. Sem lá muita paciência, a Pirelli anunciou, no Grande Prêmio do México, que abandonaria a categoria no final do ano. Pela terceira vez.

E ela retorna em 2011. Nos dias 19 e 20 de novembro, 20 pilotos puderam ter um contato inicial com os novos pneus. O melhor tempo, de Felipe Massa, é apenas oito décimos mais lento que a pole-position de Sebastian Vettel há uma semana. Os pilotos, no geral, demonstraram satisfação, ainda que não detalharam muito bem suas primeiras impressões. O único que seguiu contra a corrente foi Nico Rosberg, que não gostou do que viu e disse que o Pirelli é muito mais lento do que o esperado.

Schumacher, o vovô que liga as duas eras, disse que estava otimista quanto aos novos pneus. Segundo ele, a Pirelli deverá fazer ainda alguns ajustes, mas a primeira impressão havia sido muito boa. Ele entende das coisas.

Entre 1991 e 2011, a Fórmula 1 mudou muita coisa com relação aos pneus. Eles se tornaram mais estreitos (hoje em dia, possuem 24,5 centímetros de largura), mas muito mais duros e resistentes. Os slicks eram regra em 1991, mas deram lugar aos pneus sulcados entre 1998 e 2008. No ano passado, voltaram. Ainda bem. Assim como voltou Schumacher, cheio de apetite. E como volta a Pirelli, que quer apagar as más lembranças dos anos 80 e início dos anos 90 e voltar aos tempos de sucesso dos anos 50.  

Michael Schumacher e pneus Pirelli, pré-temporada 2010-2011

Uma hora e 42 minutos. Esse é o tempo que todos nós tivemos de esperar pela bendita largada da corrida coreana. Na calada da noite, irritado, eu olhava para as horas correndo e me sentia um completo idiota por ter de esperar por uma estúpida corrida de carros por tanto tempo. E fiquei com raiva de Bernie Ecclestone, dos pilotos homossexualizados, da pista mal-feita e até mesmo da mãe-natureza, que poderia ter mandado o dilúvio em uma pista que realmente precisasse dela para ter uma competição minimamente interessante, como Hungaroring ou Sakhir, e não em um negócio que nem havia sido finalizado direito.

Mas o fato é que a chuva apareceu e as condições para uma corrida debaixo d´água eram as mais desfavoráveis possíveis. É uma pena, já que a diversão aumenta exponencialmente quando os pilotos não têm qualquer aderência ou visibilidade e as rodadas, as ultrapassagens e os acidentes acontecem a granel. Para quem gosta de um pouco de bagunça, como é o meu caso, um prato cheio. Mas tem horas em que a organização simplesmente não permite ou a chuva simplesmente é forte demais e não há como ter toda essa diversão. Como não vou chegar nem perto de um PC até quarta-feira que vem, adianto o Top Cinq de hoje para falar de cinco corridas não tão remotas que acabaram tendo o andamento prejudicado devido à chuva.

5- JAPÃO/1994

Com seus famosos tufões, o Japão tem um histórico considerável de corridas chuvosas. Algumas delas decidiram títulos, como ocorreu em 1976, em 1988 e em 2000 (será que a lógica segue em 2012?). Em 2004, ocorreu até adiamento de treino oficial. Quando a Fórmula 1 segue em direção à Terra do Sol Nascente, todos ficam com aquela enorme expectativa de ver uma corrida absolutamente encharcada em uma das pistas mais velozes e desafiadoras do campeonato.

Em 1994, choveu horrores no sábado e no domingo da corrida, coisa de louco. Naquele ano, todos estavam completamente paranoicos com relação à segurança e o medo era geral. E se acontecesse alguma merda? E bater em Suzuka, ainda mais na curva 130R, não era pouca porcaria, não. Ainda assim, os organizadores deram a largada normalmente, com os carros saindo de suas posições do grid.

