Para aqueles dotados de memória de peixe, lembro que comecei a comentar sobre a triste passagem do australiano Gary Brabham pela equipe Life na temporada de Fórmula 1 de 1990. Escrevo sobre isso fazendo uma conexão com a estreia de Daniel Ricciardo na Hispania no próximo fim de semana. São australianos estreando na pior equipe da Fórmula 1. Mereço um Nobel da Paz pela referência.

Hoje, vou falar sobre a vida de Gary Brabham após o fracasso de Phoenix, onde seu Life F190 só conseguiu dar quatro voltas antes de explodir impiedosamente. Enquanto Ayrton Senna e Jean Alesi protagonizavam um belo duelo pela liderança na corrida, nosso amigo australiano via a corrida pela televisão e queimava neurônios e fios de cabelo pensando no que fazer. O carro era horroroso, a equipe era ridícula e as chances dele ir para os treinos oficiais eram menores do que a sua de ganhar na Mega Sena.

Após o vexame de Phoenix, Gary voou para a Flórida para passar uns dias na casa de Geoff Brabham, o irmão que corria no IMSA. Enquanto ele esteve hospedado por lá, algum zé-ruela ligou para Gary dizendo que a Life provavelmente não correria no Brasil. Segundo o que lhe foi dito, após ir tão mal nos Estados Unidos, a equipe decidiu que não valeria a pena ir para a América do Sul, até porque mal haveria condições para isso.

Desesperado, Brabham tentou se comunicar com Ernesto Vita para saber o que realmente estava acontecendo. Não obteve sucesso. Faltando poucos dias para o Grande Prêmio do Brasil, o coitado não sabia se viajaria para São Paulo ou não. A equipe não havia arranjado passagens aéreas e hospedagem a ele e não dava para tirar dinheiro do próprio bolso para custear uma viagem que talvez nem servisse para nada.

Mesmo assim, Brabham decidiu ir para o Brasil. Deu um jeito, comprou as passagens, pegou o avião e deu a tremenda sorte de encontrar Alain Prost no voo. Os dois bateram um papo, o australiano expôs todas as mazelas de sua equipe e o tetracampeão francês lhe deu uma força, provavelmente lhe ajudando com a hospedagem e coisas afins.

Gary chegou a Interlagos sem a menor certeza de encontrar alguém da Life por lá. Entrou no autódromo e suspirou de alívio quando deu de cara com o carro na garagem. Faltavam dois dias para a pré-classificação. Sua aventura na Fórmula 1 não terminaria aí, portanto.

Tranquilo, ele aproveitou o tempo disponível antes da pré-classificação para conhecer o autódromo. Após dez anos de ausência, Interlagos retornava ao calendário da Fórmula 1 totalmente remodelado. O circuito havia perdido boa parte daqueles trechos mais velozes que maravilhavam os amantes da velocidade, mas ganhou em segurança e em infraestrutura, o que importava para os notáveis da Fórmula 1. Exagerado, Gary Brabham afirmou que adorou a nova pista, pois ela era uma mistura de Daytona, Brands Hatch, Nürburgring e Suzuka. Então tá, né?

As esperanças da Life não eram lá tão grandes para a etapa brasileira. Nenhuma novidade foi implantada no carro e até mesmo o tacômetro permaneceu quebrado. Como um dos dois motores havia estourado em Phoenix, a equipe contava com uma única unidade. Nos boxes, os três ou quatro mecânicos sofriam para montar o carro e o semanário Motoring News chegou a descrever uma cena deprimente, na qual Gary olha desolado para um dos esforçados mecânicos, que tentava parafusar um braço de suspensão sem sucesso.

Os carros de Fórmula 1 entraram na pista paulistana pela primeira vez na quinta-feira, 22 de março de 1990, para duas sessões de aclimatação. Choveu muito nas duas sessões, mas os 35 pilotos inscritos conseguiram marcar tempo. Enquanto Ayrton Senna marcava 1m20s333 e encabeçava as tabelas, o Coloni de Bertrand Gachot computava 1m35s740 e ficava em 34º. E o Life? Gary Brabham até chegou a completar volta e marcou impressionantes 2m01s801. Foi a única vez na história em que um Life dividiu a pista com McLaren, Ferrari, Williams e demais colegas ricos. É que nem a doméstica que fica orgulhosa por dividir o elevador social com o Eike Baptista.

No dia seguinte, Gary Brabham e a Life voltariam à dura realidade de ter de dividir a pista com AGS, Eurobrun, Coloni e porcarias do tipo. A FISA não tinha a menor dó dos pilotos do fundão e os obrigava a acordar bem cedo para participar da pré-classificação, sempre realizada às oito da manhã da sexta-feira. Para piorar, chovia torrencialmente. O uso de pneus de chuva era obrigatório. Curioso saber que a paupérrima Life dispunha de pneus de chuva…

Brabham trouxe seu carro avermelhado para a pista. Desceu pela saída dos boxes, entrou na pista pela Curva do Sol e enfiou o pé no acelerador. Imediatamente após o pedal ser acionado com vontade, o motor explodiu sem dó. Causa mortis: biela arrebentada. Após apenas 400 metros, acabava o fim de semana da Life e de Gary Brabham. O desespero da equipe era enorme, pois os dois únicos motores disponíveis estavam em frangalhos. E agora?

Gary já não estava com cara de muitos amigos quando chegou aos pits. Ao conversar sobre o que havia acontecido, ele descobre a prosaica causa do estouro do propulsor: os mecânicos deliberadamente não colocaram óleo no motor. Sim, é exatamente isso que você leu: os mecânicos deliberadamente não colocaram óleo no motor. Imagine que seu 1.0 prata financiado em 72 vezes começa a falhar tão logo o nível de óleo se encontra menor do que o mínimo necessário. Imagine agora um motor 3.5 de 12 cilindros sem óleo algum. O que diabos os mecânicos tinham na cabeça?

Pois é exatamente isso que Gary Brabham pensou. Após Interlagos, ele viajou para a Austrália para discutir com seu empresário, Don MacPherson, se a aventura na Life estava servindo para alguma coisa em sua carreira. Não dava para acusar o piloto de falta de seriedade e compromisso: ele se dispôs a aprender italiano, correu atrás de patrocinadores na Austrália e até chegou a pôr quatro mil dólares do seu bolso nos cofres da equipe para tentar ajudar. A equipe, por outro lado, simplesmente não fazia nada certo. E o pior é que não havia a menor disposição para mudar as coisas.

Dias depois da corrida brasileira, Brabham e Ernesto Vita, o dono da Life, se reuniram para conversar sobre o futuro da equipe. Vita tentava aplacar a ansiedade de Brabham prometendo a injeção de pelo menos três milhões de dólares na equipe, dinheiro vindo de industriais de Milão. Esta era a única promessa feita pelo chefão. Brabham e MacPherson, no entanto, fizeram outras exigências. Estas exigências nada mais eram do que coisas básicas que qualquer equipe de Fórmula 3 que se preze tem: capacidade de comunicação, segurança do carro, infraestrutura e um staff mínimo.

