fevereiro 2011


Manifestantes fugindo de bomba de lacrimogênio no Bahrein: é o mundo árabe em ebulição política

Hoje, vou misturar alguns assuntos que me interessam bastante. Mais precisamente, geopolítica, autismo político e automobilismo.

Nesses últimos tempos, uma onda de protestos e rebeliões abateu diversos países da África Islâmica e do Oriente Médio. Todos estes movimentos são movidos por pura revolta de seus povos contra os desmandos de seus líderes políticos, sujeitos corruptos que estão em suas confortáveis posições há muitos anos, muitas vezes escarrando sobre o caro conceito de democracia. O primeiro foco de manifestações surgiu na Tunísia no dia 17 de dezembro de 2010, quando milhares de pessoas se reuniram em Túnis para gritar contra os altíssimos níveis de desemprego, inflação e corrupção. Após quase um mês de duras retaliações por parte do governo, centenas de mortes e caos, a vitória: o presidente Zine El Abidine Bem Ali, que estava em seu 24º ano de governo, pôs-se em retirada.

O interessante é que a vitória tunisiana inspirou uma série de povos de diversos países islâmicos a fazer o mesmo. Argelinos, mauritanos, sudaneses, omanis, sírios, marroquinos, iemenitas, iranianos e outros sete povos bradaram contra os intermináveis problemas políticos e econômicos de suas nações, mas o destaque maior vai para a situação egípcia, largamente noticiada na mídia mundial.

Em 20 dias, um levante de quase um milhão de pessoas conseguiu mandar às favas o presidente Hosni Mubarak, 82 anos de idade e 30 de poder ilimitado. A listinha de motivos para o expurgo era considerável: abuso de decretos emergenciais, polícia repressiva, liberdade de expressão suprimida, ausência de eleições, corrupção desmedida, desemprego, alta nos preços dos alimentos e baixos salários. O fim do domínio de Mubarak trará novos horizontes para o Egito. Horizontes positivos? Impossível dizer, ainda mais sabendo que a obscura Irmandade Muçulmana, facção que originou a Al-Qaeda, é uma das favoritas nas pesquisas ligadas ao pleito que será realizado nos próximos meses. O que importa é que o Egito vinha precisando de um pouco de ar fresco.

E o automobilismo? O que tem a ver com isso?

Sakhir, circuito barenita. Será que vai ter corrida por lá?

O Bahrein, país que ganhou destaque ao receber diversas corridas automobilísticas, é um desses países onde povo e governo se enfrentam, ainda que sem a magnitude de Egito e Tunísia. O início das manifestações se deu no dia 4 de fevereiro, quando centenas de pessoas se reuniram pacificamente na frente da embaixada egípcia em Manama, capital barenita, para prestar solidariedade ao povo egípcio. Dias depois, via internet, manifestantes decidiram iniciar um enorme protesto contra os problemas de seu próprio país. O dia escolhido foi 14 de fevereiro de 2011, exatos dez anos após o referendo que sacramentou o pequeno país insular como uma monarquia constitucional. Este seria o anger day, o dia de fúria do povo.

E assim foi feito. Ontem, dia 14, milhares de barenitas foram às ruas para reclamar sobre a situação econômica e legislativa do país. O governo, assim como nos demais, revidou com tropas de choque e helicópteros. Um manifestante foi morto e outro ficou gravemente ferido. Contrariando o lamentável preconceito gratuito contra muçulmanos, os barenitas são considerados um povo pacífico a amigável. Os protestos foram bem mais amenos do que o que foi visto nos demais países revoltosos. Ninguém sequer considerava retirar do poder o rei Hamad ibn Ibsa Al Khalifa, coroado em 2002.

Primeiro país a comercializar petróleo no Golfo Pérsico, o Bahrein é uma ilhota cuja imagem é bastante positiva: seu IDH de 0,801 é considerado altíssimo e sua renda per capita é de 27.214 dólares. Segundo índices de liberdade econômica, o país é o mais liberal e adequado para negócios entre todos do Oriente Médio. A capital, Manama, é uma moderna e próspera cidade de apenas 160.000 habitantes.  E ao contrário de boa parte de seus vizinhos, os costumes são relativamente liberais: as mulheres podem dirigir e se vestir do jeito que quiserem, há liberdade religiosa garantida por lei, festas e boates são totalmente permitidas e o consumo de álcool é permitido desde que feito dentro de recinto. O lado bom, porém, termina por aí.

Em termos econômicos, o Bahrein ainda perde para seus vizinhos Catar e Emirados Árabes Unidos. O desemprego se encontra em torno dos 15%, situação até pior do que no Egito e na Tunísia. A inflação é de 7%, patamar não exatamente baixo. A especulação imobiliária, fenômeno típico desses países que flutuam em petróleo farto, levou a uma disparada nos preços das habitações. E os salários são os mais baixos entre os pequenos países do Oriente Médio. Um povo bem informado e não conformista como é o barenita deve obviamente se indignar com essa situação. Mas a encrenca é mais abaixo e envolve as duas denominações islâmicas que coabitam o país, os xiitas e os sunitas.

Quando nós queremos dizer que alguém é radical demais, dizemos que ele é xiita. Coitados dos xiitas, pois. Saddam Hussein e a história mostraram que os sunitas mereciam, no mínimo, ter a mesma fama. É evidente que, lá no fundo, muçulmano nenhum merecia a fama de intolerante, mas o que vemos em todo o mundo árabe é uma perseguição de gato e rato entre os dois lados. No Bahrein, os xiitas representam cerca de 70%, mas não mandam em quase nada lá. O rei Al Khalifa é sunita, assim como a esmagadora maioria do corpo político, militar, econômico e legislativo do país. Não por acaso, as leis favorecem os sunitas de maneira gritante e os xiitas são marginalizados em vários aspectos, em especial na participação política. Os protestos do povão majoritariamente xiita pedem por uma equalização geral entre as duas denominações. Nada de sair por aí beneficiando sunita e deixando os xiitas de lado, é o que a voz do povo pede.

OK, mas o que diabos o automobilismo tem a ver com isso?

Kyalami, anos 70. Imagem que vale mil palavras.

Os protestos no Bahrein ainda não acabaram (hoje mesmo, houve uma segunda morte de um popular) e não parece haver previsão para um término. O problema é que a GP2 Asia tem uma rodada dupla marcada exatamente para este próximo fim de semana, dias 18 e 19. Dois dias atrás, uma das equipes da categoria, a inglesa iSport, informou via Twitter que ela e as demais haviam sido notificadas pelos consulados barenitas espalhados pela Europa sobre a instabilidade política do país e sobre cuidados a serem tomados.

E vai ter Fórmula 1 por lá em menos de um mês. E aí? Como serão as coisas até lá? E se os protestos descambarem para o caos geral? Se o negócio estiver realmente feio, imagino que europeu nenhum vai arriscar seu pescoço por lá unicamente para participar de uma corrida estúpida. Fico imaginando a bizarra possibilidade das duas rodadas duplas de Sakhir serem canceladas e a temporada 2011 da GP2 Asia ter tido uma única rodada em Abu Dhabi. E, é claro, imagino também a possibilidade de não ter a abertura da temporada de Fórmula 1 no Bahrein.

Bernie Ecclestone acha que a Europa não tem mais salvação. E não tem mais tanto interesse em América do Norte, América Latina ou Japão. Para ele, a Fórmula 1 deve mirar esses países emergentes que começaram a ganhar importância geopolítica e econômica nos últimos dez anos. O efeito colateral é ter de lidar com regimes autoritários, corruptos ou anacrônicos que massacram seus povos, pisam em cima da liberdade e da democracia, ignoram os direitos humanos, desprezam a crítica mundial e chantageiam os países ocidentais com suas valiosas commodities. E agora, ele pode acabar ficando sem o GP do Bahrein desse ano. Vale a pena, Bernie?

Se há algo que me incomoda de verdade nessa tal de Fórmula 1, é o seu autismo político. Nenhum esporte do mundo passa por cima de graves questões políticas para sustentar seu circo de maneira tão gritante como esse. Lembram-se do caso sul-africano? Enquanto o COI e a FIFA baniam a África do Sul de suas competições, lá estavam os malditos carrinhos coloridos desfilando em Kyalami aos olhos do apartheid. Bernie Ecclestone tem defeitos folclóricos e até divertidos, como a sovinice e o cinismo. Mas fazer vista grossa aos regimes políticos dos países que aceitam sediar seu esporte é canalhice demais, um lado realmente triste do dirigente.

Gosto de Fórmula 1. Mas se for pra trocar uma corrida banal e inútil por um dia de fúria, que venha!

Sem grandes assuntos para hoje, continuo apresentando os carros da temporada 2011. Como dito no meu artigo sobre a Ferrari, a ordem dos carros é referente à data de lançamento deles. O primeiro apresentado aqui foi o Ferrari F150, que mudou de nome e virou F150th Italia, nome que só expõe a já latente breguice ferrarista. Falo, agora, da Lotus, a segunda equipe a se apresentar nesse ano.

TEAM LOTUS

Se você porventura entrou em coma após o GP da Austrália de 1994 e acordou hoje, tenderá a pensar que a Lotus conseguiu sobreviver às suas inúmeras crises, enterrou adversárias e está aí, firme e forte. Pois é, pequeno gafanhoto: você está redondamente enganado. O nome é igual, o logotipo é igual e os resultados estão muito parecidos com aqueles obtidos no início dos anos 90. Mas as semelhanças acabam aí. A Team Lotus atual é a Lotus Racing do ano passado, equipe criada por uma turma de malaios ambiciosos no final de 2009. E aos que acordaram do coma: o tal GP australiano foi a última corrida da antiga Lotus criada por Colin Chapman.

A Lotus original é talvez a segunda equipe mais admirada de todos os tempos, perdendo apenas para a Ferrari. Liderada pelo engenheiro Colin Chapman, ela dominou inúmeros campeonatos de várias categorias e notabilizou-se pela sua inventividade e pelo espírito de vanguarda, trazendo inúmeras novidades à Fórmula 1. Foi a Lotus que implantou, entre outras novidades, os aerofólios, os patrocinadores comerciais que não tem envolvimento direto com a indústria automobilística, o carro-asa e a suspensão ativa.

Mas Chapman morreu (ou não) em 1982 e a equipe entrou em um processo inevitável de decadência. Com Ayrton Senna, teve seus últimos momentos felizes. Os anos 90 foram cruéis para uma equipe que, definitivamente, havia perdido a capacidade de se reinventar. A falência veio em janeiro de 1995, de maneira triste.  Findava-se a história do Team Lotus… até 2009.