Mas a chuva estava intensa demais. E logo nas primeiras voltas, tivemos Heinz-Harald Frentzen escapando na primeira curva, Hideki Noda rodando na primeira volta e Johnny Herbert, Taki Inoue e Ukyo Katayama aquaplanando e rodando na reta dos boxes. Não dava para continuar assim e a direção de prova decidiu, então, colocar o safety-car na pista. No regulamento do período, constava que o carro de segurança só entraria na pista em caso de acidente que fosse muito forte ou que bloqueasse a pista, o que não era o caso naquele momento. Pela primeira vez na história da categoria, o safety-car entrava na pista para evitar mais problemas com a chuva.

Após sete voltas atrás do safety-car, a organização decidiu reiniciar a corrida no melhor estilo Indy, com os carros largando em movimento. Mas a chuva continuava forte e Franck Lagorce, Pierluigi Martini e Michele Alboreto rodaram logo na relargada. Poucas voltas depois, Martin Brundle e Gianni Morbidelli sofreram acidentes violentos e a turma decidiu dar bandeira vermelha logo de uma vez. Todos tiveram de esperar a chuva dar uma trégua por um bom tempo. Ela realmente diminuiu, mas nem tanto, e a corrida reiniciada foi uma das melhores daquele ano.

4- MÔNACO/1984

Se correr com chuva já é algo naturalmente temerário, correr em Mônaco com chuva é de deixar uma mãe de piloto rezando para todos os santos e orixás. Em 1984, o pequeno principado localizado às margens do Mediterrâneo foi atingido por um temporal daqueles de ensopar os cabelos cheios de laquê das madames locais. A turma esperou a chuva passar por cerca de 45 minutos, mas a nuvenzinha maligna teimava em permanecer sobre suas cabeças. Então vamos realizar a corrida assim mesmo, pensaram em uníssono os organizadores da prova.

Naqueles tempos, a Fórmula 1 era ligeiramente menos fresca e não havia essa de “ah, é perigoso fazer largada parada nessas condições”. Os 20 carros largaram normalmente, mas todos sabiam que poucos sobrariam no final. Logo na Saint Devote, três ficaram pelo meio do caminho: a dupla da Renault, Derek Warwick e Patrick Tambay, e o Ligier de Andrea de Cesaris. Tambay acabou quebrando uma perna e teve de se ausentar da etapa seguinte.

E a corrida foi uma loucura. Alain Prost liderou no começo, mas foi ultrapassado por Nigel Mansell, que vinha dirigindo seu Lotus como um doido. E sua loucura só poderia levar a um acidente na subida da Beau Rivage na volta 15. Recuperando a ponta, Prost passou a dirigir com bastante cautela. Enquanto isso, os jovens Ayrton Senna e Stefan Bellof ultrapassavam tudo quanto era gente e se aproximavam rapidamente da liderança. E a chuva permanecia violenta.

Diante disso, o diretor de prova Jacky Ickx decidiu unir o útil ao agradável e acabou com a corrida na volta 31, dando a vitória a Alain Prost. A alegação oficial era a chuva, mas muitos desconfiaram que Ickx, ex-piloto de Fórmula 1 e piloto da Porsche no Mundial de Marcas, quis favorecer Prost, cujo McLaren utilizava motor… Porsche! O fato é que tanto Senna quanto Bellof se consagraram como os nomes a serem observados como futuros pilotos de ponta, enquanto que Prost, ao marcar apenas metade dos pontos, acabou perdendo o título para Niki Lauda no final do ano exatamente devido a isso: se a corrida tivesse sido finalizada mais à frente, Prost talvez nem venceria, mas os seis pontos do segundo lugar lhe daria o título. O destino é bem-humorado.

3- MALÁSIA/2009

Na semana do Grande Prêmio da Malásia de 2009, circularam algumas imagens na internet mostrando fotos de como andava o clima na região de Kuala Lumpur naqueles dias. O céu estava literalmente preto em alguns pontos, algo digno de filme de terror. A Malásia é um país localizado próximo à linha do Equador e o índice pluviométrico é amazônico: chove muito e chove todo dia à tarde. E ainda por cima, Bernie Ecclestone havia decidido que, a partir daquele ano, a largada ocorreria às 17h locais. Então, simplesmente não havia como contestar as possibilidades quase totais de temporal na hora da corrida.