O piloto australiano fez dois pedidos em especial. Ele convidou Ron Salt, seu chefe nos tempos da Fórmula 3000 Britânica, para trabalhar como diretor geral da equipe e pediu para Vita contratá-lo. Além disso, Gary pediu que o tenebroso motor W12 fosse substituído por qualquer outro enquanto uma nova versão não ficasse pronta. Até mesmo um Judd CV V8 serviria.

Orgulhoso, Vita nem quis saber de se aprofundar mais nestas questões e negou qualquer mudança. Ele não largaria a gestão da equipe para entregá-la de bandeja a um inglês mofino e branquelo. O pedido para trocar o motor soava ainda mais absurdo, quase ofensivo. Como este australiano de merda tem a pachorra de contestar nosso maravilhoso W12, a verdadeira raison d’être dessa equipe? Não, não e não. A Life seguiria com o mesmo motor e pronto.

Contrariado, Gary Brabham concluiu que sua permanência na Life estava insustentável e decidiu cair fora. No dia 10 de abril de 1990, sua saída foi oficialmente anunciada. Os comentários abaixo são do seu empresário:

“Como vocês sabem, nós queríamos fazer algumas pequenas sugestões ao doutor Ernesto Vita, mas ele se recusou até mesmo a tomar conhecimento delas. Nós pedimos a ele para que fizesse algumas mudanças que trouxessem a equipe para um nível de profissionalismo coerente com a Fórmula 1. Seguir em uma equipe dessas seria altamente prejudicial para a carreira do Gary. É evidente que agora é fácil olhar para nós e dizer que nós nunca deveríamos ter aceitado este projeto, mas se recebêssemos uma outra proposta para correr na Fórmula 1, por pior que ela fosse, aceitaríamos. Quando um piloto jovem recebe uma chance de ir para lá, deve aceitá-la sem pensar“ – Don MacPherson.

Vocês pensam que a história acabou aí? Pois Gary Brabham levou mais uma chicotada do destino – e o pior é que a culpa foi de seu pai.

Naqueles dias, a Brabham estava com um carro disponível, uma vez que o suíço Gregor Foitek, que havia corrido pela equipe nas duas primeiras etapas, bandeou-se para a Onyx. Sabendo disso, Jack Brabham ligou para a sua antiga equipe, agora comandada por engravatados do consórcio japonês Middlebridge, e informou que um dos seus filhos estava disponível. Vocês imaginam que Gary conseguiu salvar sua pele aí, certo? Errado, muito errado.

Este filho se chamava David Brabham e havia vencido a Fórmula 3 britânica no ano anterior. Sir Jack ainda não sabia que Gary havia acabado de abandonar a Life e achava que teria a enorme felicidade de ver os dois correndo juntos na Fórmula 1. Quando descobriu, se sentiu mal. Se tivesse tomado conhecimento disso antes, Jack Brabham teria recomendado Gary. Quatro anos mais novo que o irmão, David poderia esperar mais um pouco.

Após a rasteira dada pela própria família, Gary Brabham até conseguiu arranjar um carro da Middlebridge – na Fórmula 3000 Internacional. Fez uma temporada completa sem levar dinheiro e obteve dois bons pódios, mas não conseguiu sequer sonhar com o título. Em 1991, ele decidiu correr nos EUA. Em entrevista dada há alguns anos, Gary revelou que este primeiro ano nos States foi tão difícil que ele só tinha disponíveis cerca de seis dólares por dia! Imagine o que representa para um ex-piloto de Fórmula 1 ter de sobreviver com menos de duzentos dólares por mês. Pois é.

Depois disso, sua carreira se recuperou um pouco e ele até conseguiu fazer algumas corridas na CART. Mas é evidente que Brabham nunca mais conseguiu chegar ao mesmo ponto em que estava antes de estrear na Life. Hoje em dia, todos nós damos risada de histórias como essa. E é para nós rirmos mesmo, pois já temos muitas coisas sérias o suficiente para nos aborrecer. O chato é que toda esta piada custou a carreira de um sujeito extremamente talentoso, talvez o mais entre os filhos de Jack Brabham.

Repito: te cuida, Ricciardo.

Escrevi ontem um artigo sobre a penúria pela qual a Williams vem passando. Ela, que já chegou a ser a maior vencedora de títulos de construtores da história, se transformou, de uns cinco anos para cá, em uma equipe média que trabalha no vermelho e que não tem lá grandes aspirações a não ser subir no pódio de vez em quando e fechar o ano no azul. Ninguém sabe se isso será possível nos próximos anos. Quatro dos atuais patrocinadores deixarão a equipe no fim do ano e as coisas ficarão bem difíceis para aqueles lados. O peru de Natal de Patrick Head será mirrado.

É triste ver a Williams assim, mas é a vida. Às vezes, uma equipe que já foi tradicional em outros verões se torna uma dispensável participante do meio do pelotão, ou algo até pior que isso. No geral, isso ocorre devido ao anacronismo presente na gestão dessas equipes. Como são chefes de equipe mais antigos, eles têm mais dificuldade em enfrentar os novos tempos. O caso de Frank Williams, é evidente, não é o primeiro. O Top Cinq de hoje fala de cinco equipes que conheceram as glórias e que terminaram, como posso dizer, na mais completa merda.

5- LIGIER


Das equipes do ranking, a simpática equipe francesa é a única que não chegou a ser campeã. E foi a que terminou de maneira menos pior. Guy Ligier, ex-jogador de rugby e piloto nas horas vagas, decidiu abrir uma equipe de protótipos e de Fórmula 2 que elevasse a bandeira da França aos pódios ao redor do mundo. Em 1976, a Ligier deu um salto maior e foi para a Fórmula 1. Utilizando um motor Matra V12, a equipe começou muito bem e venceu uma corrida, a sueca, logo no seu segundo ano. Jacques Laffite, o dono do feito, foi o piloto principal em seus primeiros anos.

O auge ocorreu entre 1979 e 1980. Em 79, Jacques Laffite começou o ano vencendo as duas primeiras corridas e o JS11 parecia ser o melhor carro do grid naquele momento. Com o passar do tempo, a Ferrari e a Williams melhoraram seus bólidos, mas a Ligier não deixou de terminar o ano em um excelente terceiro lugar. No ano seguinte, Laffite e Didier Pironi venceram duas corridas e deram à equipe o vice-campeonato de construtores. Infelizmente, os resultados começaram a definhar a partir daí. Sem ter à disposição um motor excepcional ou uma grande equipe de engenheiros, restou à equipe passar por altos e baixos.

Uma questão que marcou a existência da Ligier foi a política. Guy Ligier era amigão do presidente socialista François Mitterrand e do primeiro-ministro Pierre Bérégovoy. Desenvolvimentistas à la Getúlio Vargas, Mitterrand e Bérégovoy queriam elevar o nome da pátria da liberté, egalité et fraternité por meio do crescimento econômico planejado e dos subsídios. A Ligier era uma boa vitrine do avanço do país. Desse modo, mesmo que os resultados não viessem, o governo não hesitava em financiar maciçamente o projeto, que acabava tendo apenas patrocinadores estatais. Em suma, a administração era comparável a de uma repartição pública brasileira.

