Gregor Foitek e os demais pilotos querendo o máximo de distância em Vallelunga

Vallelunga, segunda etapa, 8 de maio.

Utilizando a mesma asa dianteira dos demais Reynard, os problemas de desempenho encontrados no treino de Jerez não se repetiram e Moreno conseguiu marcar o terceiro tempo na sessão dos pilotos de numeração par. Como o pole-position, Gregor Foitek, também utilizava um número par, Moreno acabou tendo a primazia de largar na quinta posição.

Apesar disso, ele estava puto da vida por causa do erro do engenheiro Gary Anderson. Faltavam cinco minutos para o fim do último treino e o brasileiro era o pole-position provisório. Ele retornou aos pits, trocou os pneus e colocou mais gasolina. O imprudente Anderson se esqueceu de fechar uma tampinha na qual ficava presa uma delgada vareta que media o combustível no tanque. Com a tampinha aberta, não havia pressão para o vapor da gasolina pressionar a gasolina em direção ao motor. Com isso, o carro perdeu potência e Moreno acabou perdendo algumas posições.

Além do mais, saindo da quinta posição, era meio difícil falar em vitória. Vallelunga era uma pista veloz, mas também estreita, sinuosa e absurdamente perigosa. No ano anterior, Yannick Dalmas estampou seu March em um guard-rail pelado a mais de 200km/h. Não morreu por pouco.

Corrida. Foitek manteve a liderança após a largada, mas acabou sendo ultrapassado pelo francês Michel Trollé na volta 38. A partir daí, o suíço começou a sofrer enorme pressão de Johnny Herbert. As coisas mantiveram-se desta maneira até a volta 46, quando Herbert saiu melhor da curva oito e colocou seu carro de lado para ultrapassar Foitek. Este, por sua vez, fechou a porta abruptamente e forçou o inglês a embicar para a esquerda. Herbert acabou perdendo o controle e deu o supremo azar de bater com a lateral do cockpit em uma quina de guard-rail. Saldo: traumatismo craniano. Foi a primeira de muitas idiotices do senhor Gregor Foitek naquele 1988.

O pior é que ele acabou vencendo a corrida de Vallelunga. O líder Trollé acabou tendo de fazer uma parada nos boxes na volta 55 para trocar um pneu defeituoso e caiu para a sexta posição. O pódio acabou sendo formado por Foitek, Bertrand Gachot e Olivier Grouillard. E Moreno?

O brasileiro perdeu uma posição para Bertrand Gachot na largada, mas nunca perdeu de vista o belga e o francês Olivier Grouillard. Os três correram juntos durante todo o tempo e como não havia grandes possibilidades de ultrapassagem, Moreno acabou terminando na quarta posição graças aos problemas de Herbert e Trollé. Os três pontos foram seus primeiros em uma temporada que só melhoraria. Mesmo assim, Vallelunga é uma corrida que ele considera que poderia ter vencido se tivesse largado mais à frente.

Foi a primeira vez que Roberto Moreno pôde sorrir naquele ano, mas ele passou por um belo susto quatro dias depois. Monza, 12 de maio de 1988.

Moreno estava entre os doze pilotos da Fórmula 3000 que participavam de um treino coletivo no tradicional circuito italiano. Convinha às equipes testar em Monza, pois o autódromo ficava no caminho de volta para a Inglaterra e esta sessão não ficaria muito cara. Com um carro muito bem acertado, ele marcou 1m37s5 e acabou ponteando a tabela de tempos, mesmo tendo utilizado um jogo de pneus velhos enquanto seus adversários desfrutavam da mais fresca e pura borracha Goodyear. O tempo foi tão bom que o segundo colocado, Johnny Herbert, só conseguiu 1m38s3. Mas o dia terminou mal.

Quando faltavam poucos minutos para o fim da sessão, Roberto decidiu voltar à pista para tentar melhorar seu tempo. Foi quando, na Prima di Lesmo, a asa traseira do seu Reynard se descolou sem razão aparente, o que fez o bólido rodopiar várias vezes e bater com alguma violência no guard-rail. Os mecânicos da Bromley correram em direção ao carro e encontraram Moreno desacordado. Tiraram-no e do cockpit e o transportaram até um hospital nas cercanias. Ele só acordou quando já estava na ambulância.

Prima di Lesmo, a curva de Monza onde Roberto Moreno sofreu um perigoso acidente em testes

Felizmente, não houve nada de grave. Após três horas em observação, Pupo acabou saindo do hospital por conta própria e seguiu viagem para Mônaco, onde acompanharia o Grande Prêmio de Fórmula 1 no próximo fim de semana. Estava todo dolorido, zonzo e com a cabeça latejando, mas a única grande consequência foi a destruição de seu carro.

Um acidente era basicamente tudo aquilo o que Moreno não precisava em 1988. A Bromley tinha de se virar como podia e apenas o apoio da Reynard via Rick Gorne permitia que a equipe continuasse existindo mesmo após uma desgraça dessas. Ao mesmo tempo, Roberto também fazia das tripas coração para sobreviver e sustentar uma família. Ele recebia um dinheirinho de Ron Salt, que dava para pagar algumas contas, comprar comida e só. Além disso, ele teve de escavar a poupança construída nos seus dias na Indy, entre 1985 e 1986. Não havia patrocínio, nem nada.

Dias depois, Moreno e a Bromley apareceram no acanhado e minúsculo circuito de Pembrey, no País de Gales. A equipe foi até lá para resolver o que fazer com a suspensão do Reynard. Os carros da marca utilizavam ajuste de pré-molas de oito voltas, o que conferia às molas um ponto de rigidez tamanho que elas só se moviam nas freadas. Isso obviamente compromete a estabilidade do carro, especialmente em pistas onduladas, como era o caso de Pau.

Moreno passou um dia inteiro em Pembrey testando um ajuste de molas mais macio para o Reynard. Ele e a equipe só ficaram satisfeitos quando os tempos do carro com suspensão macia ficaram parecidos com os tempos feitos com suspensão dura. Após isso, Roberto ainda fez mais algumas voltas apenas por efeito de comparação e concluiu que, sim, a Bromley havia conseguido um acerto que não demandava muita carga nas pré-molas. Próxima parada: Pau. Não seja maldoso, seu bastardo de mente suja.

Mesmo com todo este esforço, Roberto Moreno sabia que sua temporada estava chegando ao fim. O Grande Prêmio de Pau, corrida análoga à de Mônaco em charme e história, seria a última que seu minúsculo orçamento do início do ano permitiria. A partir dali, ele só conseguiria prosseguir se encontrasse petróleo em casa. Ou se vencesse a corrida, que seria realizada no dia 23 de maio.

E o cara não poderia começar melhor o fim de semana: pole-position absoluta, com o tempo de 1m10s86. Na verdade, o resultado nem era tão inesperado, já que Pau era um dos circuitos favoritos de Roberto Moreno. Além do mais, seu retrospecto por lá era bom: no ano anterior, ele só não ganhou a corrida por causa de uma estúpida pane seca. Em 1988, as coisas seriam diferentes. Mas nem mesmo esta excelente performance foi tão tranqüila, muito pelo contrário.

Pelo que se lembra Moreno, ele diz que não conseguiu andar muito nos treinos livres. O fato é que o carro não estava bom e havia o risco dele ficar de fora da corrida. Roberto deu uma, duas voltas e voltou para os pits. Reclamou com Gary Anderson sobre o fato do carro estar saindo de frente na curva do Parque, um enorme trecho feito à direita em alta velocidade. Anderson não gostou, pois achava que Moreno tinha de aquecer os pneus e um par de voltas não era o suficiente para dizer se o carro estava bom ou não. Volta lá e faz seu trabalho!

Roberto Moreno retornou à pista. Deu uma única volta e retornou aos pits. Não, não dá mesmo. Gary ficou irritadíssimo. E se irritou ainda mais quando Moreno pediu para que ele voltasse a deixar a suspensão dura, do jeito que estava antes de Pembrey. O engenheiro não admitia que um dia inteiro de trabalho em Gales poderia ser jogado fora após um feedback negativo obtido em apenas três voltas. Os dois discutiram um bocado e Moreno ameaçou ir embora se o carro não ficasse do jeito que ele queria. Depois do litígio, os dois entraram em um acordo: Anderson só faria metade do acerto que Moreno queria.