Um grupo de empresários malaios, liderado pelo magnata aéreo Tony Fernandes, decidiu recriar a lendária equipe, com direito a pintura british racing green, aprovação de Clive Chapman e tudo o mais. Com o nome Lotus Racing, os asiáticos construíram um belo porém conservador bólido verde e amarelo e entregaram duas unidades aos experientes Jarno Trulli e Heikki Kovalainen. O ano de estreia foi difícil e nenhum ponto foi obtido, mas a impressão deixada foi muito melhor do que a das outras duas equipes novatas. Em 2011, já com o nome Team Lotus, a equipe pretende sair do pelotão da pindaíba e dar um salto para o meio do grid.

LOTUS T128

Assim como a Ferrari, a Lotus também foi obrigada a mudar o nome de seu carro. Inicialmente, ele seria TL11, referência clara ao nome da equipe (Team Lotus) e ao ano de 2011. Sabe-se lá por que razão, a apresentação oficial, feita por meio de uma revista eletrônica, foi feita com o nome T128. Paciência… Mas para felicidade dos novos fãs da equipe, o carro tem linhas bem mais interessantes do que o T127.

As diferenças entre os dois carros são marcantes. O motor será o Renault, em substituição ao Cosworth do ano passado. Enquanto o T127 tinha um bico reto e alto, o T128 tem um bico curvado para baixo de maneira acentuada. Mais atrás, a entrada de ar sobre a cabeça do piloto foi dividida em duas, com cada parte sendo colocada em um lado da quilha, solução criada pela Mercedes no ano passado. A suspensão traseira, agora, é pushrod. O KERS, no entanto, segue ausente. Detalhes que deverão garantir resultados bem mais expressivos do que no ano passado. Até agora, os resultados nos testes não foram geniais. Mas ainda é cedo pra qualquer prognóstico.

20- JARNO TRULLI

Maior pensador do niilismo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche acreditava que, a partir do momento em que a moral cristã era desmascarada e todos os seus alicerces eram reduzidos à ruína, o ser humano perdia seu norte e sua vida deixava de ter qualquer sentido ou propósito. Sendo bem reducionista, o niilismo é a expressão mais complexa e radical do pessimismo. Nietzsche, que disse que Deus estava morto, morreu. Mas reencarnou em um piloto de Fórmula 1, o italiano Jarno Trulli.

Aos 37 anos, Trulli é aquele sujeito que nem deve saber por que ainda está na Fórmula 1. Após quatorze temporadas e apenas uma mísera vitória, obtida de maneira brilhante no principado de Mônaco, ele é apenas uma sombra daquele jovem atrevido que arrepiou o paddock com seus brilhantismos na Minardi e na Prost. Quem não se esquece daquelas 37 voltas lideradas de maneira magistral no GP da Áustria de 1997? Tão espalhafatoso como seu desempenho na pista era seu visual, repleto de chuquinhas, rabos de cavalo e capuzes.

Pois bem, esse Trulli está morto. Após chamar a atenção de todos nos seus três primeiros anos de carreira, Jarno embarcou na Jordan, na Renault e na Toyota. Em todas essas equipes, o italiano mostrou enorme garra nos treinos oficiais, mas um desempenho bastante apático nas corridas. Para piorar, como um Jean Alesi do novo milênio, a sorte raramente estava ao seu lado. Trulli já perdeu vários pódios e bons resultados devido a quebras. Na Lotus, sofreu bem mais problemas do que seu companheiro Kovalainen. O que Jarno ainda espera da Fórmula 1? Pelo tom sempre negativo de suas declarações, não muita coisa. Afinal, não dá pra esperar muita felicidade de um italiano que não gosta de futebol…

21- HEIKKI KOVALAINEN

Se Trulli é aquele cara com motivação de funcionário público em vias de se aposentar, o finlandês Heikki Kovalainen é só sorrisos. Mas como um cara que já andou de Renault e de McLaren pode ser feliz na Lotus? Oras, nem sempre estar na melhor empresa significa ser mais feliz. Nas duas equipes grandes, e em especial na McLaren, Kovalainen era tratado como um zero à esquerda e ninguém dava muito crédito a ele. Na Lotus, por outro lado, ele é o rei.

Kova é um dos sujeitos mais subestimados do grid. Seu talento pode ser comprovado em uma rápida olhada em seu currículo: destaque da Fórmula Renault e da Fórmula 3 britânica, campeão da World Series by Nissan em 2004 e vice-campeão da GP2 em 2005. Na Renault, foi piloto de testes em 2006 e segundo piloto de Giancarlo Fisichella em 2007. Seu ano de estreia, aliás, foi dividido em duas partes: uma terrível, que durou até os treinos oficiais do GP do Canadá, e outra ótima, que iniciou a partir do GP do Canadá e foi até o fim do ano. Nas tabelas, Heikki conseguiu terminar à frente de Fisichella. Nada mal para um piloto considerado tão ruim.

Sem grandes escolhas tanto por parte do piloto como por equipe, a McLaren acabou trazendo Heikki Kovalainen para debaixo de suas asas em 2008. O relacionamento entre os dois lados não foi grandes coisas e era visível que a única utilidade do finlandês na equipe era a de ajudar Lewis Hamilton na briga pelo título. Em 2008 e 2009, mesmo dirigindo um carro minimamente razoável, ele só conseguiu uma vitória e uma pole-position, ambas obtidas no primeiro ano. No segundo, ele marcou o mesmo número de pontos que Felipe Massa, ausente em várias etapas, e foi considerado um dos piores pilotos do ano. Sua carreira na Fórmula 1, após apenas três anos, parecia encerrada.

Mas eis que aparece a mão santa de Tony Fernandes, que decide dar uma chance ao finlandês mais extrovertido que já correu na Fórmula 1. Kovalainen agradeceu o voto de confiança e fez uma ótima temporada para os padrões da equipe, quase sempre liderando a turma das equipes novatas e obtendo um bom 12º lugar em Suzuka. De um dos piores pilotos de 2009, ele se transformou em um dos destaques positivos em 2010. Em 2011, a expectativa é de marcar os primeiros pontos da equipe. Pode ser que Heikki Kovalainen nunca mais volte às primeiras posições, mas só o fato de correr em um lugar onde todos os respeitam já está muito bom.

É época de vestibulares… na Fórmula 1, é claro. Enquanto jovens de classe média comemoram suas aprovações nos principais vestibulares brasileiros enchendo a cara com pinga vagabunda e pintando até o rabo, dois pilotos serão colocados à prova amanhã, no árido circuito de Jerez de la Frontera, na briga pela vaga de substituto de Robert Kubica na Renault. De um lado, o soturno Nick Heidfeld, apoiado por mim, pelos seus outros 18 fãs e talvez pela sua família. Do outro, o boa-praça Bruno Senna, apoiado por milhares de fãs e saudosos dos feitos de seu tio. O favorito é Heidfeld, mas esse assunto já deu o que tinha que dar. Vamos à história.

Decidir uma vaga por meio de uma sessão de testes é a coisa mais normal do mundo. Na Fórmula 1, quem não consegue completar sua dupla de pilotos com muitos meses de antecedência acaba tendo de recorrer a esse tipo de medida. Para quem escreve sobre o esporte é bom, pois há assunto para um período tão pobre de notícias. Em tempos não tão remotos, alguns pilotos derrotaram outros na briga direta por única vaga. Lembro de cinco histórias:

5- BRUNO SENNA VS LUCAS DI GRASSI

Bruno Senna

Os dois contendores do teste da Renault já participaram de outros vestibulares antes. No fim de 2008, dois brasileiros, Bruno Senna e Lucas di Grassi, se enfrentaram no circuito de Barcelona visando tomar a vaga de um terceiro brasileiro, Rubens Barrichello. Naquele momento, Rubinho estava com um pé e meio na aposentadoria e a Honda, equipe que estava em péssima fase, precisava mudar alguma coisa. Apostar em um piloto jovem que representasse um mercado em expansão poderia ser um primeiro passo.

Cada um teve direito a dois dias de testes: Bruno andaria nos dias 17 e 19 de novembro, enquanto que Lucas pilotaria nos dias 17 e 18. Ambos utilizariam o RA108, um carro ruim em todos os sentidos. Não se sabe até quando havia isonomia nas condições do teste, embora alguns técnicos da Honda tenham apontado que o fato de poder utilizar a pista no último dia, quando ela está bem mais emborrachada e aderente, poderia representar uma vantagem a Bruno Senna.

Mas não vou encontrar empecilhos aqui. Bruno entrou na pista e deu uma surra daquelas em Di Grassi. No primeiro dia, Di Grassi andou de manhã e fez 1m25s512. Senna entrou na pista à tarde e fez 1m24s343, quase 1s2 mais rápido. Se por um lado a pista estava em melhores condições para Bruno, por outro era necessário considerar que era seu primeiro contato com um Fórmula 1, enquanto que Di Grassi já havia feito oito sessões de testes.

No segundo dia, Di Grassi andou sozinho, deu 110 voltas e fez 1m22s283. Bruno Senna teve a pista para si no último dia, deu 107 voltas e fez 1m21s676. Não dá pra negar: vitória inconteste de Bruno Senna. No entanto, nenhum dos dois acabou levando a vaga, já que a Honda anunciou sua retirada da Fórmula 1 poucas semanas depois. E a equipe que a substituiu manteve Rubens Barrichello.

4- CHRISTIAN KLIEN VS VITANTONIO LIUZZI

Vitantonio Liuzzi utilizando um layout provisório

Esse vestibular aqui extrapolou os testes de pré-temporada e vigorou até as primeiras etapas da temporada de 2005. A Red Bull, equipe que estreava na Fórmula 1 após comprar o espólio da Jaguar, queria um companheiro jovem, promissor, descolado e cheio de piercings para correr ao lado de David Coulthard. E quem teria mais piercings do que Christian Klien e Vitantonio Liuzzi? Os dois foram escalados para uma bateria de testes para ver quem ficaria com a vaga. O sueco Bjorn Wirdheim também foi convocado, mas acabou recusando devido à possibilidade de acabar ficando sem a vaga de titular.

Klien e Liuzzi fizeram um monte de testes e os resultados eram absolutamente alternados, não havendo um padrão. Ou seja, um par ou ímpar seria mais justo para definir quem pegaria a vaga. Então, Christian Horner decidiu pelo seguinte: já que não soava justo ficar com apenas um e manter o outro apenas como piloto de testes, que se coloquem os dois para correr! Klien faz algumas corridas, Liuzzi faz outras e quem se sair melhor fica com a vaga até o fim do ano.