No entanto, Ligier sabia que o governo socialista e a mamata não seriam infinitos e, em 1992, ele vendeu a equipe para Cyril de Rouvre. A gestão da Ligier se profissionalizou e, a partir daí, os resultados começaram a reaparecer. Entre 1993 e 1996, ela obteve alguns pódios e até mesmo uma vitória, em Mônaco/1996. Mas Cyril de Rouvre também não quis mais saber da história e vendeu tudo para Alain Prost, que conseguia, enfim, realizar o sonho de ter sua própria equipe em 1997.

4- TYRRELL


Imagine se, por exemplo, a Brawn seguisse na Fórmula 1 como uma equipe independente. Imagine se ela vencesse mais um ou dois títulos e, depois, permanecesse por umas duas décadas como uma equipe medíocre no meio do pelotão. É mais ou menos isso que aconteceu com a Tyrrell, uma equipe que começou muito bem mas que minguou e passou a maior parte de sua existência como uma mera coadjuvante.

Ken Tyrrell, dono de uma madeireira, havia feito uma carreira de piloto medíocre e de dono de equipe de categorias menores com algum sucesso. Em 1968, ele se uniu à construtora francesa Matra para tocar uma equipe de Fórmula 1 juntos com o patrocínio da Elf e da Dunlop. A parceria deu certo de uma maneira impressionante e logo em seu segundo ano, a Matra-Tyrrell era campeã de construtores e de pilotos com Jackie Stewart. No ano seguinte, a Matra deixou a equipe e Ken Tyrrell arranjou um acordo com a Ford para usar o Cosworth DFV V8. Começava aí uma das parcerias mais longínquas da história da categoria.

Com Stewart, Elf, Dunlop e Ford, a Tyrrell venceu dois títulos de pilotos e um de construtores. Revelou gente como Patrick Depailler e François Cevert e trouxe para si a admiração de todos. Mas do mesmo jeito que o império emergiu rapidamente, ele também começou a cair rapidamente. Com a aposentadoria de Stewart, a ascensão dos rivais a superioridade dos pneus Goodyear, a equipe passou a ficar para trás. Em 1976, ela tentou uma cartada diferente ao lançar um carro de seis rodas, mas o projeto não deu certo como esperado e durou apenas um ano e meio.

A partir da segunda metade dos anos 70, a equipe passou a viver de triunfos efêmeros e esparsos. Uma vitória em 1976, uma em 1978, uma em 1982 e uma em 1983 foram os últimos momentos de sucesso da equipe, que perdia dinheiro a cada ano e que chegava a consumir todos os lucros da madeireira da família Tyrrell. A situação só piorou em 1984, quando a equipe foi desclassificada da temporada após ser pega colocando bolinhas de chumbo na gasolina, para resolver problemas de peso.

E as coisas seguiram mais ou menos assim até seu fim, em 1998. O último ano realmente bom foi o de 1990: com Jean Alesi, a equipe conseguiu dois segundos lugares e atraiu até mesmo uma parceria com a McLaren. Mas as coisas não avançaram muito e restou a Ken Tyrrell vender seu sonho para um punhado de empresários americanos e ingleses que criariam a BAR.

3- BRM


A história da BRM é muito bacana. Ela surgiu após a Segunda Guerra Mundial a partir dos sonhos de Raymond Mays, piloto de extremo sucesso nas corridas de subida de montanha entre o final dos anos 20 e os anos 40. Mays se uniu a alguns empresários britânicos, liderado pelo engenheiro Alfred Owen, dono da Rubery Owen, para fundar uma equipe de corridas que utilizasse motores próprios. Surgiu, assim, a British Racing Motors, ou simplesmente BRM.

A BRM era uma equipe que se caracterizava pela sua inventividade na questão dos motores. Seu primeiro motor, para se ter uma idéia, foi um trambolho de nada menos que 16 cilindros em formato de V. No entanto, o propulsor que mais sucesso trouxe à equipe foi um V8 cuja versão final chegava a 220cv e que levou a equipe aos títulos de construtores e de pilotos em 1962. Com quatro vitórias, o versátil Graham Hill foi o responsável maior pelo trunfo.

Mas a inventividade também cobrava seu preço. Em 1966, a BRM decidiu criar um motor H16 (!), composto por duas unidades V8, uma sobre a outra.  Esse motor nem era tão fraco, mas era extremamente pesado, o que elevava absurdamente o centro de gravidade do carro, e pouco confiável. Só mesmo Jim Clark, que utilizava um Lotus equipado com um motor versão cliente da BRM, conseguiria vencer uma corrida com essa porcaria, em Watkins Glen.

Eu diria que a decadência da BRM começou a partir daí. A partir de 1967, ela passou a utilizar um motor V12. Apesar de potente (em sua primeira versão, já desenvolvia 360 cavalos), ele ainda era muito pesado e pouco aerodinâmico. Os resultados começaram a minguar, e o último ano bom da equipe havia sido 1971, no qual Jo Siffert, Peter Gethin e Pedro Rodriguez trouxeram o vice-campeonato de construtores. Naquele período, a equipe já tinha trocado de CEO: Louis Stanley era quem dava as cartas.

Megalomaníaco, Stanley achava que deveria colocar o máximo de carros no grid em 1972, mais precisamente três pilotos bons e três pagantes. A equipe tinha o ótimo patrocínio da Marlboro, mas os resultados não vieram simplesmente porque é impossível gerenciar um monstro desses. Os resultados pioravam a cada ano, o dinheiro ficava cada vez mais escasso e a partir de 1975, ela deixou de participar de todas as corridas. Em 1977, ela tentou um último suspiro ao construir um carro novo para disputar a temporada completa, mas uma ação judicial tomada pela Tissot, um dos patrocinadores, acabou de vez com a equipe no fim daquele ano.

2- BRABHAM


A Brabham surgiu em 1962 como um sonho dos australianos Jack Brabham e Ron Tauranac. Brabham, que naquela altura já havia conquistado dois títulos, deixou a Cooper, que havia tido um péssimo 1961, quis abrir uma equipe com seu engenheiro e melhor amigo. A equipe fez três corridas e, logo de cara, conseguiu dois quartos lugares. No ano seguinte, quatro pódios foram obtidos e todos ficaram surpresos com seu terceiro lugar na classificação final.

Em 1966 e 1967, a Brabham venceu o campeonato de construtores, sendo que Jack Brabham obteve o terceiro título em 66. Jack, no entanto, estava velho, cansado e queria se retirar da Fórmula 1. No início dos anos 70, a equipe foi vendida a um empresário baixinho e bastante atrevido, Bernie Ecclestone. Com seu pão-durismo e sua avidez quase religiosa por lucros, Bernie reduziu investimentos, buscou um acordo financeiramente compensador e tecnicamente lamentável com a Alfa Romeo e os resultados diminuíram drasticamente nos anos 70.