Roberto Moreno

O piloto voltou à pista, deu uma volta e retornou aos pits. Ao chegar lá, Anderson foi agressivo: o que foi agora, porra? Roberto reportou que o carro melhorou, mas precisava de mais sobrecarga nas molas. Gary ficou ainda mais nervoso e os dois brigaram, mas o teimoso engenheiro inglês enfim concedeu. Moreno prometeu que não andaria no traçado do meio, que é onde a pista era mais alta e raspava no assoalho do carro. Ele só utilizaria as linhas da direita ou da esquerda.

Roberto voltou à pista, deu mais uma volta e retornou aos boxes. Quase se descabelando, Anderson perguntou qual era o problema. Pupo apenas comentou que o carro finalmente ficou bom e que só precisava de pneus novos para fazer um tempo bom. Com nova borracha, o piloto brasileiro voltou à pista, fez uma volta sensacional e arrancou o tal 1m10s86 do cronômetro. Era sua última volta antes da bandeirada. Gary Anderson ficou de queixo caído. A partir daí, o inglês passou a confiar cegamente nas opiniões de Roberto Moreno.

Vamos à corrida. Moreno largou bem e simplesmente desapareceu na liderança. Chegou a abrir um segundo por volta em determinados momentos e completou as 72 voltas com uma vantagem de 22 segundos para o segundo colocado, Jean Alesi. A diferença só não foi maior porque ele quase se envolveu em um acidente com o retardatário Pierre Chauvet, que havia batido logo à sua frente. O contratempo suprimiu nove segundos de sua vantagem, mas não acabou com sua corrida. Todo mundo ficou boquiaberto. O ex-piloto James Hunt, que estava cobrindo a corrida para uma televisão inglesa, comentou que havia se impressionado com a precisão com a qual Moreno completava as curvas. Um elogio vindo de um campeão de Fórmula 1 nunca é ruim, não é?

A vitória rendeu cinco mil dólares a Roberto Moreno. A Bromley Motorsport ficou extasiada. Além de seu piloto estar ocupando a liderança isolada do campeonato, o dinheirinho ganho poderia até mesmo financiar mais uma corrida. Sabe como é, a sede da Bromley não ficava tão distante do circuito e uma corrida a mais ou a menos não faria muita diferença. Com isso, o mais batalhador dos pilotos brasileiros conseguiu garantir sua participação no International Trophy, a ser realizado em Silverstone no dia 5 de junho.

Silverstone, como você sabe, costuma ter muito contato com água. Muita água. O pior é que a chuva aparece de modo irregular, podendo surgir do nada em alguns minutos e desaparecer pouco depois. Os pilotos de numeração ímpar, que entravam antes na pista, puderam treinar em pista seca e Bertrand Gachot fez uma pole-position na casa de 1m19s6. Quando os pilotos de numeração par vieram à pista, a chuva desabou com força. Roberto Moreno foi o mais rápido, mas só conseguiu andar na casa de 1m26s4, dois segundos mais lento do que o último da turma ímpar. O brasileiro acabou largando da segunda posição.

No warm-up (sim, as corridas de Fórmula 3000 das antigas tinham sessões de warm-up!), Moreno quis tentar uma tática diferente. O senso comum diz que o ideal em Silverstone é utilizar o mínimo de asa traseira possível, pois o circuito é basicamente uma sucessão de retas. Pois Roberto preferiu colocar bastante asa para ser mais rápido nas curvas de alta, o que até compensaria uma possível perda de velocidade na reta. Gary Anderson não parecia muito confiante, mas acatou e fez os ajustes. O carro ficou muito rápido e a tática funcionou.

Moreno não demorou mais do que três voltas para ultrapassar o pole-position Gachot. A partir daí, ele começou a bater o recorde da pista a cada volta completada. Após 42 passagens, Roberto obteve sua segunda vitória consecutiva na temporada, com uma vantagem de quase 22 segundos para Gachot. Sua pilotagem havia sido magistral e cirúrgica a ponto dele ter obtido a melhor volta da corrida na bandeirada! E ela foi seis décimos mais rápida do que a segunda volta mais rápida. Mais cinco mil dólares para a conta do brasileiro.

Já ouviu falar da Autosport? Ela é tipo tudo aquilo que eu gostaria que este blog fosse. Logo após a vitória de Silverstone, a capa da revista, simplesmente a mais importante do planeta desde 1900 e Jack Brabham, estampou uma enorme foto daquele Reynard vergonhosamente despido de patrocínio e a manchete “Moreno’s Double”. Sim, era ridículo o fato do cara que liderava o segundo campeonato mais caro e difícil da Europa com nove pontos de vantagem para o vice-líder ainda não ter apoio algum.

Embalado pela seqüência de vitórias e pelo apoio da mídia inglesa, Ron Salt decidiu financiar mais uma corrida para Roberto Moreno. Ela seria realizada no absurdamente veloz autódromo de Monza no dia 26 de junho.

Roberto Moreno e seu Reynard-Cosworth sem patrocinadores

No ano passado, durante a pré-temporada, falei sobre o título de Christian Fittipaldi na Fórmula 3000 Internacional em 1991. Você pode ver os dois artigos aqui e aqui. Nestes dias encharcados de chuva e áridos de assunto, resta a este diletante escrever sobre o passado. Você conhecerá alguns detalhes sobre o título do calvo, simpático e sofredor Roberto Pupo Moreno na mesma Fórmula 3000 Internacional em 1988, o ano em que Henfil, Seu Madruga e Enzo Ferrari deram lugar neste vasto mundo a mim.

Muitos de vocês sabem que Roberto Moreno, trabalhando atualmente como empresário de jovens pilotos, foi campeão da categoria há vinte e quatro anos. Muitos de vocês sabem que ele ralou muito para chegar lá. Muitos de vocês sabem que ele não tinha patrocinador, sorte e cabelo. Pois eu mergulho de cabeça nos detalhes mais sórdidos e interessantes de uma das melhores temporadas que um piloto brasileiro já fez na Europa.

Fevereiro de 1988. Prestes a completar 29 anos, Roberto Pupo Moreno estava no Brasil exercitando seu franzino físico para a temporada de Fórmula 1 que começaria em abril. Moreno estava feliz e tranquilo. Após quase uma década de trabalho duro, idas e vindas, ele parecia ter finalmente conseguido uma sólida vaga de titular na Fórmula 1. É claro que a literalmente garageira AGS não era a melhor escuderia do planeta, talvez nem mesmo a melhor da vila de Gonfaron, mas tratava-se de um enorme privilégio para um piloto que não tinha dinheiro nem para a condução de volta.

Verdade seja dita, Roberto Moreno só se garantiu porque empreendeu alguns pequenos milagres na AGS. O suado ponto no Grande Prêmio da Austrália de 1987 foi apenas um deles. O outro foi acertar o carro que vinha sendo pilotado burocraticamente pelo francês Pascal Fabre até então. Graças aos seus conselhos, o tenebroso JH22 ganhou cerca de quatro segundos em apenas alguns quilômetros de testes.

O currículo de Moreno também chamava a atenção. Em 1987, ele terminou a temporada de Fórmula 3000 em terceiro, mas isso só aconteceu porque seu carro teve problemas em várias ocasiões enquanto ele liderava. Ganhou uma em Enna-Pergusa em alto estilo, saindo da oitava posição até a primeira ultrapassando todos os seus concorrentes sem dó. Fora isso, ele já havia sido vice-campeão de Fórmula 2 e teve também uma passagem bastante razoável na Indy. O que mais faltava para ele correr na Fórmula 1?

Dinheiro. Moreno só disputou a Fórmula 3000 em 1987 porque sua equipe, a Ralt Racing, tinha o apoio oficial da Honda e dispunha de verba o suficiente para poder empregar pilotos sem ter de mendigar patrocinadores. Na AGS, o carioca garantiu a vaga por meio do apoio da grife El Charro, que financiava toda a estrutura e ainda enfeava o bólido com uma nauseabunda pintura vermelha e branca. A casa começou a cair quando a El Charro decidiu pular fora da canoa furada da AGS.

Durante o mês de janeiro de 1988, Moreno esteve em sua casa no Brasil e estranhou o fato de ninguém da AGS ter ligado para falar qualquer coisa. As coisas permaneceram iguais em fevereiro e ele decidiu ligar para Henri Julien, o dono da equipe. Soturno, Julien disse que Roberto deveria voar para a França urgentemente para conversar. Até mesmo a passagem aérea o chefe custearia. Preocupado, Moreno viajou para a Europa apenas para receber a péssima notícia.