Christian fez as corridas da Austrália, da Malásia e do Bahrein. Largou entre os sete primeiros nas três, batendo o companheiro Coulthard em duas ocasiões. Marcou pontos nas duas primeiras etapas e deixou excelente impressão, algo que não havia conseguido em 2004. Nas quatro corridas seguintes, Liuzzi entrou em seu lugar. Fez uma boa apresentação em Imola, saiu da prova por erro nas duas corridas seguintes e terminou em nono em Nürburgring. Não foi tão bem nos treinos e marcou apenas um ponto. A partir daí, Horner não precisou pensar muito e declarou que Klien seria o piloto da equipe até o final da temporada.

3- JOS VERSTAPPEN VS GIL DE FERRAN

Gil de Ferran

No final de 1993, dois jovens e promissores pilotos do automobilismo base se encontraram no circuito luso do Estoril para um duelo que poderia valer uma vaga na Footwork. Um deles era brasileiro, Gil de Ferran, um dos líderes da Fórmula 3000 naquele ano. O outro era um moleque holandês que havia arrepiado na Fórmula 3 e na Fórmula Opel, Jos Verstappen.  Cada um tinha lá seu trunfo. Gil era mais experiente e tinha a boa experiência de haver testado pela Williams. Verstappen era orientado pelo ex-piloto Huub Rothengatter, de bom trânsito na Fórmula 1.

O teste seria realizado na semana seguinte ao do GP de Portugal. Os dois dividiriam um carro, que também seria pilotado por Christian Fittipaldi, e teriam um único dia para mostrar serviço. O melhor largava na frente na briga por pelo menos uma das vagas.

Verstappen, como de costume, não demonstrou qualquer medo e sentou a bota, marcando um excepcional 1m14s5. Para se ter uma ideia, nos treinos oficiais da corrida da semana anterior, o inglês Derek Warwick, primeiro piloto da Footwork, havia feito 1m14s3. Seu companheiro Aguri Suzuki fez 1m15s5, um segundo mais lento do que o holandês, cujo tempo o colocaria na décima posição do grid!

E o Gil? Bem, ele entrou na pista, deu 20 voltas e fez exatamente 1m16s0. O brasileiro se sentia mal em um cockpit que não o comportava direito, já que seu corpo era mais largo do que os outros pilotos que andaram no carro. Então, ele deixou o carro e pediu que os mecânicos fizessem alguns ajustes para aumentar o espaço. E enquanto isso, ele foi dar uma volta por aí.

Foi quando, ao passar por um dos caminhões da equipe, Gil deu aquela cabeçada em uma porta, o que lhe rendeu quatro pontos na cabeça. Zonzo e dolorido, ele teve de abandonar o restante do teste e o projeto de correr na Footwork. No fim, ele ficou mais um ano na Fórmula 3000, enquanto que Verstappen assinou com a Benetton e se deu mal.

2- JENSON BUTTON VS BRUNO JUNQUEIRA

Bruno e Jenson

No fim de 1999, a Williams estava baqueada. A equipe, então acostumada com vitórias, teve uma temporada horrorosa e só se salvou graças às boas performances de Ralf Schumacher. O outro piloto, o italiano Alessandro Zanardi, nem fazia lembrar aquele que foi bicampeão da CART e terminou o ano zerado. O que, para um time como a Williams, era inaceitável. Segundo seu contrato, Zanardi tinha mais um ano na equipe, mas Frank Williams deu um jeito e chutou os fundilhos do italiano. Havia um carro livre, portanto.

Como uma vaga na Williams nunca é ruim, um batalhão de pilotos foi bater às portas de Grove visando um emprego na equipe: Olivier Panis, JJ Lehto, Jörg Müller… Frank Williams não levou nada disso a sério. Ele mesmo resolveria quem iria correr no lugar de Zanardi. E haveria apenas dois candidatos: o brasileiro Bruno Junqueira e o inglês Jenson Button. Favorito, Bruno havia sido um dos destaques da Fórmula 3000 e já havia feito vários testes com a equipe. E Jenson?

Button era um moleque sardento com 20 anos recém-completados. Em 1999, havia feito duas curtas sessões de testes com a McLaren (prêmio dado em conjunto com a Autosport por ter sido o melhor piloto inglês em 1998) e com a Prost. Além disso, havia terminado a temporada da Fórmula 3 britânica em terceiro, deixando impressão até melhor do que a dos dois primeiros colocados. Para o ano 2000, ele pretendia correr um segundo ano na Fórmula 3. Ou pular para a Fórmula 3000. Fórmula 1, definitivamente, era coisa para o futuro.

Mas eis que, em um belo dia, enquanto estava em um pub com alguns amigos, Jenson Button recebe uma ligação de Frank Williams. Incrédulo, ele quase desligou o celular, pensando se tratar de um trote. Quando viu que não era, pegou suas coisas e viajou imediatamente para a Espanha. Lá, ele enfrentaria Bruno Junqueira pela segunda vaga. O brasileiro tinha o apoio da Petrobras, fornecedora de combustíveis da Williams. E o inglês teria todo o apoio de sua equipe e da poderosa mídia de seu país.

Button e Junqueira fizeram algumas voltas em Jerez, mas o tempo estava muito ruim e todo mundo decidiu ir para Barcelona. Por lá, os dois pilotos andaram nos dias 19 e 23 de janeiro. E Button surpreendeu a todos batendo Junqueira com facilidade: no primeiro dia, o inglês foi 1s1 mais veloz. Quatro dias depois, ele foi dois décimos mais veloz.

A decisão já estava tomada, mas não podia ser revelada. No dia 31, os dois pilotos foram chamados. Nenhum deles sabia o que iria acontecer. Frank Williams lhes informou quem venceu a disputa. Minutos depois, ele informou à mídia seu novo contratado. Aos 20, Jenson Button era o mais novo piloto do grid.

1- NICK HEIDFELD VS ANTONIO PIZZONIA

Nick Heidfeld no teste de Barcelona

Assim como Bruno Senna, Nick Heidfeld também já enfrentou uma espécie de vestibular. Foi em 2005, quando ele e o manauara Antonio Pizzonia disputaram a vaga de segundo piloto da Williams.

Foi uma novela. Tudo começou quando Ralf Schumacher e Juan Pablo Montoya, entregando muito mais dores de cabeça do que resultados, desertaram para outras praças. Com duas vagas disponíveis em sua equipe para 2005, Frank Williams começou a ir atrás de gente boa o suficiente para merecê-las. Primeiramente, tirou Mark Webber da Jaguar. Em seguida, anunciou Jenson Button, que vinha sendo a sensação de 2004 na BAR. Que dupla, hein?

É, mas o problema é que Button já tinha contrato com a BAR para 2005 e não conseguiu anulá-lo. Bem que o inglês tentou ao máximo retornar para sua primeira casa, mas o negócio foi parar nos tribunais e a BAR ganhou. Bom, paciência, né? Frank Williams, então, decidiu testar dois pilotos. Um deles era o alemão Heidfeld, que vinha pagando pecados na Jordan e que era do agrado da BMW. O outro era o brasileiro Pizzonia, que já estava trabalhando como test-driver e que agradava muito os químicos da Petrobras. Não era um simples vestibular, mas uma verdadeira guerra de influências. O vencedor seria aquele que conseguisse colocar no segundo carro seu piloto predileto.

Na pista, o negócio estava tão tenso como fora dela. Heidfeld e Pizzonia participaram de nada menos que três sessões diferentes de testes em três pistas espanholas (Jerez, Barcelona e Valência), totalizando oito dias para cada piloto. Os dois pilotos andaram com o FW26C nas mais diversas situações e puderam ser testados em todos os quesitos. No geral, Pizzonia foi o mais veloz em Barcelona e em Valência, perdendo apenas em Jerez. Nas sessões em que testaram juntos, Heidfeld foi o mais veloz em três e Pizzonia venceu em duas. Duelo equilibrado, mas o brasileiro aparentava ter alguma vantagem.

Só que a voz da BMW falou mais alto. Some seu poderio com o desempenho de Heidfeld, que esteve longe de ser ruim, e o veredito, que demorou uma eternidade para ser concluído, saiu no dia 31 de janeiro, dia da apresentação oficial dos pilotos da Williams. Minutos antes da apresentação, Frank Williams repetiu o que fez em 2000: chamou os dois pilotos no canto e os informou quem havia sido o escolhido. Deu Heidfeld. E Pizzonia seguiu como o piloto de testes.

Bruno na Hispania

Como alguns sabem, Bruno Senna figura lá no final da minha lista de 5000 pilotos brasileiros de Fórmula 1 favoritos. Abaixo dele, só Pedro Paulo Diniz e seu dinheiro do império varejista da família. As pessoas não se conformam com isso. Elas tendem a pensar que faço isso porque eu supostamente não teria o menor apreço pelo seu tio. Calúnia das bravas, é claro. A única coisa que realmente me incomoda em Ayrton Senna é todo esse messianismo onipresente e onipotente que o ronda. E o mesmo vale para o Bruno, piloto de qualidade e sujeito gente fina, talvez o mais entre os quatro brasileiros que correram no ano passado. Mas qual é o problema?

O problema é com as circunstâncias que o levaram a competir pelo lugar de primeiro piloto da Renault com o alemão Nick Heidfeld. Eu sei que muitos aqui vão pensar que estou empreendendo uma cruzada a favor de Heidfeld, meu piloto preferido, mas acreditem: não é. Por mais oportuna que seja a situação, não vou falar no alemão hoje. Só quero fazer com que reflitam um pouco sobre o que é a carreira de Bruno Senna.

Em linhas gerais, Senna é um cara de carreira rápida e relativamente expressiva. Seu início no kart se deu em 1989, aos cinco anos de idade. Fez bons campeonatos em São Paulo, mas nada que chamasse muito a atenção. Em fins de semana de férias, ele se mandava com seu famoso tio para se divertir no kartódromo do sítio da família. Ayrton, cuja opinião era inegavelmente respeitável, costumava dizer que “se vocês me acham bom, esperem só para ver meu sobrinho”…

Vindo de quem vem, não sou eu quem vai representar opinião dissonante. O problema começa a partir daquele primeiro de maio de 1994. Morto Ayrton Senna, o automobilismo se tornou uma espécie de tabu na família. Bruno ainda gostava do negócio, mas ninguém mais queria ver um segundo Senna morrendo dentro de um carro de corrida. E sua carreira foi interrompida ali. A morte do pai Flavio, dois anos depois, só enterrou de vez a ideia.  Por muitos anos, Bruno Senna não passou de um adolescente normal. Rico e de sobrenome nobre, mas normal.