Milagrosamente, a largada ocorreu em pista seca. Mas o céu estava absurdamente escuro, algo próximo do noturno. E conforme as voltas passavam, o negócio ficava cada vez mais dramático. Na volta 19, as primeiras gotas começaram a cair e a turma seguiu direto para os pits. Alguns colocaram pneus de chuva forte, outros foram mais corajosos e calçaram pneus intermediários. Estes últimos, encabeçados pelos teutônicos Timo Glock e Nick Heidfeld, se deram muito bem e ganharam várias posições.

Mas a tempestade era apenas questão de pouco tempo. E ela chegou de vez na volta 31. Rapidamente, a pista foi completamente coberta por uma espessa camada de água, que chegava a formar correntezas nos trechos em descida. E ninguém mais conseguia parar na pista.

Duas voltas depois, a direção de prova resolveu acionar a bandeira vermelha e todo mundo estacionou nos pits. Enquanto gente como Mark Webber demonstrava preocupação com um possível reinício, o iconoclasta Kimi Raikkonen entrou nos boxes, foi até um frigobar e pegou uma Coca-Cola e um Magnum de chocolate para forrar o estômago, protagonizando a cena mais curiosa da Fórmula 1 em 2009. Depois de um tempo, o pessoal percebeu que já estava anoitecendo e decidiu encerrar a corrida de vez.

2- JAPÃO/2007

Para quem reclamou um monte sobre o enorme período em que o safety-car ficou na pista na corrida coreana, saibam que a Fórmula 1 experimentou uma situação parecida há apenas três anos, na primeira corrida realizada no remodelado circuito de Fuji.

Para aborrecimento de alguns e felicidade de muitos, a chuva apareceu com força durante boa parte do fim de semana. No treino oficial, apesar de não ter chovido na hora, a pista estava molhada devido à precipitação ocorrida minutos antes. Mas ninguém imaginava que o dilúvio de Noé apareceria no dia seguinte, na hora da corrida.

Assim como no GP da Coréia desse ano, a corrida japonesa foi transmitida de madrugada para os brasileiros. Logo, qualquer atraso seria um incômodo extra para quem se dispôs a ficar acordado até altas horas da matina. Para mim, a situação não podia ser pior, já que eu tinha de viajar de manhã. Com a chuva torrencial que caía pouco antes da largada, a organização decidiu colocar o safety-car para andar à frente dos pilotos por algumas voltas. Ninguém chiou, até porque não era a primeira vez que a Fórmula 1 realizava uma largada lançada.

O que foi inédito para todos foi o tempo em que o safety-car permaneceu na pista: 19 voltas, pouco mais de 40 minutos de espera. Eu devo ter ficado até mais irritado naquele dia do que neste último fim de semana, mas a corrida que se seguiu foi sensacional, uma das melhores da década. O destaque fica para a briga pela sétima posição entre Felipe Massa e Robert Kubica na última volta. No melhor estilo Gilles x Arnoux, os dois dividiram todas as curvas e tocaram rodas até a bandeirada final. Valeu a pena esperar tanto.

1- AUSTRÁLIA/1991

E quem lidera a lista é a corrida mais curta da história da categoria.  O Grande Prêmio da Austrália, última etapa do campeonato de 1991, teve apenas 14 voltas, 52,92 quilômetros e 24 minutos e meio de duração. Agradeçam o registro histórico à chuva torrencial que caiu justamente na hora da corrida.

Sim, porque a manhã de domingo e os dois dias de treinos foram ensolarados como deve ser um bom dia de praia em Surfers Paradise. Mas sabe como é, o clima da Austrália é altamente imprevisível e aquele belo céu azul pode se transformar em um conluio de nuvens cumulonimbus prontas para despejar água abundante na cabeça dos pilotos. E foi o que aconteceu. Debaixo de muita chuva, os pilotos alinharam no grid e largaram.