Moreno deveria ter corrido pela AGS em 1988...

Seu contrato com a AGS para 1988 teve de ser cancelado. A equipe passava por sérias dificuldades financeiras, não tinha um grande patrocinador e precisava de alguém que trouxesse dinheiro para a estrutura, que só contaria com oito pessoas. No dia 17 de fevereiro, o francês Philippe Streiff foi anunciado como seu substituto. Streiff, que já havia competido pela equipe nos tempos da Fórmula 2 e da Fórmula 3000, retornava com os francos da Elf, da água mineral Tennen e da construtora Bouygues. Fora isso, ele já tinha razoável experiência na Fórmula 1 e era um filho da França.

Moreno acabou voltando à estaca zero. Faltava pouco mais de um mês e meio para o início do campeonato e as vagas estavam quase todas fechadas. Havia ainda uma na Tyrrell, disputada por um batalhão de gente. No fim, quem pegou esta última vaga foi uma zebra, o inglês Julian Bailey, que vendeu boa parte do seu patrimônio pessoal apenas para comprar o lugar. O anúncio da contratação de Bailey foi feito no dia 3 de março. Isso significava que Roberto Moreno, salvo algum milagre ou desastre alheio ocorresse, estava fora da temporada de 1988 da Fórmula 1. A filhinha Andressa não poderia ter nascido em uma época mais difícil, não?

O que fazer agora? Março de 1988 foi um dos meses mais alucinados da carreira de Roberto Pupo Moreno. Em uma antiga entrevista para o Grande Prêmio, ele detalhou bem como foi esta fase. Portanto, faço um resumo aqui. Moreno não deixou o sonho da Fórmula 1 de lado. Aos 29 anos recém-completados, ele ainda acreditava que poderia fazer mais um ano na base. Portanto, que venha mais uma temporada na Fórmula 3000 Internacional!

Roberto seguiu para a Inglaterra e foi atrás das equipes da categoria, que se concentravam por lá. Ele já havia feito dezesseis provas nos últimos três anos e os donos de equipe gostavam muito de seu trabalho. O problema é que, naquela altura, boa parte das melhores vagas já estava fechada. A Fórmula 3000 teria quase quarenta carros inscritos em 1988, mas a grande maioria deles já tinha dono. O heroico brasileiro teria de correr se quisesse se garantir.

Havia três equipes que pareciam interessadas. Juro que sabia o nome de uma, mas meu cérebro estúpido não colabora e eu fico devendo. Pupo foi à primeira: perda de tempo, talvez por exigir valores insensatos. Depois, foi à segunda: quase deu certo. A terceira era a Bromley Motorsport.

Bromley? Pelo que eu entendi, a Bromley Motorsport era o braço esportivo da Bromley Meats, um frigorífico inglês. Não tenho informações maiores sobre isso, então permaneço com esta versão. Sediada na cidade britânica de Litchfield, a Bromley foi criada por gente da antiga Fórmula 5000. Ela disputava a Fórmula 3000 desde 1986 e nunca havia conseguido resultados muito relevantes. Em compensação, poderia se orgulhar de ter empregado nomes como Volker Weidler e Eliseo Salazar, se é que dá para se orgulhar disso.

O relacionamento entre Moreno e a Bromley havia começado em 1986. Naquele ano, o brasileiro estava disputando sua segunda temporada na Indy pela Galles, mas ainda pensava na Fórmula 1. Ao mesmo tempo, a Bromley estava insatisfeita com Volker Weidler, que não estava andando bem e ainda não pagava o suficiente. Pouco antes da etapa de Birmingham, Moreno e o dono da Bromley, Ron Salt, conversaram e fizeram um acordo no qual o brasileiro disputaria apenas aquela corrida, que seria a primeira realizada em uma pista de rua na história da Inglaterra. Afinal de contas, o carequinha precisava terminar a temporada da Indy.

... mas o carro acabou ficando com Philippe Streiff

Moreno deu as caras, bateu forte de traseira em um dos treinos, lesionou as costas, conseguiu classificar-se para a largada, passeou com seu Ralt nas ruas encharcadas de Birmingham e terminou em décimo. O melhor, no entanto, foi ter batido um papo com seu ex-chefe de equipe Ron Tauranac, que era dono da Ralt. Surpreso com o retorno do brasileiro à Europa, Tauranac decidiu dar-lhe uma oportunidade para voltar a correr na Fórmula 3000 em 1987. Mesmo assim, o bom relacionamento com a Bromley foi mantido.

Voltando a 1988, Roberto Moreno apostava em dois trunfos nas negociações com a Bromley. O primeiro, óbvio, era o seu relacionamento prévio com a equipe. O segundo era Gary Anderson, diretor técnico da equipe. Vocês conhecem este nome, que chegou a ser um dos astros da Stewart na temporada de 1999 na Fórmula 1. Anderson havia trabalhado com Roberto Moreno na Indy e os dois foram juntos àquela corrida de Birmingham. Só que ao contrário do brasileiro, o engenheiro acabou permanecendo por lá, pois não estava disposto a continuar longe do seu Reino Unido para conviver com os obesos ianques.

A Bromley estava interessadíssima em contar com Moreno, que também não achava ruim correr para eles novamente. O que pegava era o dinheiro, como sempre. A equipe inglesa era minúscula: havia o chefe Ron Salt, o engenheiro Gary Anderson, dois mecânicos, um caminhão e o motorista do caminhão. Só. A título de comparação, uma equipe de ponta chegava a contar com vinte funcionários. A verdade é que a estrutura não passava de uma coisa entre amigos.

Anderson era o elemento mais interessado em Moreno na equipe. Ele convenceu Ron Salt de que o brasileiro era a melhor opção para a equipe naquele momento. Só que Salt não podia se dar ao luxo de gastar dinheiro com um cara que já tinha currículo para exibir e família para alimentar. Então, o chefão propôs o seguinte: o piloto brasileiro não precisaria arcar com nada, algo notável em se tratando de uma categoria que costumava pedir cerca de um milhão de dólares por uma vaga em uma equipe boa. No entanto, ele também não receberia salário. Além disso, o acordo valeria apenas para as três primeiras corridas do campeonato, Jerez, Vallelunga e Pau. Por fim, mas não menos pior, Roberto Moreno seria encarregado de arranjar um carro e um motor.

É sério isso? Sim, era. Mas como Moreno arranjaria um carro completo tão rapidamente se ele não tinha dinheiro nem para o almoço? Sei lá. Gary Anderson confiava nos contatos e na inteligência de Roberto Moreno e achava que ele não teria dificuldades. Sem grandes escolhas, Pupo acabou aceitando todas as condições e correu atrás do que haviam lhe pedido.

Moreno bateu à porta da Ralt, uma das construtoras de chassis da Fórmula 3000 naquela época. Como ele havia corrido para a equipe oficial dela em 1987, achava que não teria grandes problemas para conseguir um carro. Mas a Ralt negou, pois a Bromley já havia feito uma encomenda poucos dias antes e como ela não tinha dinheiro sequer para esta encomenda, a manufatureira preferiu não arriscar a entregar um carro ao ainda mais pobre Moreno, que tentava conseguir o carro sem ter de pagar nada nos primeiros momentos.

Depois, Roberto foi a uma outra fabricante de chassis, mas eu não consegui descobrir qual. Ela até aceitou as condições bizarras do brasileiro e disse que poderia fornecer o chassi, mas só teria um disponível a partir da quinta etapa. Perder um terço do campeonato não valia a pena, então Roberto desistiu da conversa. Em seguida, foi à Reynard.

Primeira vez que Moreno correu com a Bromley: Birmingham, 1986

Em 1988, a Reynard estava debutando na Fórmula 3000 Internacional como fabricante de chassis. Naqueles belos e empoeirados tempos, as categorias de base permitiam a concorrência livre de chassis e motores. As então dominantes March, Lola e Ralt teriam na manufatureira de Adrian Reynard, que havia dominado todos os campeonatos menores até então, uma perigosíssima concorrente. Seu primeiro carro para a Fórmula 3000, o 88D, tinha um desenho bem mais moderno do que os bólidos dos concorrentes, que pareciam carregar tendências do passado. Ele foi desenvolvido por Adrian Reynard e Malcolm Oastler sobre a base do seu consagrado carro de Fórmula 3. Devido ao bom projeto e aos custos relativamente baixos, o 88D foi bem requisitado por várias equipes.