Seu primeiro carro, o F-BMW

Um piloto de corrida é uma pessoa que desde cedo se dispõe a sacrificar seus fins de semana para dar voltas e mais voltas ao redor de um trecho asfaltado em forma de ameba dentro de um troço motorizado. Há toda uma preparação física, mental e emocional para construir a melhor trajetória possível. A família se empenha no sonho do garoto (ou garota, dependendo do caso), vendendo bens e sacrificando sua rotina. O dinheiro, sempre escasso e incerto, é utilizado com toda a cautela. A concorrência, no geral, é fortíssima. E muitos garotos com muito mais talento do que um Senna ou Schumacher simplesmente desaparecem porque não conseguem recursos para seguir em frente. Ou porque aquele moleque menos talentoso é filho de gente influente e tem um kart fora do regulamento, algo muito mais comum do que vocês imaginam.

Por isso, imagine você a reação de um jovem piloto do tipo Roberto Moreno quando vê que o sobrinho de um dos maiores pilotos de todos os tempos simplesmente passou por cima do kartismo e encontrou portas abertas e amigos com a maior facilidade do mundo unicamente por ser o sobrinho de um dos maiores. Continuo.

Ouvi falar de Bruno Senna pela primeira vez no início de 2004, quando, por acaso, assisti a uma reportagem do Globo Esporte sobre ele. Desnecessário dizer que a reportagem intercalava trechos com as grandes corridas de seu tio. Naquele momento, Bruno Senna havia acabado de fazer um teste com um Fórmula Renault em Interlagos. O repórter, cujo nome confesso não me lembrar agora, disse algo como “Bruno foi bem para alguém que ficou de fora durante tanto tempo”.  Após assistir à reportagem, que durou uns bons cinco minutos, concluí que haveria uma espécie de esforço geral para emplacar um segundo Senna no automobilismo.

Em 2004, havia bem mais pilotos brasileiros com potencial do que agora. Na Fórmula 3 britânica, Danilo Dirani surpreendia os ingleses e desafiava Nelsinho Piquet, o favorito franco ao título daquele ano. Na Indy Lights, Thiago Medeiros era a bola da vez. Havia outros nomes no exterior, como o próprio Lucas di Grassi, Allam Khodair e Fernando Rees. No Brasil, a Fórmula Renault e a Fórmula 3 apresentavam revelações como Daniel Serra, Alan Hellmeister, Alexander Foizer, Xandinho Negrão, Carlos Iaconelli e Alberto Valério. No kart, havia ainda Sérgio Jimenez e Pedro Bianchini, dois dos melhores nomes que já competiram na história do kartismo brasileiro. Reflita: será que Bruno Senna era tão melhor do que todos eles a ponto de merecer tanta atenção assim? Nem Nelsinho Piquet, piloto que eu sempre achei absolutamente superestimado, mereceu o mesmo nível de atenção.

Fórmula 3

O argumento é óbvio: nenhum deles é um Senna. E aí que vem a constatação mais cruel: as pessoas estão pouco se fodendo com o Bruno. O que importa é o sobrenome. Pelo bem ou pelo mal, é simplesmente impossível dissociá-lo da figura do Ayrton. É até chato para Bruno Senna, que se vê obrigado a escorar sua carreira nessa ligação. Poucos são os que prestam atenção no seu talento de forma crítica e isenta. A boa vontade da imensa maioria faz com que um resultado seu seja superestimado. Bruno é bom piloto, talvez bem melhor do que a maior parte dos seus concorrentes no automobilismo de base. Mas é evidente, se analisar os pormenores, que ele não é um sujeito diferenciado. E que o sobrenome ajuda bem mais do que deveria.

Enquanto muitos kartistas com muito mais talento do que dinheiro ou amigos sofrem para tentar um teste com um carro da Fórmula 3 sul-americana, Bruno conseguiu fazer sua reestreia no automobilismo diretamente na Fórmula BMW inglesa. Graças aos bons contatos com Gerhard Berger, ele conseguiu um terceiro carro da poderosa Carlin para fazer as seis últimas corridas da temporada de 2004. Em um grid de 22 carros, ele se destacou nos treinos de classificação, chegando a largar na primeira fila das duas etapas de Donington. Seus resultados em corrida não foram tão bons: um sexto lugar na primeira prova de Donington foi o melhor resultado. Nada mal. Um segundo ano na Fórmula BMW faria muito bem, mas…

Mas graças ao sobrenome, aos bons patrocinadores e aos ótimos contatos, ele descolou um carro na poderosa Double R para correr na Fórmula 3 britânica! Como pode um cara que não havia completado sequer seis meses nessa nova fase da carreira descolar um carro tão bom, enquanto que um Danilo Dirani, piloto excelente que mostrou muito talento nas Fórmula 3 sul-americana e britânica, era obrigado a correr pela fraca P1? Não é pro Dirani chegar e mandar todo mundo para o inferno?

Senna terminou o ano em décimo, cinco posições atrás de seu companheiro Dan Clarke, que também fazia a estreia na categoria. No ano seguinte, ele permaneceu na equipe e ganhou dois novos companheiros: Mike Conway e Stephen Jelley. Os três tinham um ano de experiência.

Senna não foi mal, vencendo as três primeiras etapas e mais outras duas durante o ano. Terminou o ano em terceiro, atrás de Conway e Oliver Jarvis, sempre demonstrando mais talento na chuva do que no seco. Foi um ano bom, o de 2006. Mas como Conway e Jarvis tiveram tanta dificuldade a mais para encontrar emprego para 2007 do que Senna, que migraria para a GP2? Conway ainda conseguiu uma vaga na Supernova, enquanto que Jarvis foi obrigado a emigrar para o Japão. Senna, disputado por várias equipes, assinou com a Arden, equipe que ainda tinha alguma moral, após ser vice-campeã com Heikki Kovalainen em 2005.

GP2, na Hungria, em 2008

Não vou me estender muito mais. Senna fez um razoável 2007, vencendo uma prova e terminando o ano em oitavo. Apesar de ter feito 24 pontos a mais que o companheiro, Adrian Zaugg, deu bem menos azar do que ele e chegou a andar atrás em várias ocasiões. No ano seguinte, ele descolou uma vaga na então melhor equipe do grid, a iSport. Apesar de ter vencido duas etapas e de ter se sagrado vice-campeão, foi um caso de carro que carregou o piloto nas costas. Senna fez boas apresentações em pista molhada, mas esteve apagado em várias ocasiões e não foi páreo para o campeão Giorgio Pantano. Lucas di Grassi, o terceiro colocado, fez seis corridas a menos e terminou um único ponto atrás. Independente do fato de Di Grassi ter vantagem prévia pelo fato de ter conhecido o carro antes dos seus concorrentes, não foi tão bom Senna ter ficado apenas um ponto à sua frente.

A partir daí, vocês sabem da história. Uma sessão de testes na Honda, um ano na LMS, a Hispania e o vestibular da Renault. Enquanto isso, onde estão os nomes que o bateram em algum momento? Onde estão aqueles pilotos que demonstraram talento puro nas categorias de base?

Há quem diga que seus resultados de base são bons o suficiente para credenciá-lo à uma vaga na Renault. Que base? Ele caiu de paraquedas na melhor equipe da Fórmula BMW e arranjou uma boa vaga na equipe que chegou a ser campeã de Fórmula 3 britânica sem ter qualquer retrospecto.  Na GP2, teve poucas dificuldades em arranjar lugares na razoável Arden e na poderosa iSport, desempregando gente com mais talento. Com equipes tão boas e apoio geral, não é difícil obter bons resultados.

Há quem siga pelo outro lado, apontando que resultados em categorias de base não contam e o que importa é impressionar na Fórmula 1. Então vamos fechar as categorias de base. E que as equipes de Fórmula 1 só contratem quem convier. É pra contratar pelo dinheiro? Coloquem o Bill Gates e o Eike Baptista. Uns três anos de treinos e voilà!, temos um piloto. É pra contratar pelo nome? Bota a Paris Hilton ou o Justin Bieber aí. É óbvio que isso é um exagero, mas se as pessoas se dispõem a “perdoar” o passado do Bruno Senna, por que não perdoariam qualquer outro piloto?

Deixo claro: acho Bruno Senna um piloto com qualidades e considero que, nas condições atuais, ele tem lugar na Fórmula 1. O que me incomoda é que ele recebe muito mais oportunidades do que seu talento, que está longe de ser inexistente, permitiria. E não adianta: seu sobrenome conta muito. Inconscientemente, as pessoas querem um Senna ali, ainda mais naquela Renault preta e dourada. Eu fico do lado de gente como Danilo Dirani e Roberto Moreno: trabalhar a vida inteira e mostrar resultados para colher menos frutos do que um sujeito de sobrenome nobre deve ser frustrante pra cacete.

Ecureuil, o modelo do helicóptero acidentado

Quando li sobre o acidente de Robert Kubica no Rali Ronda di Andora, que lhe causou ferimentos que por muito pouco não o levaram à amputação de uma mão, lembrei-me de dois casos na hora. O primeiro, já contado aqui há dois dias, foi o acidente de Marc Surer no Rally Hessen. A semelhança, aqui, é óbvia: trata-se de dois pilotos de Fórmula 1 que se estropiaram em acidentes de rali. O segundo caso se assemelha pelas circunstâncias que rondavam o piloto acidentado. Falo de Alessandro Nannini, o promissor piloto italiano que sofreu um infelicíssimo acidente de helicóptero em outubro de 1990 e teve de abortar sua emergente carreira na Fórmula 1.

Nannini e Kubica estavam em fases parecidíssimas na carreira quando sofreram seus acidentes. Ambos eram considerados pilotos velocíssimos, agressivos e em franca ascensão na Fórmula 1. Ambos já tinham por volta de cinco anos de carreira na categoria e uma vitória no currículo. Ambos corriam pela mesma equipe, já que a Benetton de Nannini se transformou na Renault de Kubica em 2002. Diferença, talvez, só na aparência: Alessandro tinha pinta de galã de novela e Robert é o Quasímodo do Leste Europeu.

A notícia do acidente de Nannini pegou o mundo do automobilismo de surpresa na tarde do dia 13 de outubro de 1990, domingo imediatamente anterior ao GP do Japão. O paddock já vinha acompanhando, com enorme apreensão, a árdua e complicada recuperação de Martin Donnelly, que havia sofrido um violentíssimo acidente em Jerez duas semanas antes. O clima pesou. Era triste demais ver que as carreiras de dois promissores pilotos corriam sério risco.

Naquele domingo, Alessandro Nannini estava em folga lá na Itália, se divertindo com seu novo e suntuoso helicóptero Ecureuil. Orgulhoso de seu brinquedinho, ele voou até a chácara de seus pais para apresenta-lo. Apesar de possuir brevê, não era Nannini quem o pilotava, mas um piloto profissional. O voo até a chácara foi tranquilo e o helicóptero deveria pousar em um descampado próximo à casa.