A partir do final dos anos 70, no entanto, a equipe voltou às cabeças. O motor Alfa Romeo finalmente começou a funcionar, a Parmalat fornecia uma boa grana e um jovem e impressionante piloto, Nelson Piquet, surgia como potencial campeão do mundo. O brasileiro conseguiu dois títulos de pilotos contra concorrentes que tinham carros melhores. No entanto, a falta de continuidade com relação aos motores e o fato de Bernie Ecclestone dar muito mais atenção à administração da Fórmula 1 do que à sua própria equipe fez com que os bons resultados não se prolongassem muito. Em 1987, Bernie desistiu da Brabham, tentou vendê-la a qualquer arrivista, não conseguiu e fechou as portas. E não tivemos Brabham em 1988.

No ano seguinte, a equipe retornou com novo dono, o industrial suíço Joachim Luthi, e muitas expectativas. Mas o dinheiro era escasso e a nova Brabham nunca conseguiu fazer um carro competente. Além do mais, as constantes mudanças de dono só complicavam as coisas. No fim das contas, sem dinheiro e com um carro defasado e incapaz de sequer largar em todas as corridas, a equipe fechou as portas em meados de 1992.

1- LOTUS


E a primeira colocada não poderia ter sido outra. A Lotus, talvez a equipe mais marcante da Fórmula 1 depois da Ferrari (sim, mais do que McLaren e Williams), teve inúmeros momentos bons e uma decadência dolorosa e infeliz, talvez a mais infeliz de todas.

Sobre seus sucessos, não há muito mais o que falar. Sete títulos de construtores, seis de pilotos, 73 vitórias, uma miríade de inovações como o carro-asa, o aerofólio e o patrocinador e uma turma da pesada como Jim Clark, Ronnie Peterson, Emerson Fittipaldi, Graham Hill, Nelson Piquet, Ayrton Senna e Mika Hakkinen. Muitos aprenderam a amar o automobilismo vendo os carros esverdeados, pretos ou amarelos criados pela empresa do emblemático Colin Chapman. Há muito o que se falar sobre isso. Por isso, vou reduzir o texto aos seus maus momentos.

A decadência da Lotus começou no início dos anos 80, quando a Fórmula 1 buscou reduzir drasticamente o efeito-solo dos carros. Este era o trunfo maior dos carros da Lotus. Por outro lado, os motores turbo começavam a dar as cartas no esporte. E a Lotus nunca chamou muito a atenção pelos motores utilizados, exceção feita aos Renault de classificação, com mais de mil cavalos de potência. A misteriosa morte de Colin Chapman, em 1982, representou um baque terrível à equipe. Desaparecia o cuore, o cara responsável pela Lotus ser… a Lotus!

A equipe ainda era regida sob a batuta do competentíssimo Peter Warr, que Emerson Fittipaldi dizia ser até mais competente que o próprio Chapman em negócios e gerência. No entanto, as coisas não eram mais as mesmas. Sem ter direito a inovar, a Lotus se tornou mais uma. Desenvolveu chassis terríveis, como o 100T de 1988, e acabou minando sua credibilidade com isso. Aos poucos, perdeu os pilotos de ponta, os bons patrocinadores (a R. J. Reynolds, dona da marca Camel, deu cartão vermelho após tantos fracassos) e os acordos com as montadoras. Na primeira metade dos anos 90, a Lotus era apenas uma equipe pequena coberta de patrocinadores pequenos que dependia exclusivamente dos esforços do novato Mika Hakkinen e do bom Johnny Herbert. Mas nada disso foi o suficiente. E a falência veio de maneira dolorosa em 1994. Zero pontos, seis pilotos diferentes, um carro defasado e desânimo geral. Muitos dizem que a Lotus atual não é a verdadeira. Eu diria que a Lotus de 1994 é até menos fiel à original do que a malaia.

Eu confesso que fico muito mais aborrecido com essas miniférias de agosto do que com a pré-temporada. Não sei se é por antipatia minha com o tal do “mês do desgosto” ou se é porque a pré-temporada representa um bem-vindo recesso a todos, mas o caso é que essas três ou quatro semanas representam um período morto, sem notícias e sem qualquer disposição ao automobilismo. Tudo bem, temos a Indy, temos a MotoGP, temos os carrinhos de rolimã do campeonato armênio, mas a sensação é que, sem a Fórmula 1, o mundo das corridas fica mais vagaroso de um modo geral.

Porém, é óbvio que estou chiando à toa. Ficar 28 dias sem corridas não mata ninguém e a turminha da Fórmula 1, da GP2 e da GP3 agradecem os dias de folga. Digo isso também porque não é a primeira vez que a Fórmula 1 fica parada por quase um mês. Na verdade, nos últimos vinte anos, houve recessos até maiores. O Top Cinq de hoje relembra cinco desses recessos. Excluo das lista as pré-temporadas e distorções como aquelas que aconteciam nos anos 50 e 60, quando uma corrida na Argentina e outra corrida na Europa eram separadas por até quatro meses.

5- PORTUGAL/1992 (27/9) E JAPÃO/1992 (25/10) – 28 DIAS

Olivier Grouillard em Suzuka

Viajar para o Japão é uma merda. A menos que você more no Extremo Oriente, pegar um avião rumo à Terra do Sol Nascente é uma aventura. Os ocidentais gostam muito do país e de sua cultura milenar, mas muitos desistem do sonho de conhecê-lo exatamente pela distância quase interplanetária. Os ocidentais da Fórmula 1, no entanto, são obrigados a dar um pulo por lá a cada mês de outubro.

Durante vários anos, o calendário da categoria deixou um espaço de 21 dias entre a última corrida européia e a japonesa por questões de logística e aclimatação. Afinal de contas, são cerca de nove horas de diferença entre Tóquio e Greenwich e os pilotos também são gente. Até 1991, o calendário previa uma corrida espanhola na semana seguinte à corrida portuguesa. Em 1992, jogaram a corrida de Barcelona para o início do campeonato e mantiveram a corrida portuguesa a um mês da japonesa.

Durante esses 28 dias, algumas coisas mudaram entre os pilotos. A Ferrari aproveitou o período para demitir Ivan Capelli, que vinha fazendo uma temporada lamentável. No seu lugar, entraria o test-driver Nicola Larini. No fundão, a March trocou Karl Wendlinger pelo ultraexperiente Jan Lammers, que já havia corrido várias vezes em Suzuka. Alguns boatos sobre o retorno da Brabham e da Fondmetal circularam pelo paddock, mas nada deu certo.

4- BAHREIN/2007 (15/4) E BARCELONA/2007 (13/5) – 28 DIAS

Largada em Barcelona

Não é incomum registrar casos de corridas que, mesmo após anunciadas em um primeiro instante, são sacadas sem dó pela FIA. O buraco de 28 dias no calendário de 2007 foi causado por uma situação do gênero.

Em um primeiro instante, todos imaginavam que o calendário de 2007 teria os mesmos 18 grandes prêmios de 2006. Voltaria o GP da Bélgica, sairia o GP da Alemanha, o GP do Japão voltaria a ser realizado no circuito de Fuji e todos ficariam felizes. No entanto, havia uma corrida que estava seriamente ameaçada, o Grande Prêmio de San Marino, disputado em Imola. A FIA exigia mudanças drásticas na infraestrutura do circuito como um todo. Como essas mudanças não poderiam ser feitas em um período tão curto, a pista foi excluída do calendário de 2007.