Moreno entrou na fábrica da Reynard e deu de cara com um 88D novinho em folha. Ele já tinha destino marcado: a Eddie Jordan Racing, que viria com uma estrutura de ponta para a temporada de 1988. Ele chegou e pediu um carro novo diretamente ao dono, Adrian Reynard. O britânico, obviamente, negou. Não compensava à fábrica produzir mais um carro, o que representaria mais gastos e provavelmente não mudaria muita coisa em termos de resultados, ainda mais em se tratando de uma equipe pobre como a Bromley. Não e ponto final.

Pupo saiu da fábrica desconsolado. Chorou um bocado, entrou no carro, parou em uma cabine telefônica, ligou para a Bromley e disse que havia fracassado. A equipe, que também estava correndo sérios riscos, disse para ele dar um jeito e tentar outra solução. Moreno, então, decidiu voltar à Reynard. Comprou um casaco, passou a noite dentro de um carro e retornou à fábrica de Adrian Reynard no dia seguinte. Desta vez, ele teria um plano diferente.

Roberto queria falar com o representante de vendas, Rick Gorne. Ele foi bem recebido, chegou batendo a mão na mesa e fez a proposta sem delongas: quero comprar um carro. Animado, Gorne iniciou uma longa conversa e as negociações fluíram sem dificuldades. No final da reunião, o funcionário perguntou como seria feito o pagamento. “Não tenho dinheiro”, respondeu um constrangido Roberto Moreno.

Como é? Então você me fez perder toda a tarde negociando para dizer que não tinha um puto? Và à merda, brasileiro caloteiro! Pouco tempo antes, o então presidente José Sarney havia decretado moratória e a imagem do país não era lá das melhores. Moreno voltou à sala de espera, pensou um pouco e retornou à sala de negócios. “Tenho uma saída”.

Ligou para um certo amigo no Brasil que havia acabado de ser tricampeão do mundo e explicou a ele toda a situação: a perda de um lugar certo na Fórmula 1, o retorno à Fórmula 3000, a necessidade dele mesmo arranjar um carro e um motor para sua equipe e a total pindaíba. O tal amigo pediu para falar com Rick Gorne, os dois trocaram algumas palavras e o inglês turrão desligou o telefone minutos depois. OK, por 50 mil dólares, você pode levar o carro. Ufa! O que Gorne não sabia é que Moreno pretendia disputar apenas três corridas.

PS: As intervenções em negrito foram feitas por Moreno. Ele fez outras também, mas elas ficarão para a entrevista.

Não, não tem nada de Norio Matsubara ou Sandro Tannuri aqui. Nessa semana, tivemos uma rara boa notícia para o automobilismo nacional: o paulista João Paulo de Oliveira, 30, foi anunciado como piloto da Conquest na etapa de Motegi da Fórmula Indy. Ele substitui o colombiano Sebastian Saavedra, que ficou sem patrocínio e terá de arranjar mais dinheiro dos cartéis se quiser retornar ao automobilismo.

João Paulo é um desses casos bem desagradáveis de pilotos que não possuem o menor reconhecimento em sua terra natal, tendo enormes dificuldades para angariar patrocínio por aqui e sendo obrigados a direcionar suas carreiras a outras praças. No seu caso, nem mesmo os títulos da classe Light da Fórmula 3 sul-americana em 1999 e da Fórmula 3 alemã  em 2003 lhe ajudaram a construir uma carreira sólida na Europa. Em 2004, ele foi obrigado a se mudar para o Japão para seguir em frente sem ter de mendigar patrocínio. Ganhou títulos na Fórmula 3 japonesa em 2005 e na Fórmula Nippon no ano passado. É respeitado por lá e ganha dinheiro, mas quem dá bola por aqui?

Imagino eu que João Paulo de Oliveira seja o piloto brasileiro que mais fez sucesso no automobilismo nipônico. Mas é óbvio que ele não é o primeiro. O Top Cinq de hoje comenta sobre cinco tupiniquins que perceberam que construir a vida na Terra do Sol Nascente poderia ser bem interessante e lucrativo. Os japoneses são devotos da competência e do bom trabalho, além de não serem muito encanados com esse negócio de politicagem. Apesar de a economia local estar longe de seus melhores dias, do povo ser meio demasiado obcecado e fechado e da comida ser abominável para quem não está acostumado, o Japão ainda é um lugar bacana para muita gente.

5- ROBERTO MORENO

Roberto Pupo Moreno, aquele conhecido por trocar de categoria como mulher troca de absorvente, já deu suas bicadas no Japão. Entre 1984 e 1985, o brasileiro disputou algumas etapas da Fórmula 2 local. Mas como ele foi parar lá?

Em 1984, Moreno corria na Fórmula 2 Européia pela Ralt Racing, a melhor equipe do automobilismo de base daquela época. Os carros da Ralt eram equipados com motores Honda, e aí você não precisa ser muito criativo para deduzir que a montadora deve ter dado aquela força para a equipe disputar alguma corrida de Fórmula 2 no Japão. Como os pilotos da Ralt, Mike Thackwell e Moreno, haviam terminado o campeonato europeu nas duas primeiras posições, não custava nada disputar a última etapa da temporada japonesa, a ser realizada em Suzuka no dia 4 de novembro.

E lá foram os ocidentais da Ralt disputar freadas com a japonesada. Moreno, sempre muito versátil, marcou a pole-position e mostrou que sabia acelerar em qualquer lugar. Na corrida, o brasileiro perdeu posições para o campeão Satoru Nakajima e para Stefan Johansson, que também disputava aquela corrida só por diversão. Ainda assim, manteve-se no pódio, duas posições à frente do companheiro Thackwell.

No ano seguinte, Roberto Moreno voltou ao Japão para disputar mais etapas da Fórmula 2 do país. Desta vez, ele teve de exercer esta opção por pura questão de sobrevivência. Seus planos de correr na Toleman haviam dado errado e sua equipe de Fórmula 3000 havia desistido após apenas quatro corridas. Ele já estava disputando a Indy, mas queria fazer o maior número de corridas possível e assinou com a Advan Sports para disputar cinco corridas da Fórmula 2 japonesa. Seu melhor resultado foi um belo segundo lugar em uma corrida chuvosa em Suzuka. No fim, terminou com 21 pontos e a 11ª posição. Não foi o resultado dos sonhos, mas para alguém que também tinha corrido, no mesmo ano, na Indy e na Fórmula 3000 da Europa, estava bom demais.

4- FÁBIO CARBONE

No fim de 2003, o paulistano Fábio Carbone estava meio perdido na vida. Contemporâneo de Felipe Massa na Fórmula Chevrolet, ele já estava no automobilismo base havia algum tempo e, mesmo tendo bastante talento, tinha enormes dificuldades para conseguir engrenar a carreira. Naquele ano, ele havia competido na Fórmula 3 Euroseries e até chegou a vencer uma corrida em Pau, mas não teve o cacife necessário para subir para a Fórmula 3000 ou a World Series by Nissan.

Mas eis que surge a oportunidade de correr no Japão em 2004. Para um ocidental de olhos bem abertos, a vida pode ser bastante mansa por lá: não há necessidade de levar um grande patrocinador, a chance de amealhar algum dinheiro é bastante alta e os nipônicos respeitam muito os pilotos de fora. Carbone assinou com a Three Bond, uma equipe apenas mediana, para disputar todas as corridas da Fórmula 3 japonesa. Para sua infelicidade, a Three Bond não era exatamente a melhor equipe do grid e o brasileiro só conseguiu terminar em oitavo na classificação final. Conseguiu, como melhor resultado, uma vitória em Motegi.

Em 2005, Fábio Carbone recebeu um convite para voltar para a Europa e disputar uma segunda temporada na Fórmula 3 Euroseries. Não foi lá um grande ano e ele decidiu voltar para o Japão em 2006 para, novamente, correr na Fórmula 3 de lá pela mesma Three Bond. Mais experiente, ele conseguiu vencer duas corridas e terminar em quarto. De quebra, descolou um contrato para correr na Super GT, provavelmente o campeonato automobilístico mais importante e lucrativo do país. Fez vinte pontinhos e embolsou alguns bons ienes.