Em um primeiro instante, tudo correu bem e o helicóptero começou a pousar. De repente, ele se desequilibrou e o piloto tentou recuperar o controle fazendo uma manobra de subida. Não funcionou e o helicóptero acabou caindo de traseira com tanta força que Nannini, seus dois amigos que o acompanhavam e o piloto foram arremessados para fora. Alessandro foi o que deu mais azar: acabou caindo sobre um dos rotores, que decepou metade de seu braço direito.

Nannini na Benetton, em 1989

Poucos instantes após a queda, os pais de Alessandro Nannini apareceram assustadíssimos e presenciaram seu filho no chão, consciente mas agonizante de dor e empapado de sangue. Aquele pedaço disforme do braço direito estava a alguns metros dali. O pai Danilo improvisou um torniquete amarrando um cinto naquilo que restou do braço de Nannini de modo a estancar o sangue. Enquanto isso, recolhiam o braço decepado para tentar recuperá-lo no hospital.

Nannini foi levado às pressas ao Hospital de Careggi, na Florença. Os médicos iniciaram um procedimento de reconstrução do braço direito que durou nada menos que dez horas, entre seis da tarde do dia 13 e quatro da manhã do dia 14. A cirurgia foi bem-sucedida e o braço pôde se reimplantado com todos os seus sistemas de vasos, músculos e nervos. Restava saber, agora, se suas funções poderiam ser recuperadas.

Mesmo que fossem, era consenso geral entre os médicos que Nannini dificilmente voltaria a competir no automobilismo. O prognóstico mais otimista previa que Alessandro poderia, no máximo, dirigir cautelosamente um carro de rua. Então, restava a ele esperar pra ver o que acontecia. Seis meses depois, em entrevista ao New York Times, o ex-piloto revelou que os nervos de seu braço cresciam em um milímetro por dia, mas ainda não era possível ter qualquer sensibilidade abaixo do cotovelo.

A recuperação foi demorada e complicada, mas bastante frutífera. Nannini ainda passou por mais duas cirurgias para recuperar a movimentação e fez sucessivas sessões semanais de fisioterapia com Willy Dingl, médico que cuidou de Niki Lauda após seu acidente em Nürburgring. Os resultados foram encorajadores: os músculos foram ressuscitados e a sensibilidade das partes inferiores do braço e da mão gradativamente aumentava. Não daria pra voltar a correr profissionalmente na Fórmula 1, mas qualquer outra coisa se tornava possível.

Em 1992, Nannini fez sua reestreia no automobilismo. Arranjou um Alfa Romeo 155 oficial para correr no campeonato italiano de turismo. Na corrida de estreia, largou na primeira fila e fez a volta mais rápida. No final do ano, havia vencido cinco corridas e terminado em terceiro. De quebra, fez um teste com uma Ferrari F92A modificada. O antigo sonho de dirigir um carro da famosa escuderia italiana havia sido realizado.

Nannini pilotando um Alfa 155 em Monza, 1992

A partir daí, Nannini se consolidou como um dos melhores pilotos de turismo da Europa. Fiel à Alfa Corse, ele venceu um bocado de corridas no ITC, na DTM e no FIA-GT (aqui, pela AMG Mercedes). Em 1998, decidiu abandonar o automobilismo e abriu uma rede de cafeterias com o seu nome, fanático por café como ele é. Um final bacana para uma carreira legal, mas que poderia ter sido bem melhor se não fosse o acidente.

Nannini estreou na Fórmula 1 pela Minardi em 1986, após um título na Fórmula Abarth em 1981 e bons resultados no Mundial de Protótipos e na Fórmula 2. Na verdade, Alessandro deveria ter estreado em 1985, mas acabou vítima de uma série de acontecimentos que o impediram. A Minardi queria disputar a Fórmula 3000 em 1985 com o próprio Nannini, mas eis que os planos mudaram e os italianos preferiram construir um carro de Fórmula 1 logo de uma vez. O problema é que a FISA, por alguma razão desconhecida, negou a superlicença a ele. E Alessandro sobrou.

Seus dois anos na Minardi foram terríveis, com um carro antiquado e absolutamente frágil. Nessas duas temporadas, Nannini só conseguiu passar pela linha de chegada em duas únicas ocasiões, uma em cada ano. Seu desempenho em 1987, no entanto, foi bom o suficiente para chamar a atenção da poderosa Benetton, que o colocou para correr ao lado de Thierry Boutsen em 1988.

E Nannini correu entre 88 e 90 na equipe das cores unidas. Demonstrou muita agressividade, às vezes temperada com uma certa falta de sensatez, e conseguiu fazer algumas corridas espetaculares, como Inglaterra/88, Alemanha, Hungria e Bélgica/90. Sua única vitória, aquela famosa obtida em Suzuka em 1989, só veio porque Ayrton Senna foi desclassificado. Trunfo injusto para alguém que definitivamente merecia ter obtido mais. Semanas antes do acidente, Nannini teria negado uma proposta da Ferrari para substituir Nigel Mansell em 1991. Apesar de sonhar em correr pela Ferrari, sua fidelidade à Benetton era notável.

Infelizmente, o destino acabou por jogar no lixo um cara que poderia até mesmo fazer com que Alberto Ascari deixasse de ser o último campeão da bota. Torçamos para que Robert Kubica não tenha destino semelhante.

Nick Heidfeld, a escolha mais lógica

Regozijemos: Robert Kubica está bem. Para quem viu um guard-rail invadindo todo o interior de seu Skoda Fabia, estar sedado, tomando sopinha de batatas pela sonda e com um olho roxo e alguns ossos arrebentados significa estar muitíssimo bem. Tão bem que poderá até mesmo deixar a UTI nas próximas 48 horas. A partir desse instante, o polonês ficará um bom tempo no hospital deitado, vendo documentários do Discovery Channel e tomando sopinha de batatas pela boca.

Agora que ele está em boas condições, todos começam a mirar suas atenções para aquele carro preto, dourado e vermelho de número 9. Aparentemente, é um carro valiosíssimo, líder da primeira semana de testes em Valência. A Renault terminou o ano de 2010 em alta, com um carro simples, eficiente e promissor. Após dois anos tensos, os ânimos lá dentro puderam ser recuperados e a equipe pôde renasceu das cinzas. 2011 tinha tudo para ser o ano da virada, aquele que consagraria Renault e Robert Kubica. Mas não tem mais Kubica, então bola pra frente.

Um batalhão de pilotos empregados, desempregados e subempregados surgiu dos mais variados cantos para pleitear esta vaga de primeiro piloto. A essa altura, Eric Boullier, poderoso chefão da Renault, deve estar sendo bombardeado com telefonemas, faxes, e-mails, SMS e mensagens psicografadas vindas de gente que moverá montanhas para vestir o macacão preto. E a mídia também contribui com um boatozinho aqui ou um novo candidato acolá. Comento sobre absolutamente todos os nomes que apareceram.

Deixo claro: tenho um favorito. Como não poderia deixar de ser, é Nick Heidfeld. E tenho também aqueles que não quero ver de jeito nenhum nesse carro. Como não poderia deixar de ser, um deles é bruno SENNA. Não se ofendam com o “bruno SENNA”. Explicações mais abaixo. Imparcialidade jogada na lata de lixo, sigo com as análises.

Heidfeld. Uma das maiores distorções da natureza é ver esse indivíduo sem um carro. Em um post anterior, já coloquei aqui todos os seus bons predicados: é experiente, é confiável, não bate, não quebra carros, é velocíssimo sem ser extravagante, ultrapassa como poucos, é combativo ao segurar uma posição, sabe acertar bem seus carros, sabe aproveitar oportunidades extremas como ninguém, anda direitinho na chuva, sabe liderar uma equipe, tem excelente currículo pré-Fórmula 1 e ouve Moby. Em suma, ele reúne características típicas de um campeão. Mas não tem uma única vitória no currículo. O que acontece?

A verdade é que Nick não tem brilho e carisma. Eu acho esse negócio de brilho e carisma uma pederastia descomunal, uma vigarice tremenda, coisa de gente burra e ineficiente que apela para a simpatia para ocultar sua incompetência. No entanto, a esmagadora maioria das pessoas da humanidade discorda visceralmente e crê cegamente que é melhor ter um sujeito não tão ineficiente mas com ótima imagem do que o contrário. Paciência… E Heidfeld definitivamente paga o preço por isso. Por isso que ninguém entre as equipes grandes se interessa por ele. E os carros que ele dirigiu, com exceção os ótimos BMW Sauber de 2007 e 2008, não eram lá aquelas coisas. Discordem à vontade, mas não mudo de ideia.

Bruno Senna, piloto da casa

Heidfeld é o maior favorito por ser o melhor e mais experiente piloto sem qualquer ligação contratual com outra equipe. Ainda bem. Mas há outros. Falo de seus três maiores adversários: Nico Hülkenberg, Vitantonio Liuzzi e bruno SENNA.

De todos os pilotos citados, eu sinceramente considero o jovem Hülkenberg o sujeito mais promissor. O alemão é veloz, tem um currículo impecabilíssimo, um ar arrogante típico dos campeões e um ano de experiência na Williams. É verdade que seu ano de estreia, pole-position em Interlagos à parte, esteve longe de ser excepcional, mas também não foi vergonhoso. Seu problema maior é a falta de experiência. Jogar o garoto, que é apenas um ano mais velho que eu, para liderar uma equipe que alimenta enormes ambições para esse ano soa absolutamente temerário. Se a Renault tiver um mínimo de bom-senso, deliberará sobre isso.

E é nesse quesito que bruno SENNA morre na praia. O brasileiro, sobrinho do homem mais aclamado do esporte a motor no Brasil, tem como predicado maior o marketing que seu sobrenome carrega.

Não sejamos hipócritas. Infelizmente, a maioria das pessoas não o enxerga como Bruno Senna, piloto brasileiro de currículo bastante razoável e um potencial ainda não adequadamente avaliado na Fórmula 1. Pelo que andei percebendo, quem o quer como substituto do Kubica, como é o caso da turma contente da Globo, o enxerga como bruno SENNA, alguém absolutamente desprovido de identidade própria, mera representação contemporânea daquele que foi o maior piloto que o Brasil já teve.  

Para ressaltar ainda mais esse lado alegórico da coisa, a nostalgia gerada por uma possível associação entre o sobrenome Senna, a Lotus como patrocinadora, a cor preta e dourada e motor Renault é imensa. O povo não quer apenas um Senna de volta: quer também tudo aquilo que marcou a carreira de Ayrton. Acredito que, lá no fundo das entrelinhas, Bernie Ecclestone deve estar pressionando Boullier para arquitetar esse conjunto trazendo Bruno Senna para esse carro. O velho sefardita sabe, mais do que todos, o que o povo quer. E bruno SENNA na Renault pode ser muito lucrativo.