Imola recorreu e, por algum tempo, a FIA reservou o dia 29 de abril de 2007 para a realização da etapa. No entanto, nenhum acordo foi feito e o circuito foi, enfim, retirado do calendário. Alguns jornalistas cogitaram a realização de uma etapa em Jerez para tapar buraco, mas o presidente da federação Max Mosley preferiu deixar um mês de férias para a patota.

3- LUXEMBURGO/1998 (27/9) E JAPÃO/1998 (1/11) – 1 MÊS E 4 DIAS

Heinz-Harald Frentzen em Suzuka

O caso aqui representa uma mescla das situações anteriores: a dificuldade logística de uma corrida japonesa e a retirada de corridas do calendário. Em 1997, a última etapa do campeonato foi realizada em Jerez de la Frontera no dia 26 de outubro. A intenção da FIA, para o ano seguinte, era manter a decisão do campeonato no final de outubro. No entanto, havia ainda algumas pendências com relação à segunda corrida na Península Ibérica.

Isso ocorria porque havia uma discussão sobre a permanência do circuito do Estoril no calendário. Poucos se lembram, mas a adição de Jerez ao calendário aconteceu de última hora para substituir a pista portuguesa, que passava por péssima situação financeira. A acanhada pista espanhola sempre aparecia como um tapa-buraco para cobrir problemas do tipo, como aconteceu em 1994, quando ela substituiu o circuito de rua de Buenos Aires.

No entanto, não era intenção de ninguém manter a pista de Jerez no campeonato, ainda mais sediando a última etapa. Além da pista espanhola não ser digna de uma decisão de título, o final da temporada se mostrava uma aberração logística, com a Fórmula 1 tendo de viajar da Alemanha para o Japão e do Japão para a Espanha. Restou à FIA empurrar a corrida japonesa para o início de novembro. E como não havia a possibilidade de colocar alguma outra corrida entre Nürburgring e Suzuka, o pessoal acabou ganhando férias de pouco mais de um mês antes da esperada decisão.

2- AUSTRÁLIA/1999 (7/3) E BRASIL/1999 (11/4) – 1 MÊS E 4 DIAS

Stéphane Sarrazin em Interlagos

Em 1999, houve outro problema de adequação de calendário. Assim como havia ocorrido no ano anterior, a FIA tinha um pepino para resolver porque o circuito portenho de Oscar Galvez corria sérios riscos devido a problemas financeiros dos organizadores e a questões legais, uma vez que a Argentina não queria permitir propaganda de cigarros nos esportes e a Fórmula 1 passava pelo seu auge com relação à publicidade tabagista.

Após o final da temporada de 1998, foi decidido que a Fórmula 1 continuaria com as mesmas 16 corridas, com a corrida da Malásia entrando no lugar da corrida argentina. Como Melbourne continuaria abrindo o campeonato no comecinho de março e a distância entre as corridas sul-americanas e a corrida de Imola era muito grande, restou à corrida brasileira ocupar a data reservada à corrida argentina, que estava localizada em uma posição mais intermediária. Ainda assim, a diferença de mais um mês permaneceu.

Durante esse período, o italiano Luca Badoer, que corria na Minardi e testava pela Ferrari ao mesmo tempo, sofreu um acidente em testes com a equipe vermelha e quebrou um dedo. Apesar da distância entre uma corrida e outra, a recuperação de Badoer não foi rápida o suficiente e, em Interlagos, ele foi substituído na Minardi pelo francês Stéphane Sarrazin, test-driver da Prost.

1- BRASIL/1990 (25/3) E SAN MARINO/1990 (13/5) – 1 MÊS E 18 DIAS

Gregor Foitek em Imola. A Onyx tinha várias novidades: novos donos, novo piloto, nova pintura, novo nome e "novo" carro

O primeiro lugar entre as maiores distâncias nos últimos vinte anos vai para um buraco de absurdos 48 dias sem corrida. Este foi o tempo que os fãs da categoria máxima do automobilismo tiveram de esperar para ver a primeira corrida européia da temporada de 1990. O gigantesco buraco tinha razões logísticas e eleitorais. Eleitorais!

Tudo começou quando a FIA quis mover a corrida americana, realizada no calorento circuito de rua de Phoenix, para março. Afinal de contas, correr lá no meião americano em pleno verão do mês de junho é falta de compaixão para com os pilotos. Uma corrida em março seria menos mortificante para todos. Desse modo, a temporada norte-americana que ocorria entre o final de maio e o final de junho seria reduzida para duas corridas no México e no Canadá. Com uma corrida a menos, as corridas de Imola e Mônaco tiveram de avançar algumas semanas para preencher o espaço. O GP de Mônaco passaria a ser realizado no último fim de semana de maio, espaço antes reservado à corrida mexicana, e o GP de San Marino passaria para o dia 6 de maio.

Com 41 dias, o buraco criado entre o GP do Brasil e o GP de San Marino já seria grande o suficiente para ocupar o primeiro lugar dessa lista. No entanto, o dia 6 de maio de 1990 era o dia das eleições para os conselhos regionais de 15 regiões da Itália. O circuito de Imola estava localizado na região de Emilia-Romagna, uma dessas 15 regiões. Os organizadores da corrida, não muito inteligentemente, acharam melhor adiar a corrida para o fim de semana seguinte, o dia 13 de maio. E os fãs de Fórmula 1 tiveram de esperar por quase 50 dias para ver os carros correndo.

Durante esse tempo, muita coisa aconteceu na Fórmula 1. Um turbilhão de equipes apareceu em Imola com seus carros definitivos para a temporada de 1990: Benetton, Tyrrell, Brabham, Minardi, Larrousse, Onyx, Osella e AGS. Esta última, por sinal, só foi ao autódromo com Gabriele Tarquini, já que Yannick Dalmas havia quebrado o punho em um acidente na semana anterior. Na Dallara, o italiano Emanuele Pirro, recuperado de uma crise hepática, faria sua estréia na equipe.

Passando por maus bocados, Brabham e Onyx eram as equipes que apareciam com mais novidades. Estreando o BT59, a Brabham aproveitava para trocar o branco pelo azul-escuro, a cor oficial da Middlebrige, empresa japonesa que havia se tornado acionista majoritária alguns dias antes. A equipe estreava também um novo piloto, o australiano David Brabham, filho do tricampeão Jack Brabham e campeão da Fórmula 3 inglesa em 1989. David entrava no lugar de Gregor Foitek, que migrava para a Onyx.

A propósito, quase tudo era novo na Onyx. O diretor Mike Earle e o projetista Alan Jenkins, cansados da bagunça da equipe inglesa, haviam pulado fora. O sueco Stefan Johansson, primeiro piloto da equipe, havia sido trocado sem mais nem menos por Foitek por uma imposição de um dos novos donos da equipe, exatamente o pai do suíço. Outro dos novos donos era Peter Monteverdi, dono de um museu de carros antigos na Suíça. Como ele era o acionista majoritário, se deu ao luxo de renomear a equipe de Onyx para Onyx/Monteverdi e mudou levemente a pintura dos carros, trocando as partes em rosa escandaloso por verde escandaloso.