Dois anos atrás, o GP da Austrália teve até mais chuva durante a corrida e poderia perfeitamente constar nessa lista. Mas a chuva da edição de 1991 era intensa o suficiente para formar poças e correntes de água no asfalto. Para piorar as coisas, o sistema de drenagem era péssimo, algo absolutamente comum em circuitos de rua, e os muros em volta do traçado só ajudavam a manter ainda mais água na pista. E o resultado foi um verdadeiro balé dos pilotos.

Nicola Larini bateu seu Lambo no retão Brabham, mesmo lugar aonde escaparam também Michael Schumacher, Jean Alesi e Pierluigi Martini. Michele Alboreto rodou na curva 5. Stefano Modena escapou da pista, assim como Gerhard Berger, que aquaplanou e rodopiou para fora da pista na curva 16. No entanto, os acidentes mais violentos foram os de Mauricio Gugelmin e Nigel Mansell. Gugelmin escapou na curva que antecede a reta dos boxes e bateu violentamente na mureta dos boxes. Seu March chegou a subir na tal mureta e ficou por lá. Já Mansell, que perseguia Ayrton Senna incessantemente, rodou na curva 3 e bateu de frente no muro, machucando a perna e tendo de ser levado ao centro médico.  

A chuva havia chegado a níveis intoleráveis e, na volta 17, Ayrton Senna começou a fazer sinais pedindo para a interrupção da corrida. Imediatamente, o diretor de prova acionou a bandeira vermelha. No final da volta 16, para se ter uma ideia, havia menos de dez carros na pista e os seis primeiros eram Senna, Piquet, Morbidelli, De Cesaris, Zanardi e Modena. Para evitar essa distorção, a organização preferiu considerar que a corrida foi interrompida na volta 14, duas voltas antes da última efetivamente concluída.

Apesar da corrida estar interrompida e da chuva estar inacreditavelmente forte, o diretor de prova queria retomar a corrida. Ele chegou a acionar a placa de 10 minutos, indicando o tempo que faltava para a nova largada, mas os pilotos, liderados por Ayrton Senna e Riccardo Patrese, pressionaram para que a corrida não fosse reiniciada e os resultados fossem considerados finais. Depois de muito trololó, a direção de prova cedeu e os resultados finais foram aqueles da volta 14: Senna, Mansell, Berger, Piquet, Patrese e Morbidelli.

Schumacher há um bocado de tempo

Esse é o tempo que separa a estréia da reestréia.

Estou falando, é claro, de Michael Schumacher. O alemão, sete vezes campeão mundial, é uma linha de contato entre o passado e o presente. Chega a ser surreal que haja um piloto que teria participado do GP da Bélgica de 1991 e do GP do Bahrein de 2010. Dezoito anos é tempo demais, mais precisamente a distância que separa o nascimento da idade adulta. Esse post não vai falar tanto sobre a Fórmula 1, mas sim levantar um raciocínio nostálgico irrelevante: o que separa 1991 de 2010?

A estréia de Schumacher se deu no dia 25 de Agosto de 1991, no lendário, comprido e chuvoso circuito de Spa-Francorchamps. O queixudo de 22 anos, na época o piloto mais novo do grid, utilizaria o Jordan 191 número 32, um belíssimo carro verde patrocinado pela 7UP que vinha chamando a atenção de todo mundo não só pela beleza mas também pela sua surpreendente performance, chegando a se aproximar das grandes. Seu companheiro era o já experiente Andrea de Cesaris.