O último nome entre os mais cotados é Vitantonio Liuzzi. Gosto dele, assim como tendo a gostar de todo campeão de Fórmula 3000. Ao contrário da maioria, não acho que ele tenha tido lá uma oportunidade que realmente prestasse na sua curta e irregular carreira na Fórmula 1. Ou alguém acha que andar em um Red Bull apenas razoável em sistema de rodízio com Christian Klien, padecer em uma instável Toro Rosso e ser o segundo piloto da Force India são lá bons caminhos para se desenvolver uma carreira sólida?

Vitantonio Liuzzi, também citado entre os candidatos favoritos

Qual é o pecado do Liuzzi, então?  Andar muito mal em 2010. Muito mesmo. Em um Top Cinq, até o apontei como o pior piloto da temporada. Vitantonio sofreu vários acidentes, deu vexame nos treinos classificatórios e não conseguia se recuperar nas corridas. Marcou menos da metade dos pontos de seu companheiro, Adrian Sutil. Ainda que seu companheiro tivesse um carro bem melhor (afinal, era ele quem levava os patrocinadores), Liuzzi não poderia ter ficado tão para trás. Sua passagem pela Force India representou enorme publicidade negativa. Sendo assim, soa até meio injusto coloca-lo em um carro tão bom nesse momento. Um período no melhor estilo “Kovalainen na Lotus” faria melhor para sua imagem.

São esses os candidatos principais. Sou realista com Hülkenberg: a Force India não vai querer entregar de bandeja à Renault, possível adversária sua, um cara que tem potencial e que inclusive já fez testes com o carro indiano, podendo levar informações valiosas à adversária. Restam Heidfeld, Liuzzi e SENNA. O brasileiro tem a vantagem de já ser contratado da casa. E o próprio Boullier falou, dias antes do acidente de Kubica, que bruno seria o piloto que estaria pronto para substituir qualquer um dos titulares. Mas quem contava com a possibilidade do primeiro piloto ficar de fora por tanto tempo?

Tem muitos outros. Um retorno de Kimi Raikkonen foi ventilado, mas não há a menor razão para Iceman fazê-lo. Qual seria a vantagem de correr como substituto em uma equipe que não vai brigar constantemente por vitórias? Falaram também em Romain Grosjean, mas esse quer se dedicar a um ano completo na GP2 para brigar pelo título e recolocar seu nome em evidência. Seria vantajoso para alguém como ele, que já foi prejudicado pela decisão de correr em caráter emergencial, aceitar um cargo de tantas responsabilidades?

Há ainda outros três pilotos de testes na equipe: Fairuz Fauzy, Ho-Pin Tung e Jan Charouz. Mas nenhum desses serve pra substituir sequer o cozinheiro da equipe. Lá fora, há mais gente. Christian Klien? Jacques Villeneuve? Pedro de la Rosa? Lucas di Grassi? Giancarlo Fisichella? Alguém da GP2? Da World Series? Anderson Silva? Improvável. A verdade é que, em um primeiro instante, ninguém está no nível de Robert Kubica. Daí a dificuldade.

Portanto, se for pra pegar alguém que consiga ao menos consolar as amargas lembranças do dono daquele nariz adunco e da testa protuberante, lembrem-se do cara que conseguiu terminar duas temporadas à frente dele. Contratem logo o Heidfeld.

Nota post scriptum: Eric Boullier, o poderoso chefão da Renault, confirmou a informação já dada por Vitaly Petrov de que apenas três pilotos eram reais candidatos à vaga: bruno SENNA, Vitantonio Liuzzi e Nick Heidfeld. Se esta informação bater com aquela declaração dada pelo mesmo Boullier sobre a necessidade de um piloto experiente, SENNA sobra. Como Liuzzi não enche os olhos de ninguém, Nick Heidfeld aparenta ser o favorito franco. A natureza é sábia.

Ontem, o mundo do automobilismo tomou um choque ao saber do gravíssimo acidente sofrido pelo polonês Robert Kubica, piloto da Renault na Fórmula 1, no rali Ronde di Andora, realizado nas proximidades de Gênova. Kubica pilotava seu Skoda Fabia com o navegador Jakub Gerber quando escapou e bateu no muro de uma igreja e, em seguida, em um guard-rail. Um pedaço deste guard-rail adentrou o Skoda e deslocou todo o sistema de transmissão e motor para o espaço do piloto, o que acarretou inúmeras fraturas a Kubica, levado de helicóptero ao hospital.

Por lá, os médicos realizaram uma complicada cirurgia de sete horas visando restaurar a mão direita do polonês, seriamente afetada e ainda passível de amputação. Felizmente, as coisas melhoraram significativamente. Nesse exato momento, Kubica está sedado e os médicos estão deliberando sobre o que fazer com as demais fraturas.

Apesar da gravidade do acidente, não temo por sua vida, e talvez nem por sua carreira. As fraturas, em que se pese terem sido graves, são reversíveis com a medicina moderna. A mão direita é a única parte cujo comprometimento ainda é impossível de ser mensurado, mas um pouco de esperança não faz mal a ninguém. Espero ver Robert Kubica, considerado por mim o melhor piloto da Fórmula 1 no ano passado, totalmente recuperado, física e psicologicamente. E quero vê-lo de volta ao automobilismo, mas isso daí é algo totalmente irrelevante.

Alimento minha esperança com a história. Outros pilotos de Fórmula 1 já se envolveram em acidentes gravíssimos ocorridos em outras categorias, sobreviveram e ainda puderam continuar competindo. Conto aqui a história do suíço Marc Surer, caso muitíssimo parecido com o de Kubica. A diferença é que Surer passou bem mais perto da morte.

De carreira irregular, Marc teve como ponto alto o título na Fórmula 2 em 1979. Na Fórmula 1, categoria na qual competiu entre 1979 e 1985, ele só conseguiu fazer dois anos estritamente completos. Seus melhores resultados foram dois quartos lugares, no GP do Brasil de 1981 e no GP da Itália de 1985. E sua carreira foi marcada pelos acidentes violentos: Surer chegou a fraturar as pernas em dois acidentes consecutivos em Kyalami, nas edições de 1980 e 1982. Mas nada se compara ao que aconteceu no Rally Hessen.

O ADAC Hessen-Rallye é um dos ralis mais perigosos do mundo, atravessando trechos velocíssimos rodeados de árvores e morros. Em meados dos anos 80, a moda no mundo dos ralis era botar pra correr aqueles enormes e majestosos carros do Grupo B, verdadeiros foguetes de regulamento livre. A velocidade e exuberância desses carros, no entanto, cobraram seu altíssimo preço: as várias tragédias.

Em 1985, durante o Tour de Corse, o Lancia do italiano Attilio Bettega caiu em um penhasco e atingiu uma árvore, matando o piloto na hora. No ano seguinte, o astro finlandês Henri Toivonen também bateu contra uma árvore no mesmo Tour de Corse e morreu no local. Após o acidente de Toivonen, as pessoas envolvidas no rali começaram a discutir sobre um possível banimento dos carros do Grupo B. Menos de um mês depois, uma nova tragédia sacramentou de vez o fim destes belíssimos porém perigosos veículos.

31 de maio de 1986, 15º estágio especial do Rally Hessen. Este estágio utilizava algumas estradas que formavam o antigo circuito de Schottenring, localizado ao norte de Frankfurt. Anoitecia. Um Ford RS200 cortava as tais estradas a mil. Dentro dele estavam o piloto Marc Surer, piloto regular da Arrows na Fórmula 1, e o co-piloto Michel Wyder. Lá do alto, o helicóptero acompanhava o carrinho branco. As imagens eram bonitas de se ver. Mas a pista não estava tão segura. Havia chovido algum tempo antes e as poças eram inúmeras. Surer acelerou sobre uma delas. O carro escorregou para a esquerda, saiu da pista e sua lateral esquerda acertou uma árvore com tudo.

A partir daí, hades. O RS200 explodiu e se dividiu em duas gigantescas bolas de fogo, que davam cambalhotas até pararem sobre a grama. Wyder, irmão de um famoso jornalista na Suíça, morreu no local. O carro tinha mão inglesa e o co-piloto ficava do lado esquerdo, exatamente o atingido na pancada contra a árvore.

Com a explosão, Surer foi arremessado para fora do carro. O piloto estava consciente, mas completamente dolorido e envolto em chamas. Restou a ele se arrastar até um pequeno córrego que se encontrava a alguns metros para se livrar das chamas. O saldo final dos ferimentos foi impressionante: queimaduras de segundo e terceiro grau pelo corpo e múltiplas fraturas, sendo as mais graves relacionadas aos dois tornozelos.

Surer foi resgatado rapidamente e levado de helicóptero ao hospital em estado gravíssimo. Faltava apenas uma semana para o GP do Canadá e a Arrows teve de se virar pra arranjar um substituto. Acabou tentando trazer Christian Danner, mas o alemão não conseguiu ser liberado de seu contrato com a Osella. No fim, correu apenas com o carro de Thierry Boutsen. Isso, porém, pouco importava. A preocupação de todos era com o estado de Marc Surer. Se ele voltaria a correr ou não, isso era o de menos.

Foram três meses de convalescença dolorosa. O negócio foi tão feio que Marc precisou de nada menos que 41 transfusões de sangue durante todo esse tempo! No fim, ele conseguiu se recuperar por completo de maneira notável. E para felicidade de toda a Fórmula 1, Surer apareceu no paddock durante o GP de Portugal. Ainda cambaleante, o helvético anunciou que não voltaria a correr mais na Fórmula 1. Em janeiro do ano anterior, ele havia dito que estava querendo abandonar a categoria para recomeçar em outro lugar. No entanto, preferiu continuar e tentou levar outros campeonatos concomitantemente. Depois daquele acidente, no entanto, era melhor se dedicar a uma coisa só.

Ainda em Estoril, Surer anunciou que pretendia disputar o campeonato europeu de carros de turismo pela Ford ou pela BMW. No fim, acabou optando por um outro convite feito pela montadora alemã, para ser instrutor de pilotagem, emprego tranquilo e bem-remunerado.  Desde então, Marc Surer é funcionário da BMW e já se envolveu em várias iniciativas da empresa.

Ainda hoje, Marc Surer aparece nos paddocks da Fórmula 1 para dizer um oi ao pessoal. É muito bom ver este sujeito, conhecido pela simpatia e pelos casamentos com coelhinhas da Playboy, perambulando por aí. Espero que Kubica tenha uma recuperação tão rápida quanto. E que consiga voltar a correr. Quanto às coelhinhas da Playboy, ele que se resolva com sua namorada.