Ah, e eles trouxeram um carro novo, o ORE-2. Na verdade, ele era apenas um ORE-1 atualizado. Com todas as mudanças, não havia tempo de preparar o carro, que não era o assunto mais importante para a equipe. Além do mais, 50 dias é muito pouco para se tomar uma atitude…

Segunda parte da entrevista de José Carlos Pace à Veja. Edição nº 332 de 15 de Janeiro de 1975. A primeira parte pode ser lida aqui.

“O MEDO DA MORTE ACABA COM OS PILOTOS”

VEJA – Mas o fato de os pilotos serem concorrentes entre si, sempre haver altas somas em jogo, não seria o motivo maior da rivalidade existente entre os pilotos? Afinal, nas pistas de corrida existem indícios de que não há muita preocupação com a vida dos outros concorrentes…

PACE – Não é o meu caso. Mas, de fato, alguns pilotos fecham os outros. Veja o Regazzoni, por exemplo: a maior parte dos pilotos não gosta de andar nem na frente e nem atrás dele. Ele é imprevisível e inconseqüente. Agora, a preocupação com a vida dos companheiros é um fato. Por isso os pilotos se desgastam brutalmente. Parecem velhos, quando ainda são jovens.

VEJA – Você falou, no início da conversa, em decadência e saturação de um piloto de F 1. O que seria isso, mais exatamente?

PACE – A decadência de um piloto, obviamente, acontece quando ele não consegue mais obter bons resultados, não por quebra do seu carro, mas por deficiências dele próprio. No meu caso, eu acho que saberei quando parar. A gente tem de saber qual é o nosso limite. Quando se atingir esse ponto, então, estará na hora de ir para casa.

VEJA – Graham Hill e Jackie Stewart, em situações opostas, seriam os melhores exemplos de decadência e saturação?

PACE – Graham Hill – como também Denny Hulme, que abandonou as pistas no fim da temporada passada – foi um grande piloto. Campeão do mundo. Mas tanto ele como Hulme foram sendo superados pelos novos valores que iam surgindo – Ronnie Peterson, Niki Lauda, Emerson. E por essa molecada nova que dá o sangue e a vida para aparecer e se firmar na Fórmula 1. O Graham Hill continua correndo, mas não vai conseguir obter boas classificações. Quanto ao Stewart, parou no auge de sua forma técnica e física. Creio que para ele o automobilismo já havia atingido o ponto máximo de saturação. Ele deveria estar cansado de correr.

VEJA – Em princípio, qual seria o limite de um corredor?

PACE – Em termos de idade, os 35 anos. Espiritualmente, o momento em que o automobilismo já não reserve mais nenhum prazer ao piloto. Porque viver viahando de um lado para o outro, correndo aqui e ali, comendo os pratos mais variados possíveis, em diferentes fusos horários, é uma vida extremamente sacrificada. Há dois anos atrás, quando eu ainda não tinha o prestígio que tenho hoje no automobilismo, minha vida era uma loucura. Eu vivia correndo do carro para o avião: disputava provas de Can-Am, Protótipo e Fórmulas 1 e 2. Eu precisava aparecer, fazer o meu nome. Ganhava bem menos do que hoje, mas trabalhava uma barbaridade.

“PARA MIM, A FÓRMULA 1 FOI UMA DECEPÇÃO”

VEJA – Você acha a Fórmula 1 melhor do que Can-Am, Protótipos, Fórmula Indy?

PACE – Melhor do que tudo o que existe, tanto em carro como em pilotos. É o máximo dos máximos. Na Fórmula Indy, por exemplo, as pistas são ovais, é sempre a mesma coisa. Se um piloto de Indy corre na F 1, ele não faz nada – uma vez que não tem a versatilidade de recursos de um piloto de F 1, onde se corre em todo tipo de pistas num único ano. A Can-Am também é mais amadorística, é distração. E o mundial de marcas é corrida de resistência. É chata. Já corri no mundial de marcas, e hoje não agüentaria mais. Depois que a gente chega à F 1, não senta em qualquer carro.

VEJA – Mas a Fórmula 1, ultimamente, tem sido apontada como um ambiente de muitas desilusões.

PACE – De fato, de um certo ponto de vista, a Fórmula 1 foi uma grande decepção para mim. Eu achava que estava entrando num lugar onde só havia gentlemen, honestidade, técnica e perfeição. Eu ouvia falar em Jim Clark, John Surtees, Jacky Ickx, Stewart, e ficava maravilhado, acreditando que eles fossem uns super-heróis, que viviam numa espécie de irmandade. Depois, naturalmente, fui descobrindo que não era nada disso.

VEJA – Você ainda vibra ao passar por um adversário?

PACE – Depende. Antigamente, se eu passasse pelo Stewart, em qualquer circunstância, é claro que eu vibraria horrores. Afinal, ele era o Stewart, objetivo de todos os pilotos, sinônimo de perfeição. Era o que o Emerson significa hoje para os novatos. Mas, atualmente, se eu passar por qualquer adversário, há uma série de coisas que devo levar em consideração. Em primeiro lugar, as condições do seu carro: se tem alguma falha técnica, se está tão competitivo quanto o meu, e assim por diante. Hoje em dia, eu só me entusiasmo verdadeiramente quando a ultrapassagem é conseqüência exclusiva de minha habilidade.

VEJA – Com que estado de espírito vocês se sentam em seus carros para correr?

PACE – Eu sento no meu carro sem nenhuma preocupação. A única preocupação que tenho nos dias de corrida é chegar logo ao autódromo. E também não vejo a hora de a corrida começar. Depois, há mais tranqüilidade. Eu, como os demais pilotos, sou capaz de ver, com nitidez, tudo acontecer junto às pistas. Sei se um amigo meu está numa curva me fazendo sinais, por exemplo. Durante a corrida, o domínio do piloto sobre o carro é total. O coração só bate mais rápido mesmo é antes da largada.

VEJA – Como você sente um carro de F 1? Nos pedais, nas mãos?

PACE – Vocês vão ficar surpresos, mas um piloto sente o seu carro nos quadris. É nas costas, na ponta da coluna, na linha da cintura mesmo, que você sente todas as reações de um carro. Por isso é difícil acertar o cockpit de um Fórmula 1.

VEJA – Há alguma coisa que o irrite numa prova?

PACE – A coisa mais irritante que já aconteceu comigo, na F 1, foi guiar o Grande Prêmio de Mônaco de 1972 com chuva. Normalmente, a gente não gosta de guiar com chuva; deixa de ser esporte e passa a ser loteria. É como guiar um carro de passeio em dia de temporal, sem limpador de pára-brisa e com o vidro embaçado. E naquele dia, em Mônaco, caía tanta água que eu não via nada. Eu me lembro que tinha de fazer uma bendita curva… Não sei bem o que havia, mas meu carro estava com problemas. Por três vezes seguidas, quando eu ia virar o carro não obedecia, seguia reto; eu tinha que parar, dar marcha à ré, e voltar à pista. Então eu pensei: puxa, que situação besta. Todo mundo deve estar pensando “lá vem aquele louco que não gosta de fazer a curva”. Outra coisa que me irrita é dar autógrafo em papel sujo, que visivelmente vai ser jogado no lixo logo depois de autografado.