No ano seguinte, Carbone decidiu levar a sério a Super GT e também assinou com a Dandelion para correr na Fórmula Nippon. Disputando as duas categorias mais importantes do Japão, ele pôde conseguir todo o dinheiro e o prestígio que teimava em não vir no Ocidente. No campeonato de GT, ele foi bem e terminou o ano como vice-campeão, com uma vitória em Fuji. Na Fórmula Nippon, a vida foi mais complicada e ele fez apenas três pontos.

Em 2008, Carbone recebeu um bom convite para disputar a World Series by Renault pela forte Ultimate Signature e abandonou, de vez, o sonho japonês.

3- ROBERTO STREIT

Último campeão da Fórmula Chevrolet no Brasil, o carioca Roberto Streit foi outro piloto que simplesmente se cansou de passar tanto tempo pulando de uma categoria de base para outra na Europa sem conseguir nenhum avanço real. Em 2004, ele chegou a ser integrado ao programa de jovens pilotos da Toyota, mas nunca foi o queridinho da montadora. Naquele ano, só passou sufoco na competitiva Fórmula 3 Euroseries. O que fazer?

Streit decidiu utilizar seus bons contatos na Toyota para migrar para o Japão. Em 2005, ele assinou com a Inging Motorsport para disputar a Fórmula 3 de lá. Pelo visto, o relacionamento do piloto brasileiro com a equipe foi ótimo, já que ele ficou por lá durante quatro anos. Até 2007, Streit permaneceu competindo na Fórmula 3. Foi vice-campeão em 2006 e 2007, obteve onze vitórias, sete poles e muita moral perante os japoneses. Antes de João Paulo de Oliveira, era o piloto brasileiro de maior sucesso no Japão em termos numéricos.

Em 2008, ainda com a Inging, Streit subiu para a Fórmula Nippon. A categoria é meio cruel com os estreantes, já que o carro é muito mais veloz do que os humildes bólidos da Fórmula 3. Mesmo assim, Roberto conseguiu um pódio e terminou o ano em 13º. Além disso, ele fez também uma corrida na Super GT e obteve um ótimo sexto lugar. É um bom piloto, o Streit. Muito subestimado, mas bom. Sua maior cagada foi ter causado um violento acidente na largada do Grande Prêmio de Macau da Fórmula 3 em 2008. Os comentaristas ingleses, ignorando a boa carreira de Roberto na Ásia, não se furtaram em chamá-lo impiedosamente de “Stupid Streit” e sua imagem ficou bastante manchada no Velho Continente. O imediatismo europeu é assustador.

2- MAURIZIO SANDRO SALA

Quem diria que a guerra interna entre Nelson Piquet e Nigel Mansell na Williams acabaria prejudicando indiretamente um jovem piloto brasileiro? Em 1986, o paulistano Maurizio Sandro Sala disputava a Fórmula 3 britânica com enorme êxito, tendo vencido cinco corridas e obtido o vice-campeonato. Um belo resultado, se não fosse por um pequeno detalhe: Sala estava sendo praticamente boicotado pela imprensa britânica e pela própria equipe, a Eddie Jordan Racing, todos refletindo o duelo Brasil x Inglaterra da Fórmula 1 nas categorias menores. Os jornalistas cobriam o piloto com críticas infundadas e sua equipe preferiu concentrar todos os esforços no inglês Andy Wallace, que acabou como o campeão.

Sala não tinha mais qualquer ânimo para permanecer na Europa e aceitou de bom grado o convite que a Nissan o fez para disputar a Fórmula 3 japonesa em 1987. O que parecia ser uma decisão apenas provisória, visando esperar a poeira inglesa baixar um pouco, acabou se mostrando uma excelente alternativa em termos esportivos e financeiros. Maurizio até chegou a disputar algumas corridas na Europa, mas concentrou sua carreira no Japão até 1992.

Em 1987, Sala só disputou metade das corridas: em Tsukuba, durante os treinos, um japonês aloprado saiu da pista, voltou de marcha à ré para o traçado e atingiu em cheio o carro do brasileiro, que teve algumas costelas estouradas e o pulmão perfurado. Mesmo assim, terminou a temporada em sétimo, tendo mostrado ótimo desempenho. No ano seguinte, Maurizio permaneceu na Fórmula 3, ganhou duas corridas e terminou em terceiro. Ao mesmo tempo, ele também vinha disputando o Campeonato Japonês de Protótipos, tendo vencido os 500 Quilômetros de Suzuka com um Porsche 962C em 1988.

Infelizmente, esta foi sua melhor temporada no Japão. Nos quatro anos seguintes, Maurizio Sandro Sala permaneceu no Campeonato Japonês de Protótipos e competiu também na Fórmula 3000 Japonesa. Não ganhou corridas, já que raramente dispunha de equipamento razoável, mas fez seu dinheiro e conquistou o respeito de todos por lá. E engana-se redondamente quem acha que ele havia perdido suas qualidades lá no Japão. Em 1995, disputando o competitivo Global GT Championship na Europa, Sala ganhou cinco corridas com um McLaren F1 GTR e terminou a temporada em sexto. Quem é rei nunca perde a majestade.

1- PAULO CARCASCI

Antes de João Paulo de Oliveira, o Brasil contabilizava apenas um único título nos campeonatos de monopostos no Japão. O responsável pelo feito foi o paulista Paulo Carcasci, que venceu o campeonato de Fórmula 3 do país em 1991. A carreira de Carcasci não foi a mais longa entre todos os brasileiros e, numericamente, também não foi a mais impressionante. Mas o que importa é o título.

Carcasci é mais um desses muitos brasileiros bons de braço que se aventuram no automobilismo internacional dos anos 80 sem dinheiro.  Em 1985, ganhou o título europeu da Fórmula Ford 1.600. Três anos depois, abocanhou o título inglês da Fórmula Ford 2.000. Depois disso, as coisas se complicaram um pouco e Paulo alternou sua carreira na Fórmula 3, na Fórmula 3000 Britânica, na Fórmula Opel e na Fórmula Renault. Chegou a ganhar algumas corridas, entre elas a prestigiosa Gold Cup de Outlon Park na Fórmula 3000 em 1989, mas nunca conseguiu se estabelecer como um real candidato à Fórmula 1. Faltava dinheiro.

O que salvou a carreira de Carcasci foi seu vínculo com a Toyota. Em 1990, ele trabalhou como piloto de testes dos motores de Fórmula 3 da marca na Inglaterra e agradou bastante o pessoal do arquipélago. A equipe oficial da Toyota na Fórmula 3 japonesa, a Tom’s, decidiu lhe entregar um carro para disputar a temporada de 1991 da categoria. Carcasci não desagradou, ganhou as três primeiras corridas do campeonato, administrou a vantagem a partir daí e sacramentou o título com uma vitória em Sugo, fechando o ano com 42 pontos. Paulo disputou também a Fórmula 3000 local, mas só por diversão: a prioridade era ganhar a categoria menor.

Nos dois anos seguintes, Carcasci disputou a Fórmula 3000 japonesa pela Navi Connection. Em 1992, ganhou uma corrida em Fuji e terminou a temporada em 11º. As coisas ficaram um pouco mais difíceis no ano seguinte, quando ele conseguiu apenas um pódio em Mine. Foi seu último ano no Japão. Em 1994, ele até pretendia seguir na categoria, mas uma grave crise econômica no país afetou drasticamente todo o automobilismo e muitos acabaram ficando desempregados. Mas a carreira de Paulo Carcasci não acabou aí. Ele passou pela Indy Lights, quase arranjou um contrato para correr na Fórmula 1 pela Pacific em 1995 e, hoje em dia, é piloto profissional de kart e empresário no Brasil.

Como les mademoiselles et monsieus sabem, a Hispania é minha equipe favorita. Minha relação com ela é peculiar. É como se eu tivesse uma coleção de carros da Maserati, da Mercedes, da BMW e da Audi, mas gostasse mais daquele velho e abandonado Monza 85 abandonado no fundo do galpão. As pessoas entram, ficam maravilhadas com o Quattroporte Evoluzione e com o Série 7 e me perguntam, incrédulas, o motivo pelo qual gosto tanto daquele Monza empoeirado. Respondo que tenho apreço por tudo aquilo que é esquecido, injustiçado ou ignorado pelas pessoas comuns. Alguns mais simpáticos pensam que sou apenas um sujeito estranho e excêntrico. Outros pensam que não é nada disso e que só faço isso por graça e para parecer do contra. E alguns simplesmente acham que eu sou retardado e tenho mau gosto. E todos vão embora do galpão.