 

“Tenho 22 anos e estou aqui, ao volante de um Fórmula 1” – Michael Schumacher, falando sobre o que se passava na sua cabeça quando fez seu primeiro teste na Fórmula 1.

 

Achei que teria mais gente acertando o desafio da semana passada. Na verdade, os indefectíveis Rianov, Felipe Portela, Speeder76 e Fábio Ickx foram os que chegaram mais perto, apontando corretamente Michael Schumacher em um teste com o Jordan 191 em uma versão mais curta do circuito de Silverstone. O mineiro soviético só deu uma escorregadela quando disse que era a versão National, de 2,638km: na verdade, este é o traçado South, um pouco maior. Enfim, um detalhe besta. A estrelinha fica com o Portela, que respondeu a data como o dia 20 de agosto de 1991.

Essas fotos são daquelas que qualquer fã doente de Michael Schumacher deveria ter guardadas em seu HD. Elas dizem respeito às primeiras voltas do alemão, atual piloto da Mercedes, em um carro de Fórmula 1. Começava ali, naquela manhã ensolarada do verão inglês, uma das carreiras mais bem-sucedidas da história do esporte.

A vida de Schumacher na Fórmula 1 começou lá nos 430 Quilômetros de Nürburgring de 1991. Michael era piloto da Sauber Mercedes e dirigia um belíssimo C291 prateado em dupla com o austríaco Karl Wendlinger. Nessa prova, os dois jovens lideraram as primeiras voltas, mas abandonaram com o motor fundido. Nos treinos livres, o heptacampeão deu um totó no Jaguar XJR-14 de Derek Warwick. Furioso, o inglês foi até o motorhome da Mercedes e armou um enorme barraco com Schumacher, que se mantinha calmo e lívido. Warwick estava emocionalmente destroçado, pois havia perdido seu irmão Paul em um acidente na Fórmula 3000 Inglesa semanas antes. Apenas para constar, o veterano inglês venceu a corrida. E chorou muito dentro do carro.

Voltemos, pois, ao assunto principal. Após a corrida, um jornalista se aproximou de Willy Weber, empresário de Michael Schumacher, e comentou sobre o belga Bertrand Gachot, que havia sido preso naquele mesmo dia. Espertão, Weber ligou imediatamente para Eddie Jordan, empregador de Gachot na Fórmula 1 e foi sucinto: “É o seguinte: a gente sabe que seu piloto foi preso e que você tem um carro disponível para o GP da Bélgica. Dê ao meu piloto uma oportunidade!”. Eddie, assustado com a cara-de-pau do sujeito, replicou: “Você é doente da cabeça? Quem diabos você quer colocar no meu carro?”. “Schumacher”, respondeu o empresário.  “Quem é Schumacher?”. “Aquele que ganhou em Macau”.

Eddie Jordan, que sempre se interessou pelos novos talentos, já tinha ouvido falar do cidadão, vencedor do prestigioso Grande Prêmio de Macau da Fórmula 3 em 1990. Na verdade, ele já havia batido uns papos com Weber tempos antes, até mesmo para negociar uma possível participação de Schumacher em sua equipe de Fórmula 3000. Depois de inúmeras trocas de telefonemas e faxes (que, segundo Weber, teriam lhe custado nada menos que 816 dólares), os dois lados entraram em acordo. E a Jordan decidiu dar um teste a Schumacher. Weber, por meio da Mercedes e de alguns patrocinadores menores, pagou exatos 126.400 dólares à equipe por esse dia de testes.

A sessão foi realizada na ensolarada manhã do dia 20 de agosto de 1991, terça-feira anterior ao fim de semana da corrida belga. O palco, como não poderia deixar de ser, seria o circuito de Silverstone em sua versão South, que utilizava apenas a metade do layout mais conhecido. Schumacher entrou no belíssimo 191 esverdeado e mandou ver. Acompanhavam o teste Ian Philips, diretor comercial da Jordan, e Trevor Foster, diretor técnico. Os dois prestavam atenção na curva Abbey, uma veloz chicane feita à esquerda na qual se analisa o trabalho do piloto com freios e acelerador. E logo nas primeiras voltas, Schumacher cometeu a loucura de completá-la com o pé cravado no acelerador.

O atrevimento foi tamanho que Philips e Foster começaram a discutir sobre o que fazer com o garoto. Acabaram chamando-lhe aos pits e pediram-lhe para que não se atrevesse a andar tão rápido naquele trecho novamente, já que aquele carro seria utilizado em Spa-Francorchamps. Schumacher não lhes deu muita atenção e continuou acelerando o máximo. Em cerca de trinta voltas completadas, Philips e Foster interromperam o teste três vezes para lhe dar umas broncas. Estavam incomodados, mas maravilhados com o que viram. Esse garoto é dos bons.

Apesar disso, o telefone andava tocando muito lá no QG da Jordan Grand Prix. Pilotos experientes, como Derek Warwick, Bernd Schneider e até mesmo o ex-campeão Keke Rosberg, estavam doidos para pilotar aquele carro na pista mais legal do campeonato. Eddie Jordan ficou muito tentado sobre a possibilidade de contar com Rosberg em seu carro, mas preferiu dar uma chance ao tal do queixudo. Nesse caso, valeu também uma lorota contada por Weber sobre as bem-sucedidas experiências de Michael Schumacher em Spa-Francorchamps. Na verdade, ele nunca tinha pisado naquele circuito antes…

A parte técnica estava resolvida e Schumacher embarcou para Spa-Francorchamps na quinta-feira. O que pegava era a parte jurídica. A Jordan queria assinar um contrato que vigorasse pelo restante da temporada de 1991 e também pelos três anos seguintes. Mas Willy Weber sabia de algumas coisas a mais. Tom Walkinshaw, diretor da Benetton na Fórmula 1 e da Jaguar no Mundial de Protótipos, era amigo de longa data do empresário alemão. Antes do GP da Bélgica, Walkinshaw contou a Weber que, por falta de dinheiro, a Jordan não continuaria utilizando os motores Ford, os quais eram intermediados pelo próprio Walkinshaw, e que a equipe inglesa recorreria aos Yamaha V12, pesadíssimos e pouco confiáveis. O pessoal já sabia que a Jordan não faria nada em 1992.

Weber e Jochen Neerpasch, diretor esportivo da Mercedes e conselheiro de Schumacher, decidiram agir na malandragem. Pegaram o contrato de Schumacher com a Jordan e exigiram uma mudança sutil, mas fundamental: a troca do trecho “o contrato” por “um contrato”. O artigo indefinido faria com que aquele papel pudesse ser invalidado com mais facilidade. Além disso, orientaram Schumacher para que ele postergasse ao máximo a assinatura. O jovem alemão, meio perdido na história, assim o fez, mas Eddie Jordan ficou irritado e chegou a convocar Stefan Johansson para correr em Spa. No fim, Weber, Neerpasch e Schumacher entraram em acordo com a Jordan, transformaram o tal contrato em uma mera carta de intenções, assinaram-na e deixaram para discutir um contrato mais sólido após a etapa de Spa-Francorchamps. A Mercedes e os patrocinadores pessoais de Schumacher pagaram 237.000 dólares. Em um primeiro momento, pelas corridas restantes de 1991.

Schumacher fez a corrida de Spa e também um dia de testes com a Jordan no circuito normal de Silverstone na quinta-feira após a prova belga. Mas Weber e Neerpasch passaram uma rasteira na Jordan ao negociar com a Benetton. Os dois conseguiram anular a carta de intenções e se livraram de Eddie Jordan, levando Schumacher para a equipe de Flavio Briatore. A Jordan ficou puta da vida, a Benetton conseguiu trazer aquele que seria bicampeão com seu uniforme e a Fórmula 1 presenciava o surgimento de uma lenda.

PS: Como eu sei de todos esses detalhes? Inventei tudo, é claro.

PS2: Não falei do Kubica ainda. Mas já tenho três posts encaminhados sobre isso.

Facílimo: piloto, carro, equipe, pista e versão da pista. Se disser o dia em que isso aconteceu, ganha estrelinha na testa.

Na segunda, respostas. E explicações.

Você olha para a Williams hoje e vê que há algo de errado. Muito errado. O carro é bonito, o bico é bem interessante e a pintura no melhor estilo Cooper tá muito interessante. A dupla de pilotos, composta pelo incansável Rubens Barrichello e pelo socialista Pastor Maldonado, é muito boa. E o staff técnico da Williams está acima de qualquer suspeita, sempre trabalhando a mil mesmo sem saber se haverá um amanhã. Mas sei não…

Mesmo tendo linhas audaciosas, o carro não convenceu muita gente nesses três primeiros dias de testes. Entre os 25 pilotos que testaram, Maldonado ficou em 12º e Rubinho em um distante 20º. Vale lembrar que o melhor tempo do venezuelano foi obtido no último dia, quando a Williams decidiu colocar menos combustível em seu carro. Mas não é só isso.

A ausência quase total de patrocinadores dá uma sensação bem desagradável, de total décadance sans élégance. Aquele horrendo “Venezuela” estampado na asa traseira soa como um sacrifício enorme que Frank Williams e Patrick Head fazem em nome da sobrevivência. E essa investida no mercado de capitais também dá margem a todo tipo de especulação. Enfim… Não é a primeira vez que Frank Williams passa por uma fase ruim. Na verdade, ele já deve estar acostumado com momentos até piores. Hoje, relembro sobre cinco desses momentos.

5- 1988

Tudo começou em meados de 1987, quando a Honda iniciou um bate-papo com a McLaren. De uma lado, a montadora japonesa queria novas parcerias. Do outro, uma equipe de ponta que estava em vias de se divorciar com a Porsche e que precisava urgentemente de um motor que mantivesse sua competitividade. A relação da Honda com a Williams não andava grandes coisas. Para manter a parceria em 1988, os japoneses exigiram a contratação de Satoru Nakajima, que corria na Lotus. Frank Williams tomou essa exigência como uma piada e mandou a japonesada catar coquinho em Nagoya.

Perdida a Honda, Nelson Piquet percebeu que sua equipe passaria por tempos negros nos próximos anos e decidiu cortejar outras vizinhanças. Paquerou a McLaren, mas não gostou do salário e da possibilidade de ter um turrão Alain Prost como companheiro. Acabou acertando com a Lotus pelo maior salário pago entre todos. E a Williams ficou chupando o dedo, sem seu melhor piloto e seu motor, tendo de recorrer a Riccardo Patrese e ao motor Judd, que nada mais era que o Honda utilizado na Fórmula 3000. 1988 seria um ano daqueles.