VEJA – Você acredita em sorte e azar?

PACE – Não. Só acredito na técnica.

VEJA – Mas nos últimos anos você cansou de afirmar que era um piloto sem sorte.

PACE – Era só maneira de dizer.

“UMA BRABHAM MAIS VELOZ DO QUE A FERRARI”

VEJA – É supersticioso?

PACE – Bom, de superstição mesmo, só aconteceu comigo uma coisa. Foi na temporada do ano passado, na última corrida. Eu usava no meu capacete uma flecha amarela com a ponta indicando para baixo, e os meus amigos me disseram que flecha assim não dava certo. Que eu tinha que mudar. Mudei a flecha no Grande Prêmio dos Estados Unidos. E afinal consegui o melhor resultado da minha carreira. Um segundo lugar.

VEJA – E se pedirem para mudar a flecha de novo, você muda?

PACE – Se tiver de mudar, eu mudo.

VEJA – Quais seriam as equipes favoritas, para você, nesse campeonato?

PACE – A Ferrari, sem dúvida, é a grande favorita. Mas seguida de perto pela Brabham, McLaren, Tyrrel e Lotus. Com 40 HP a mais no motor, a Ferrari deverá andar sempre na frente dos carros que têm motor V-8. Esta diferença de potência é invariavelmente sentida na saída de curvas e nas grandes retas. Mas dentro do automobilismo existe uma série de outros fatores, além do motor. Os carros com boa aerodinâmica, mesmo equipados com motores Ford V-8, têm condições de equilibrar as competições. E deverão ganhar muitas corridas, principalmente nos circuitos de média velocidade para cima. É preciso também levar em conta a experiência e capacidade de alguns pilotos que correm com motores Ford. Além disso, os construtores procuram sempre melhorar os seus carros. Recentemente a Brabham partiu para os testes com o motor Alfa-Romeo, que, no dinamômetro, revelou 525 HP. Ou seja, cerca de 65 cavalos a mais do que os de um motor Ford, e 25 a mais do que os da Ferrari. E é possível que até o fim desta temporada, nós já estejamos correndo com ele. O que aumentará ainda mais as minhas chances de vitória.

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Chega a ser engraçado ler que nos celebradíssimos e superestimados anos 70 um piloto fale sobre a Fórmula 1, sua politicagem e os negócios que a regem com tanta franqueza, desilusão e até amargura. Se um José Carlos Pace, que era alguém que falava o que pensava, já sentia tudo isso, imagine um Kimi Raikkonen na Fórmula 1 atual.

É o que eu penso: se nós somos saudosistas e reclamamos do excesso de politicagem e corporativismo, do esporte sendo tratado como negócio e do descaso com os pilotos nos dias de hoje, não é nos anos 70 em que devemos mirar nosso saudosismo barato. Foi nessa época que o show-business começou.

Eu amo o Acervo Digital Veja. É a melhor coisa que a internet brasileira tem. Em primeiro lugar, é possível rever anúncios de empresas como Bamerindus e Mappin. Em segundo lugar, as reportagens de época. A história contemporânea está ali, em fotos preto-e-branco alternadas com fotos coloridas Kodachrome e textos novos ou nôvos. E uma reliquia que porventura tive a sorte de encontrar foi uma entrevista de José Carlos Pace para a revista na edição 332 de 15 de Janeiro de 1975. Vou exibir a entrevista e o texto de abertura completos sem correções e dividos em duas partes.
Só um comentário: quem ler isso daqui vai perceber que as diferenças entre a F1 atual e a F1 dos anos 70 é menor do que se supõe. Bem menor.

ENTREVISTA: JOSÉ CARLOS PACE

A FÓRMULA DOS MILHÕES – O segundo piloto brasileiro na Fórmula 1 fala dos problemas da sua profissão. Por Armando Salem e Fernando Sandoval.

No último domingo, dia 12, a bandeirada que deu início ao Grande Prêmio da Argentina recolocou em movimento, mais uma vez, a complexa e lucrativa engrenagem da Fórmula 1, que ao longo de todo esse ano vai semear corridas e alguns milhões de dólares em pistas de três continentes. Em recesso desde outubro último, quando Emerson Fittipaldi sagrou-se campeão mundial de pilotos em 1974, no Grande Prêmio dos Estados Unidos, dirigentes de equipes, mecânicos, máquinas e pilotos retornaram ao ritmo das temporadas passadas, com seus sonhos de vitórias, ambições financeiras e problemas.

Como no ano passado, eles deverão preencher um calendário que compreende quinze provas a serem disputadas nas Américas, África e Europa. E, a exemplo de 1974, os favoritos para os títulos mundiais de construtores e pilotos permanecem com os carros e os pilotos pertencentes a Ferrari, Brabham, McLaren, Tyrrel e Lotus, com pequenas diferenças. A Ferrari – a grande favorita na temporada passada – este ano está mais veloz ainda, girando 1 segundo mais rápido por volta em cada um dos circuitos em que foi testada. Por outro lado, Brabham, McLaren, Tyrrel e Lotus também anunciam melhoramentos técnicos que aumentarão os rendimentos dos seus carros. E assim, com promessas e chances de vitórias mais ou menos equilibradas, reinicia-se a luta de sempre.

As maiores novidades, para os brasileiros, ficam na estréia do primeiro Fórmula 1 fabricado no Brasil, o Copersucar-Fittipaldi, dirigido por Wilson Fittipaldi. E também, nas maiores chances de progresso de José Carlos Pace, que começa a temporada pilotando um carro realmente competitivo, na Brabham. Patrocinada pela Martini, a equipe inglesa (que no ano passado já havia vencido três grandes prêmios) entra em 1975 com uma verba de patrocínio das mais altas da F 1 – e o piloto brasileiro, até hoje apenas uma sombra de Emerson, pela primeira vez inicia um campeonato com reais possibilidades de obter uma vitória na categoria.

Pace, que começou o ano perdendo 30% do que recebia pelo seu contrato de exclusividade de promoção com a Brahma – Bernie Ecclestone, chefe de equipe da Brabham, acabou vencendo para a Martini uma parte da propaganda os macacões dos seus pilotos -, acredita que este poderá ser o seu ano na Fórmula 1. Entrevistado por VEJA, porém, ele fala menos do seu otimismo em relação à temporada de 1975 do que das disputas financeiras e inimizades que formam os bastidores da F 1.

“DEPOIS DE STEWART, A ORDEM É FATURAR”

VEJA – Até que ponto o dinheiro é tudo na vida de um piloto de Fórmula 1?