O grid era sensacional. Lotado e colorido, tinha 18 equipes e 34 pilotos, sendo que 26 largavam, 4 ficavam no sábado e 4 sobravam já na sexta-feira, na malfadada pré-classificação. Não havia preocupações como “nossa, quanto carro, onde vai haver espaço pra McLaren colocar seus 5 carros reserva?”. Havia espaço para todas, e também para a turma da Fórmula 3000, que fazia a corrida preliminar. As equipes de ponta eram McLaren, Ferrari, Williams e Benetton. Dessas, só a colorida desapareceu, virando Renault. Tinha também Tyrrell, Larrousse, Minardi, Lotus, Lambo e AGS. Os pilotos de ponta eram Senna, Prost, Mansell, Piquet, Berger, Alesi, Patrese. Da turma do meio, havia Modena, Capelli, Gugelmin, Martini, Lehto, Boutsen. No final do grid, nomes como Olivier Grouillard e Eric van de Poele. De todos os 34, só sobrou o alemão. Os últimos a correrem foram Mika Hakkinen e Jean Alesi em 2001.

Mas o mundo não se restringe ao automobilismo, é claro. Até que aconteceu bastante coisa em 1991. E até que o mundo mudou um bocado até hoje.

Isso era 1991

Schumacher estreou em um ano particularmente conturbado politicamente falando. Meses antes, havia ocorrido a Guerra do Golfo, uma disputa entre Bush (o pai) e Hussein. Invasão no Kuwait por parte do Iraque, esse era o motivo do litígio. Enquanto isso, a União Soviética perecia. Com a perestroika e a glasnost gorbachevianas, o colosso abandonava o comunismo. Ninguém mais queria saber do sonho e do posterior fracasso marxista. Surgiam novos países, como o Tadjiquistão e a Macedônia.

O Brasil tinha o nefasto Collor, o daquilo roxo, sempre financiado pelo igualmente nefasto PC Farias. A economia do país, sufocada pelo confisco, pela hiperinflação e pelos pirotécnicos (e horrendos) planos heterodoxos, ia de mal a pior. Pelo menos, o caçador de marajás fez algo legal: abriu os portos para importações. O brasileiro, mesmo sem dinheiro, podia comprar um Subaru, batatas Pringles e tênis Timberland. Lula não passava de um barbudo lunático. Não que tenha mudado muito, mas…

O futebol ia mal, mas o rock não: o grunge era a moda. Mas como eu ignoro qualquer coisa que venha de Seattle, ainda mais em se tratando de híbridos de punks com hippies, dou loas a outras revelações interessantes da época, como o Blur, o Massive Attack e o EMF. Música no Brasil era igual a sertanejo. Pense em mim, chore por mim…

Na TV, tinha TV Pirata, tinha Trapalhões e tinha Xou da Xuxa. Todo mundo reclama da TV atual, mas as coisas não eram tão diferentes. Não tinha TV a cabo. O máximo que existia era a MTV, mas só quem tinha antena UHF podia ver. Quem não tinha, usava o truque do arame.

Com as importações ainda engatinhando, carro era VW, Chevrolet, Fiat e Ford. Para o povo, Chevette e Gol. Os boys andavam de XR3 e Kadett, enquanto seus pais desfilavam de Monza, Santana ou Opala. Os carros não tinham vidro elétrico ou sequer retrovisor no lado direito, mas a mecânica era mais duradoura. Havia também o Gurgel, corajosa iniciativa de produzir um carro 100% nacional. Infelizmente, um carro caro demais.

Não tinha internet, Twitter, orkut ou frescuras afins. Notícias, só por mídia impressa e TV. Para falar com seu amigo, telefone estatal ou carta. Os jornalistas usavam máquina de escrever e telex. Galvão Bueno transmitia as corridas por telefone e satélite Embratel. Computador, naquela época, era o 386 com monitor SVGA, 4MB de RAM e HD de 50MB. Videogame era Super Nintendo e seu indefectível Super Mario World. Mas a Sega rebateu com Sonic, rivalidade que durou muito tempo.

De lá pra cá, tivemos novos objetos, culturas, comportamentos: DVD, internet, orkut, Facebook, Bin Laden, Youtube, Obama, Britney, Big Brother, Lost, Dilma, Playstation, aquecimento global. O mundo passou a ser um lugar mais dinâmico e globalizado, mas também mais amedrontado e mais ansioso.

E lá está sempre o alemão, acelerando com vontade ao redor do mundo.

Schumacher há alguns dias