Enfim, mesmo achando o máximo a petulância de existir uma equipe como a Hispania em um ambiente tão perfeccionista e tão cheio de glamour como a Fórmula 1, dei uma risada de desprezo ao ver aquela fumaceira saindo da traseira do carro do Narain Karthikeyan no primeiro treino livre. Os mecânicos ligaram o motor, mas havia algo de errado no sistema de lubrificação. Tão logo o F111 começou a se movimentar, o óleo caiu nas partes quentes e o resultado foi aquele que todo mundo viu. Naquele instante, fiquei com vergonha da Hispania. Ser pobre não deve ser sinônimo de fazer papel de palhaço.

Durante os mais de sessenta anos de Fórmula 1, já vimos de tudo lá no fim do grid. Sejamos justos com algumas equipes pobres, mas limpinhas e organizadinhas. Estas, como a Larrousse e a Zakspeed, só faliram por pura falta de dinheiro. Outras, porém, escancaravam a falta de recursos com episódios dignos de críticas, vergonha ou até mesmo pena. Hoje, conto cinco histórias reais de puro sofrimento da ralé – porque a Fórmula 1 não é só dos bonitões.

5- REUTILIZAÇÃO DE PEÇAS VAGABUNDAS


Se não fosse o restritivo regulamento vigente, as equipes atuais nunca sequer sonhariam em reaproveitar peças. Para cortar custos, várias das partes devem apresentar vida útil de alguns fins de semana de corrida. Um motor ideal, por exemplo, deverá aguentar três etapas sem chiar. Uma caixa de câmbio deverá durar até mais. Fora isso, o que puder ser eliminado, será. Nem mesmo um mísero parafuso será poupado.

Em tempos não tão restritivos, as equipes maiores jogavam fora boa parte do carro utilizado em determinada corrida. Na corrida seguinte, apenas algumas poucas partes, geralmente relacionadas ao chassi, eram reutilizadas. Por isso, assustava muito ver que algumas equipes pequenas não tinham dinheiro para fabricar ou comprar peças novas. Sendo assim, para manter o carro andando, os mecânicos simplesmente recondicionavam as peças.

Nem falo de partes como o chassi, que era utilizado em dois, três ou quatro anos seguidos. A Coloni utilizou exatamente o mesmo chassi entre 1989 e 1991. O problema maior residia em peças descartáveis, sendo algumas diretamente ligadas à segurança do piloto. Em meados de 1990, a Monteverdi Grand Prix, que havia comprado a Onyx, estava numa pindaíba terrível. O ORE-2 utilizado pela equipe não era nada além de uma versão recauchutada do ORE-1 utilizado pela Onyx no ano anterior. E o pior é que quase todas as peças estavam sendo reutilizadas de uma corrida para outra.

Nos treinos de sábado para o GP da Hungria, o suíço Gregor Foitek rodopiou e ficou parado no meio da pista. Uma averiguação posterior concluiu que a causa da rodada foi uma fissura em um dos braços dianteiros esquerdos da suspensão. O mais grave é que a fissura havia sido causada por fadiga, o que deixou Karl Foitek, pai do piloto e um dos sócios da Monteverdi, possesso. Imediatamente após descobrir que seu filho pilotava carros que reutilizavam peças quebradas, Karl decidiu abandonar a sociedade e levou Gregor junto. Mas essa história não é pior do que aquela protagonizada por Perry McCarthy dois anos depois.

Em 1992, a Andrea Moda era a piada da temporada. O carro era simplesmente triste, os mecânicos trabalhavam muito e não ganhavam quase nada e o dono era um tremendo de um picareta criminoso. O inglês McCarthy, que era um dos pilotos, era praticamente uma figura indesejável na equipe, que queria trazer Enrico Bertaggia e suas liras para seu lugar. O descaso era tanto que, nos treinos oficiais do GP da Bélgica, a Andrea Moda descobriu que a barra de direção do carro de Roberto Moreno, o primeiro piloto, estava trincada. Então, os mecânicos simplesmente retiraram a tal barra e a colocaram no carro de McCarthy. Sem saber do ocorrido, o britânico foi à pista e quase protagonizou uma tragédia.

Na Eau Rouge, a barra de direção rachou de vez e o piloto se viu sem controle algum na curva mais perigosa do calendário. Após escapar e conseguir milagrosamente retornar à pista, McCarthy ainda conseguiu voltar aos pits lentamente. Por lá, descobriu o que aconteceu. Desnecessário dizer se ele ficou feliz ou não…

4- O CARRO QUE QUEBROU SOB O NARIZ DOS MECÂNICOS


Por incrível que pareça, a Andrea Moda conseguiu a proeza de assegurar lugar em quatro das cinco posições do Top Cinq de hoje. O S921, carro desenhado pelo estúdio Simtek e montado por alguns mecânicos abnegados, foi um dos carros mais ridículos já vistos em um fim de semana de Fórmula 1. Nem era tão feio, mas era absolutamente vagabundo.

Em Interlagos, após duas noites passadas em claro, os mecânicos conseguiram terminar um dos carros. Moreno, com cara de madrugada mal dormida, entrou no bólido negro e tentou tirá-lo do lugar. O S921 não obedeceu. Então, os pobres mecânicos tiveram de empurrá-lo por 50 metros. Enquanto isso, Roberto tentava dar um tranco para fazer o carro ligar. Oh, ele ligou! Palmas para a turma da Andrea Moda! De fato, os mecânicos da Benetton e da Jordan pararam seus afazeres para assistir ao show e realmente aplaudiram.

Moreno deu três voltas na pré-classificação até o carro quebrar. A lista de problemas era razoável: injeção de gasolina falha, sistemas elétricos que não funcionavam e alavanca de câmbio que simplesmente saiu na mão do piloto em dois momentos, entre outros. Pelo menos, o carro andou um pouco. Em Barcelona, nem isso.

Pobre Perry McCarthy. Depois de tanta burocracia para recuperar sua superlicença, tirada de suas mãos dois dias antes da Andrea Moda estrear em Interlagos, o inglês finalmente conseguiu um carro e uma permissão para pilotar um Fórmula 1. O circuito catalão de Montmeló seria o palco de seu debut. Mas qual?

Como falei acima, o S921 nº 35 deve ter sido o carro mais rejeitado e abandonado do mundo. Preocupados apenas em construir um bólido minimamente competitivo para Moreno, os mecânicos fizeram um trabalho porco qualquer para McCarthy. Quando ele tentou ligar o carro pela primeira vez, um pequeno incêndio se iniciou lá na parte traseira. Fogo apagado, Perry tenta ligar novamente. Dessa vez, o motor ligou e o carro pôde sair.

McCarthy esterça o carro para tirá-lo da garagem. Desequilibrado, o S921 quase bate na mureta dos pits, mas o piloto consegue controlá-lo. Só que o carro percorre míseros 18 metros antes do motor apagar de vez. Você não leu errado: 18 METROS! O suficiente para sair da área de pits e, portanto, impedi-lo de ser empurrado de volta para os boxes. Graças ao pequeno incêndio, as peças do motor não aguentaram mais do que alguns segundos de funcionamento. E a estreia de Perry McCarthy acabou aí.

3- ME EMPRESTA UMA XÍCARA DE FARINHA, VIZINHA?


Uma equipe minimamente competitiva de Fórmula 1 dispõe de dezenas de milhares de peças, podendo até abrir uma loja de autopeças. Como não estou falando das equipes grandes, o que você verá aqui é algo bem diferente disso. Assim como falei lá em cima, as equipes pequenas não dispõem de um significativo estoque de peças sobressalentes e são obrigadas a se virar nos trinta.

Em 1992, a italiana Fondmetal revelou como havia uma diferença abismal entre as equipes grandes e pequenas comparando o número de bandejas de motor que cada equipe dispunha. Enquanto a Williams dispunha de 200 para toda a temporada, a Fondmetal tinha de se virar com apenas seis! No início de 1995, a Forti Corse anunciou fazer a temporada inteira com apenas 16 milhões de dólares. No GP da Argentina, o piloto Pedro Paulo Diniz revelou que a equipe havia pedido para ele andar com o máximo de cautela possível, já que havia pouquíssimas peças sobressalentes e um acidente complicaria a participação da turma na categoria.