PACE – O bom piloto profissional, e em particular um piloto de Fórmula 1, é um nome. Por isso, além de faturar nas pistas, ele tem de aproveitar esse nome por todos os meios. Sua carreira é curta, e portanto é preciso ganhar o máximo no menor tempo possível. Um piloto só fatura enquanto não atinge o seu ponto de saturação dentro do automobilismo – depois vem a decadência. Esse tipo de consciência profissional do piloto de Fórmula 1 é recente, começou com o “Vesgo” (Jackie Stewart). Foi ele, realmente, quem deu essa projeção para o piloto de Fórmula 1. Foi ele quem começou a vender o seu nome para tudo: calça, gravata, sei lá mais o quê. No meu caso, o automobilismo deixou de ser um hobby a partir do dia em que eu assinei o meu primeiro contrato com um patrocinador – o Banco Português do Brasil, em 1971. Mas nessa época eu ainda não cobrava para aparecer em outros compromissos sociais. Quando eu fui amadurecendo como piloto, passei a cobrar. Como Stewart.

VEJA – E você acredita que o nome de um piloto possa realmente valer tanto assim?

PACE – Vale. E muito. Hoje em dia, a maior parte do mercado é jovem, e todos querem agradar, cativar, o jovem. Então, utilizar o nome de um piloto de Fórmula 1 – que indiscutivelmente atrai os jovens em geral – é uma forma de se conquistar essa faixa de mercado.

VEJA – Quer dizer então que aquela imagem romântica do amor dos pilotos pelas pistas, pelo ronco dos motores e pelo cheiro da gasolina, estaria sendo enterrada?

PACE – Não é bem assim. Eu acredito que os principais pilotos da Fórmula 1 ainda gostem, e muito, do automobilismo. Mas é uma questão de se unir o útil ao agradável: não se pode viver apenas de amor pelas corridas… Agora, eu posso dizer que o automobilismo é um tipo de trabalho sensacional de se fazer. E eu acredito que tanto eu como os demais pilotos da F 1 não teríamos condições de chegar ao topo do automobilismo mundial sem condições emocionais para tanto. Porque não se pode fazer bem uma coisa que não se gosta de fazer.

“NA F 1 NÃO PODEMOS FAZER AMIGOS”

VEJA – A propósito, quanto ganha em média, numa corrida, um piloto de Fórmula 1?

PACE – Isso depende. Se o piloto vencer o Grande Prêmio dos Estados Unidos, ele vai ganhar uma belíssima nota – o prêmio final anda por volta dos 150 000 cruzeiros. Mas normalmente os dez melhores da F 1 recebem, como prêmio de largada, uma média de 1 300 dólares (8 200 cruzeiros) por corrida e mais uma série de pequenas importâncias que implicam o número de voltas que ele dá na prova, em que lugar ele dá estas voltas, em que lugar ele termina na prova, etc. É uma série de contas complicadas, feitas pelo chefe da equipe, dividindo-se a parte do dinheiro que fica para ele, a que vai para os mecânicos e a que fica com o piloto. Mas muitas vezes um piloto que não vence corrida acaba ganhando mais dinheiro do que aquele que chegou em primeiro lugar. É o caso, por exemplo, do Carlos Reutemann no Grande Prêmio da Argentina do ano passado: ele não ganhou a corrida, mas liderou a prova da primeira à penúltima volta. Eu diria que, de um modo geral, os dez melhores pilotos da Fórmula 1 ganham mais de 100 000 cruzeiros por mês.

VEJA – Por que os pilotos são assim tão vagos quando falam de dinheiro?

PACE – Garanto que não é só por causa do imposto de renda que a gente não gosta de falar em dinheiro. O problema é que o segredo em torno de quanto o piloto recebe é uma arma – que ele pode jogar contra as equipes, quando é procurado para assinar contratos.

VEJA – Quer dizer que os chefes das outras equipes não saberiam quando você ganha na Brabham?

PACE – Aí é que está. Eles não sabiam, mas agora estão se organizando para tentar controlar os rendimentos dos pilotos. O resultado é que está havendo uma verdadeira guerra entre a GPDA (Associação dos Pilotos da Fórmula 1) e os construtores. E por que isso? Ora, se os construtores estão ganhando, é porque nós, pilotos, estamos sentados dentro dos seus carros, arriscando as nossas vidas. Os palhaços do circo somos nós. Então, quem tem de ganhar mais?

VEJA – E de que forma os construtores poderiam controlar ou reduzir os vencimentos dos pilotos?

PACE – Eles acham que as ofertas das equipes para que os pilotos dirijam os seus carros, para que mudem de escuderias, estão ficando altas demais. E como são eles mesmos que fazem estas ofertas, acreditam que podem controlar os nossos futuros contratos. No momento, o que vigora é a lei da oferta e da procura. O Emerson, por exemplo, é o piloto que mais fatura na F 1. Afinal de contas, ele já ganhou dois títulos mundiais, e os patrocinadores querem seu nome. Mas agora os construtores decidiram que as ofertas para contratar o Emerson ou outros pilotos terão um teto. Querem, também, instituir uma espécie de passe que uma equipe teria de pagar para a outra, caso quisesse a transferência de um piloto. Nós somos contra isso, claro. É tudo um absurdo.

VEJA – Haveria entre vocês uma união suficientemente forte para enfrentar os problemas surgidos com os construtores?

PACE – Não, os pilotos não são unidos. Em 1973, por exemplo, no autódromo de Zolder, na Bélgica, o recapeamento da pista estava péssimo, soltando asfalto. Além disso, não havia guard-rails. Então, pela primeira vez todos os pilotos se uniram e disseram que não iriam correr. Mas os construtores pressionaram – e, no fim, todos acabaram correndo. Sempre aparece alguém para furar o boicote. Daí os outros acham que o boicote fracassou de todo, e acabam entrando na pista para conseguir bons tempos durante os treinos de classificação. Além disso, há os pilotos novos, inseguros, com medo de perder a chance de continuar pilotando na F 1… Esses entram em qualquer pista. Não, não há mesmo união nenhuma entre os pilotos. Como também não existem muitas amizades. Os pilotos não gostam de se ligar uns aos outros, para não sofrer ainda mais quando alguém morre numa corrida. A gente tem de ser muito frio diante de uma situação dessas.

VEJA – O medo da morte entre os pilotos é tão grande assim?

PACE – É. Nenhum piloto gosta de falar nisso. Quando a gente vê um de nossos colegas morrer, a sensação é brutal. Um carro bate, se arrebenta, queima, e para todo aquele público que vai ao autódromo é como se não houvesse nada e anormal. Prosseguem a corrida, os risos e aplausos. Quebrou um robô, a ordem é substitui-lo. Mas, enfim, essa é a lei da vida. No fundo, nós não significamos nada. Nenhum de nós, seres humanos.

VEJA – Não há um certo exagero nisso?

PACE – Exagero? Nós somos 25 pilotos, em média, na F 1. E nos últimos anos têm morrido dois pilotos a cada ano. Em 1973, por exemplo, morreram François Cevert e Roger Williamson. E em 1974 morreram Peter Revson e Helmut Koinigg. Isso significa que morrem cerca de 10% dos pilotos por ano. O que torna inevitável um distanciamento entre os pilotos.

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Amanhã, a segunda parte da entrevista.