De fato, foi uma temporada difícil. O FW12 era um chassi bom, de concepção bem mais moderna do que os da concorrência. Os problemas maiores estavam na falta de potência do Judd V8 (“Esse carro é ridiculamente lento nas retas” – Nigel Mansell) e na suspensão ativa, que deu muita dor de cabeça aos pilotos no primeiro semestre. Patrick Head, maior defensor do sistema, decidiu voltar a utilizar a suspensão ativa a partir de Silverstone. E não é que Mansell fez um segundo lugar? O inglês terminaria em segundo também em Jerez, obtendo míseros 12 pontos no fim do ano. E Patrese fez ainda menos, oito. Foi o pior ano da equipe desde 1978. Pelo menos, no ano seguinte, viria o eficientíssimo motor Renault V10. E a equipe voltaria a trilhar o caminho do sucesso.

4- 1998/1999

Após uma sequência de anos vencedores, alguns pilares dessa estrutura bem-sucedida começaram a se ruir aos poucos. Antes mesmo de 1997, último ano em que um piloto da Williams foi campeão, já se sabia que a Renault, parceirona da equipe, estava abandonando o barco após o fim de 1997. No início desse ano, a FIA anunciou um novo regulamento para 1998, que previa carros mais estreitos e pneus slick. Para complicar ainda mais, a Bridgestone havia feito pneus muito bons e a Williams não usufruiria deles, tendo de aturar os Goodyear. E a cereja do bolo foi a ausência de Adrian Newey, contratado pela McLaren.

Logo, a equipe teria de se adaptar aos novos tempos. Mas não foi bem isso que ela fez. Na verdade, apostou equivocadamente no conservadorismo. Para 1998, ela desenvolveu o FW20, carro inteiramente baseado no FW19 com pequenas mudanças relacionadas ao novo regulamento. O pior é que o motor Mecachrome nada mais era que o Renault RS9 utilizado no ano anterior. Ele tinha tudo para, no máximo, permanecer no mesmo patamar de velocidade de 1997. Só que McLaren e Ferrari avançaram a passos largos sob o novo regulamento e ditaram o ritmo em 1998. A Williams passou o ano em branco, sem vencer pela primeira vez desde 1998. Jacques Villeneuve e Heinz-Harald Frentzen fizeram um terceiro lugar aqui e outro acolá, mas ambos passaram bem longe do sucesso.

Naquele momento, a turma de Frank Williams esperava ansiosamente pelo ano 2000, quando se iniciaria a parceria com a BMW. A Williams iniciou 1999 já sabendo que aquele seria um ano perdido. Só a nova dupla, composta por Ralf Schumacher e pela sensação da CART Alessandro Zanardi, poderia fazer algo de diferente. O FW21 era um carro com algumas mudanças, principalmente na parte dianteira, mas ainda não era muito diferente do FW19 de 1997. O motor, agora renomeado Supertec, era literalmente o mesmo dos dois últimos anos. Ralf ainda fez um ano muito bom e marcou 35 pontos. Zanardi, sofrendo com os pneus sulcados e com um carro bem mais sensível que os rudes Reynard da CART, passou o ano zerado. Tempos difíceis na Williams, que amargou também o layout mais infeliz de sua existência: um insosso vermelho e branco, cortesia dos cigarros Winfield e da cerveja Veltins.

3- 2006

Os anos com a BMW foram bons, mas não trouxeram o título que a equipe tanto esperava. Além disso, a montadora havia tentado comprar a totalidade da Williams, mas o sempre orgulhoso Frank disse não e mandou os alemães catarem coquinho em Munique. Como resultado, a BMW não renovou a parceria, pulou fora e fagocitou a Sauber, criando a efêmera porém bem-sucedida BMW Sauber.

E a Williams? Sem a BMW, ela percebeu que caminhar sozinha daria um trabalho danado. Para 2006, ela manteve Mark Webber e trouxe Nico Rosberg da GP2. Empregar novatos passaria a ser uma medida comum na equipe, que precisava cortar custos a qualquer maneira. E a questão de custos passaria a ser prioritária lá pelos lados de Grove. A Hewlett-Packard, patrocinadora oficial até 2005, cancelou o contrato um ano antes de seu término. E Jenson Button, piloto que tinha contrato com a equipe para 2006, também rescindiu o acordo. As multas pagas por estes dois lados ajudaram um pouco, mas não foi o suficiente.

O FW28 era um carro de bela pintura e linhas elegantes, mas rodeado de problemas. Seus pontos fracos eram a péssima dirigibilidade na entrada das curvas, a aderência como um todo e a falta de confiabilidade dos motores Cosworth, que quebraram em ocasiões particularmente pesarosas (Rosberg na Malásia, Webber em Mônaco). Mas culpar apenas o Cosworth pelas quebras é sacanagem: o carro inteiro era frágil e tanto Webber como Rosberg abandonaram 11 vezes devido a tudo quanto é tipo de problema. Por outro lado, é verdade também que os dois pilotos fizeram de tudo para bater e rodar, contabilizando nada menos que nove incidentes. Para coroar um fim de ano de merda, os dois pilotos bateram um no outro na primeira volta da última corrida, o GP do Brasil.

Apenas 11 pontos foram marcados, pior resultado desde 1978. Se considerarmos o sistema antigo de pontuação, a coisa fica pior ainda: apenas dois pontos teriam sido marcados, pior resultado desde os tempos de pindaíba da Frank Williams Racing Cars!

2- 1970 – 1972

No início de 1970, Frank Williams era um homem feliz. No ano anterior, sua equipe privativa, que utilizava confiáveis Brabham BT26A com motores Cosworth DFV, havia obtido ótimos resultados com o inglês Piers Courage. O bom momento da Frank Williams Racing Cars atraiu as atenções de um empresário argentino radicado na Itália, Alejandro de Tomaso. Interessado em investir em Fórmula 1, De Tomaso arranjou uma parceria com Williams e mandou um jovem engenheiro, Gianpaolo Dallara, construir um carro totalmente novo e ousado lá na Argentina.

O De Tomaso 505-38 era um carro realmente diferente dos charutinhos que então vigoravam, mas ser diferente não significava que ele era bom. Na verdade, ele era lento, extremamente pesado e muito pouco confiável. Una mierda. Courage arriscou seu pescoço nessa cadeira elétrica e acabou sofrendo um misterioso acidente em Zandvoort, falecendo na hora. Frank Williams ficou devastado: Courage era um de seus melhores amigos. Diz a lenda que após o ocorrido, Frank decidiu nunca mais manter qualquer tipo de relação estreita com seus pilotos.

O carro não tinha solução e Frank decidiu terminar a parceria com De Tomaso no final daquele ano. Para 1971, recorreu a um simplório March 701, ao projetista Len Bailey e ao francês Henri Pescarolo, piloto que tinha como principal atrativo o patrocínio da Motul. Henri nem andou tão mal e fez quatro pontinhos e uma volta mais rápida em Monza, mas ficava claro que aquele período de ascensão de Frank Williams havia ficado para trás.

No ano seguinte, com o dinheiro da Motul e da Politoys, Frank Williams decidiu arranjar um segundo March para o brasileiro José Carlos Pace, revelação do automobilismo internacional. Pace arranjou a vaga graças ao apoio do antigo Banco Português do Brasil (ahn?). Enquanto isso, a equipe construía um carro novo, o Politoys FX3. Este carro, pilotado pela primeira vez por Pescarolo no GP da Inglaterra, era um desastre completo. Os três únicos pontos marcados pela equipe foram feitos por Pace no antigo March 711 em Nivelles e Jarama. As coisas melhorariam um pouco com a chegada da Marlboro em 1973. Será?

1- 1973 – 1976

Período nenhum, desconsiderando o acidente de carro em 1986, foi pior do que este para Frank Williams. Tudo dava errado para ele: seus parceiros eram absolutamente voláteis, era impossível manter uma mesma dupla de pilotos por duas corridas seguidas, os carros eram terríveis e o dinheiro ia e vinha com mais velocidade que seus bólidos. Tudo era incerto na vida dele, que foi obrigado a postergar seu casamento devido a toda essa falta absoluta de horizonte.

O dinheiro da Marlboro, da Iso-Rivolta e dos patrocinadores pessoais de Nanni Gall garantiu a sobrevivência equipe, que se chamava Iso-Marlboro, em 1973, permitindo que Frank contratasse John Clarke para desenvolver um novo carro. Mas tudo deu errado. Os patrocinadores de Galli deram calote e o piloto italiano foi demitido após a corrida de Mônaco. Para substituí-lo, nada menos que sete pilotos foram requisitados. Ao mesmo tempo, a Marlboro obrigava a equipe a correr com o insuficiente Howden Ganley durante todo o ano. Ganley marcou um ponto e Gijs van Lennep marcou outro. E só.

Em 1974, a parceria com a Marlboro e com a Iso-Rivolta seguia firme e forte. Ganley dava lugar a Arturo Merzario, outro protegido da Marlboro, e o segundo carro foi pilotado por um monte de gente. Apenas Merzario pontuou, levando quatro bons pontos para casa. Apesar da parceria, a Iso-Marlboro estava quase quebrada. E para piorar as coisas, as duas parcerias desertaram no fim daquele ano. Pronto, fodeu!

Em 1975, Frank Williams teve de fazer tudo sozinho. Sua equipe, agora patrocinada pelo tal de Ambrozium, construiu o FW01, o primeiro carro genuinamente Williams. A dupla seria a mesma do final de 1974, Arturo Merzario e Jacques Laffite. A grana era curtíssima e Sir Frank se viu obrigado a tomar algumas atitudes inimagináveis para uma equipe de Fórmula 1. Maratonista, ele participava de várias corridas e utilizava os prêmios para pagar as muitas dívidas de sua equipe. Os atrasos nas contas e nos salários eram inúmeros. Diz a lenda que quando seu telefone foi cortado, restou a Williams utilizar um telefone público próximo à sua oficina. Outra lenda diz que um mecânico insatisfeito com os atrasos no seu salário foi pago com o próprio relógio de Frank Williams. E as pessoas ainda falam da Hispania…

Ao menos, o FW01 não era um desastre total e Laffite obteve um sensacional segundo lugar no dificílimo circuito de Nürburgring. Estes foram os únicos seis pontos da equipe, que teve nada menos que dez pilotos em 1975! No ano seguinte, Frank Williams associou-se ao magnata canadense Walter Wolf. Apesar de haver mais dinheiro, o amadorismo, a falta de qualidade dos carros e a multidão de pilotos mantiveram-se iguais. A única novidade foi a ausência de pontos, primeira vez que isso ocorreu desde 1970. No fim de 1976, Walter Wolf acabou comprando toda a equipe e Frank Williams se viu chupando o dedo. Mas ele não desistiu, associou-se ao jovem engenheiro Patrick Head e fundou uma nova equipe, a Williams Grand Prix Engineering. E a história começou a mudar…

« Página anteriorPróxima Página »