Quando não há como recondicionar peças usadas, o negócio é apelar para a piedade alheia. Há várias histórias de equipes pedindo coisas emprestadas de outras. Em 1989, a Coloni estava precisando de um jogo de molas para colocar no carro de Moreno durante determinado treino oficial. Então, o brasileiro deu um pulo nos boxes da Ferrari, equipe na qual ele trabalhou como piloto de testes no ano anterior, e pediu um jogo emprestado. Caridosos e montados na grana, os ferraristas emprestaram.

Pior ainda foi a Andrea Moda, sempre ela. A equipe deu as caras no GP do Canadá de 1992 sem um mísero motor para seus carros! A explicação oficial era absurda. Os dois motores Judd seriam embarcados em um voo transatlântico da British Airways que partiria da Inglaterra rumo ao Canadá. Uma tempestade teria cortado a rede elétrica da British Airways, o que impediu a decolagem do avião. Toda a carga teve de ser retirada, mas como a eletricidade estava cortada e o banco de dados com as informações sobre o peso da carga não estava acessível, os funcionários da empresa estavam receosos de sobrecarregar o avião. E escolheram deixar para trás justamente os pobres motores da Andrea Moda!

História para boi dormir. Posteriormente, Andrea Sassetti acusou a MSAS, empresa contratada pela Fórmula 1 para realizar o frete dos equipamentos para corridas realizadas fora da Europa, de cobrar adiantado um preço até sete vezes maior do que o preço normal de outras empresas. Mas as conversas que rolavam no paddock diziam que não havia problema logístico algum. A Andrea Moda simplesmente não pagou suas dívidas à Judd e ficou sem motores.

O que se podia fazer, então? Os mecânicos foram atrás dos colegas da igualmente pobre Brabham e imploraram por um motor Judd V10 que estivesse encostado. Generosa, a Brabham liberou uma única unidade, que foi instalada no carro de Moreno, o que deixou McCarthy a pé novamente. Moreno deu algumas voltas e ficou a 14 segundos do penúltimo colocado da pré-classificação.

2- DESCONFORTO E VAQUINHA


Mesmo o mais chulé dos mecânicos voa em primeira classe, dorme em uma cama king size, toma um café da manhã de rei, não precisa arrumar a cama e pode levar sua(s) prostituta(s) para o quarto sem passar vergonha. Essa é a realidade da turma da Fórmula 1, que viaja sempre pela primeira classe das melhores companhias e se hospeda nos melhores hotéis de cada país. E o melhor: tudo é sempre pago pelas equipes. Além do salário, você leva uma vida de príncipe em um fim de semana de Fórmula 1.

Mas o vidão nem sempre é para todos. Hoje em dia, mesmo na Hispania, é difícil encontrar alguém que não tenha regalias em sua estadia em determinado país. Antigamente, as coisas eram mais difíceis. Em 1985, os treze integrantes da Minardi faziam uma vaquinha para pagar as passagens aéreas para cada corrida! Apesar de ser a equipe com o maior número de patrocinadores naquele ano, a Minardi não tinha dinheiro sequer para pagar passagens aéreas da classe econômica para todo mundo.

Há pouco tempo, saiu uma notícia de que a Williams deixaria de pagar passagens aéreas de primeira classe para todo mundo, que teria de se conformar com a classe executiva. Oh! Em equipes realmente pobres, até mesmo o avião é uma comodidade que pode ser deixada de lado. Não é incomum ouvir histórias de mecânicos, engenheiros e até mesmo pilotos viajando nos caminhões de suas equipes pela Europa afora. Para provar que, às vezes, até mesmo o piloto se dá mal, uso o exemplo do argentino Gastón Mazzacane. Em 2001, ele corria pela Prost, que estava quase falindo. Como a equipe não tinha dinheiro, Alain Prost optou deixar de lado os funcionários menos importantes não tinham suas contas pagas. Como o indesejado Mazzacane era um deles, não restava outra alternativa senão comprar suas próprias passagens aéreas (classe econômica) e arranjar seus próprios quartos de hotel (geralmente, de duas ou três estrelas). Pode parecer ridículo sentir pena de alguém que viaja de avião e se hospeda em hotel, mas a situação de Gastón é a definição perfeita do padecimento no paraíso.

1- FOME ZERO?


Além de tudo, as equipes de Fórmula 1 gastam dezenas de milhares de dólares para alimentar enormes turmas de mecânicos, engenheiros, jornalistas e puxa-sacos. Eu gosto de gastronomia e de Fórmula 1. Se tivesse alguma possibilidade de cobrir in loco, faria de tudo para comparar a comida das diferentes equipes. Dizem que a Toyota era a que servia as melhores refeições nos últimos anos. Já ouvi elogios à macarronada ao sugo al dente da Ferrari, aos pratos franceses da Renault e à culinária de vanguarda do Energy Station da Red Bull. Come-se mal na Williams e na McLaren. Ingleses…

Nesse sentido, as equipes pequenas nem ficavam tão para trás das grandes. Nos anos 80, Nelson Piquet costumava correr pelas grandes equipes inglesas e almoçar nas pequenas italianas. “Bad team, good food” era seu lema, que se referia às massas da Minardi e da Osella, conhecidas pela maior qualidade na cozinha do que nos boxes. Há um bom tempo, o jornalista Flavio Gomes comparou a comida da Ferrari e da Minardi. Surpreendente, o veredito foi altamente favorável aos minardistas. Portanto, se uma equipe pequena não consegue sequer caprichar na comida, é porque o negócio está feio demais…

Desde meados dos anos 80, uma equipe normal costuma ao menos montar banquetes para seus integrantes. Quem não tem cozinha improvisa com lanches, salgadinhos e porcarias típicas de aluno de faculdade pública. Nos anos 70, os mecânicos da Kojima participaram do GP japonês de 1976 alimentados com frango frito da rede KFC, comprado exatamente pelo piloto Masahiro Hasemi. Em outras equipes pequenas, os mecânicos levam seus próprios sanduíches e acepipes.

Em alguns casos, as equipes utilizam-se de escambo para manter seus funcionários bem alimentados. No Brasil, a churrascaria paulistana Fogo de Chão costumava negociar suas peças de picanha e alcatra com as equipes menores, que exporiam seu logotipo nos carros e nos macacões como forma de pagamento. Foi assim que, em 1990, a Minardi conseguiu se entupir da boa carne do restaurante. Em 1992, foi a vez da Andrea Moda e da March fazerem isso. Em 1994, a Simtek.

No caso da Andrea Moda, as suculentas carnes não estiveram presentes durante todo o tempo. Nos primeiros dias, sem grandes opções, restou à equipe recorrer às massas do restaurante O Gordo e o Magro Pizzas e Panquecas, localizada no bairro da Lapa. Cada mecânico tinha direito a uma refeição de dez dólares! Inacreditável, em se tratando de Fórmula 1. O mais incrível é que as compras foram feitas a prazo e os donos do restaurante estavam morrendo de medo da turma italiana dar o calote após ir embora…

Nos sessenta anos de Grande Prêmio de Mônaco (tá, é menos que isso, tivemos algumas temporadas nos anos 50 em que o principado não apareceu no calendário), muitos nomes se consagraram nos anais de Montecarlo, seja pelo número de vitórias obtidas, como Graham Hill, seja pela maneira como elas foram obtidas, como Maurice Trintignant, seja por ambos, como Ayrton Senna, ou simplesmente pelo imponderável, como Olivier Panis, sobre quem falei ontem. Sempre que se fala em Mônaco, são pilotos cujas lembranças são colocadas à mesa.

Existem, porém, aqueles caras que não chegaram a vencer e a ser cumprimentados pela noblesse monegasca, mas que mesmo assim, são bastante lembrados pela minoria que não olha apenas pela obviedade do lugar mais alto do pódio. Ou não, como diria Cléber Machado. Enfim, confiram quem são os homenageados pelo Top Cinq de hoje.

5- PIERRE-HENRI RAPHANEL

 

O argelino naturalizado francês com cara de Professor Girafales é o menos lembrado dos cinq desta lista. Mas pudera, o cara só competiu em um ano na Fórmula 1 e por equipes fracas como Coloni e Rial. Sem se destacar em quinze dos dezesseis fins de semana da temporada de 1989, não havia mesmo como ser lembrado. Houve, no entanto, um fim de semana em que ele apareceu bastante. Oui, monsieur, le principauté de Monaco!

Raphanel utilizava um antiquado Coloni FC-188B, uma atualização do precário carro do ano anterior. Como o argelino não havia sequer passado pela pré-classificação nas duas primeiras etapas de 1989, ninguém esperava nada dele. Mas como Mônaco é uma caixa de surpresas, eis que Pierre-Henri obtém uma surpreendente terceira posição na pré-classificação e consegue vaga entre os 30 que brigariam por vaga pelo grid. Até aí, nada de muito anormal. Raphanel era um piloto talentoso castrado pelo péssimo carro que tinha e Mônaco é uma pista que pode contemplar alguém nessa situação.

Mas eis que o milagre aparece no segundo treino de classificação, quando Raphanel fez o milagroso tempo de 1m27s011 e obteve uma improvável 18ª posição no grid. Nomes como Nelson Piquet (!), René Arnoux, Ivan Capelli, Johnny Herbert e seu companheiro Roberto Moreno ficaram atrás dele. Se o carro aguentasse, a corrida prometia.

Pierre-Henri largou e andou o tempo todo no meio do bolo. Os abandonos, como de costume em Mônaco, vinham a granel e ele até ganhou algumas posições, chegando a estar em 15º. Porém, duas voltas depois de subir a esta posição, o frágil câmbio de seu Coloni quebrou e a corrida terminou aí. Triste situação, ainda mais se considerarmos que se ele terminasse, considerando o número de quebras, Raphanel poderia até ter marcado os únicos pontos da história da Coloni.

4- ENRIQUE BERNOLDI

Dos quatro heróis, Enrique Bernoldi é o mais involuntário. Tão involuntário que, em termos, nem poderia ser considerado um herói, já que seu feito não foi tão impressionante como o dos outros quatro dessa lista. Sua aparição aqui é mais simbólica, pelo fato de ter peitado um piloto de equipe grande na edição de 2001, o escocês David Coulthard.

Tudo começou quando Coulthard, pole-position com sua McLaren, teve problemas com o controle eletrônico de largada e não conseguiu sair para a volta de apresentação. Como, porém, ele conseguiu ligar o carro posteriormente, o escocês pôde se posicionar na última posição do grid. No início da corrida, ele conseguiu passar Luciano Burti e Tarso Marques com facilidade. Porém, Enrique Bernoldi e seu Arrows se mantiveram implacáveis na disputa com o McLaren. Por 35 longuíssimas voltas.

Coulthard tentava de todas as maneiras colocar seu carro em posição de ultrapassagem, mas Bernoldi nunca deu uma única abertura sequer para a manobra do McLaren. Coulthard só ganhou sua posição quando o brasileiro foi para os pits.

Bernoldi não chegou a terminar a corrida. Porém, o paddock viu um misto de admiração e ódio pela atitude dele. Tom Walkinshaw, dono da Arrows, foi o primeiro a parabenizá-lo pelo feito. Por outro lado, Ron Dennis, dono da McLaren, ameaçou Bernoldi e até mesmo a continuidade de sua carreira na Fórmula 1. Nem foi necessário: apesar do seu talento, a Arrows foi a única equipe de Enrique na Fórmula 1.

3- MIKA SALO

Salo em 1998

O segundo Mika é um de meus pilotos preferidos. Além de extremamente talentoso, é um cara que não liga para nada. Bebe, fuma, fala bobagens, não liga para os jornalistas e diz que seu ídolo no esporte é James Hunt. Infelizmente, sua falta de compromisso e até mesmo de preparação física comprometeu uma carreira que poderia ter sido vitoriosa. Mônaco foi o palco onde Salo mostrou o quanto valia.

O finlandês marcou pontos por lá em nada menos que quatro ocasiões. Em 1996, nem chegou a terminar a corrida, mas por ter sido um dos últimos a abandonar, acabou sendo classificado como quinto colocado. No ano seguinte, Salo colocou seu nome na história da categoria como o único piloto a conseguir fazer uma corrida inteira sem parar nos pits na era dos pit-stops compulsórios. Tudo bem que choveu em Mônaco e o motor V8 de seu Tyrrell permitia um consumo menor, mas seu quinto lugar não deixa de ser notável.

Em 1998, Salo levou seu belo porém precário Arrows a um milagroso quarto lugar, à frente de Jacques Villeneuve e sua Williams. No ano 2000, andando de Sauber, ele terminou em quinto novamente, segurando Mika Hakkinen e seu McLaren durante boa parte da corrida.

São 9 pontos no total. Marcar pontos com Sauber, Tyrrell e Arrows em fases ruins é para poucos.

2- ROBERTO MORENO

Há quem ache este o maior feito da história de Mônaco. Vejamos.

Em 1992, Moreno só veio a encontrar um emprego na Andrea Moda, um pastiche de equipe composto pelos restos da Coloni e liderado por um magnata dos calçados, Andrea Sassetti. O carro da equipe, desenvolvido pela Simtek, era o S921 equipado com motor Judd. Uma bomba. Em condições normais, ele sempre sobrava na pré-classificação. Em Mônaco, a história foi diferente.

Logo na pré-classificação, ele deixou Andrea Chiesa e Ukyo Katayama para trás. Perry McCarthy, seu companheiro, não conta muito. Com a terceira posição, ele foi pro qualifying pela primeira vez no ano. E o milagre veio no segundo treino de classificação no sábado.

Moreno tinha exatamente quatro voltas para fazer um tempo que o colocasse no grid. Na última delas, ele obteve o temporal de 1m24s945, o que o colocava em uma posição confortável no grid, não me lembro qual. Ao voltar para os pits, todo mundo foi cumprimentá-lo pelo milagre, e os mecânicos da Andrea Moda não sabiam nem como comemorar. Moreno queria voltar para a pista para melhorar o tempo, mas o carro tinha problemas que não puderam permitir seu retorno. Alguns pilotos deixaram Moreno para trás, mas no fim das contas ele conseguiu se salvar na 26ª e última posição do grid. Em 27º, Eric van de Poele e seu Brabham, apenas 36 milésimos de segundo mais lento.

O milgare estava feito e a Andrea Moda participaria de uma corrida. No entanto, todo mundo sabia que o carro não aguentaria fazer a corrida inteira. De fato, o motor Judd do carro quebrou após 11 voltas, quando Moreno estava em 19º. Mesmo assim, uma atuação inesquecível.

1- STEFAN BELLOF

Esse é um dos caras mais celebrados da história do automobilismo, mesmo sem ter obtido uma vitória sequer na Fórmula 1. O motivo está nas suas excepcionais atuações, como esta em Mônaco, no ano de 1984.

Em 1984, Bellof fazia seu primeiro ano na Fórmula 1 pela Tyrrell. Distante das primeiras posições havia já algum tempo, a equipe utilizava um motor Cosworth DFY aspirado em um grid no qual quase todo mundo já usava os turbos. Como tentativa de reverter a situação, a equipe se utilizou de um artifício que levaria à sua desclassificação semanas depois: para correr com o peso abaixo do permitido, a equipe fazia um abastecimento de água e esferas de chumbo durante a corrida para fazer o carro atingir o peso mínimo. Não por acaso, os Tyrrell andavam bem em pistas mais lentas. Mas isso não tira o brilho da corrida de Bellof.

Stefan andou no meio do pelotão durante todo o fim de semana e largou apenas em 20º e último. Logo na largada, os dois Renault de Derek Warwick e Patrick Tambay batem, o que significava duas posições ao alemão. Mas ele também ultrapassou Teo Fabi, Piercarlo Ghinzani, Elio de Angelis, Johnny Cecotto, Riccardo Patrese, Nelson Piquet e François Hesnault em uma única volta! O resultado foi a 11ª posição.

A partir daí, ele só saiu por aí ganhando as posições de todo mundo. Na volta 27, ele já estava em terceiro lugar. Apenas o líder Alain Prost e o igualmente sensacional Ayrton Senna estavam à sua frente. Porém, o Tyrrell de Bellof estava muito mais rápido que o Toleman de Ayrton e a segunda posição parecia ser uma questão de tempo.

Mas a corrida foi interrompida na volta 31 devido à forte chuva, e talvez devido à uma disposição do diretor de prova Jacky Ickx, piloto da Porsche no Mundial de Protótipos, em ajudar a McLaren-Porsche. Bellof obteve aí seu único pódio na categoria e, naquela época, tanto reconhecimento quanto Ayrton Senna.