Nesse fim de semana, o nosso querido e idolatrado Autódromo de Interlagos voltará ao cenário do automobilismo mundial. Quase um mês após receber penúltima etapa da temporada 2010 da Fórmula 1, o circuito paulistano sediará a penúltima etapa do glorioso FIA GT1, o campeonato de carros-esporte mais relevante do mundo.

Deve ser a primeira vez que menciono o FIA GT aqui nesse espaço. Confesso, sou ignorante com relação à categoria. Até hoje, vi apenas um compacto de uma corrida de GT3 em Paul Ricard. Não dei muita bola, até porque os pilotos que competiam eram de segunda linha e a corrida foi encerrada com bandeira vermelha após um daqueles acidentes que envolvem gregos e troianos. Pois deveria. O FIA GT, principalmente a categoria GT1, é uma das melhores categorias do mundo, com excelentes pistas, pilotos e, acima de tudo, carros. Pra quem não tem mais o que fazer em Sampa nesse fim de semana, recomendo um pulo ao autódromo. São apenas cinco reais.

Interlagos é a meca do automobilismo brasileiro, mas alguns gringos também se metem a competir por aqui. A corrida da GT1, primeira da categoria no Brasil, não é a primeira iniciativa estrangeira no autódromo que recebe o nome do saudoso José Carlos Pace. Várias categorias internacionais já passaram por aqui, e não estou falando apenas da Fórmula 1. O Top Cinq de hoje se lembra de algumas dessas categorias.

5- FÓRMULA BMW DAS AMÉRICAS (2008)

 

Alexander Rossi em uma pista que não é Interlagos

 

Até o ano passado, quando ainda havia uma equipe da BMW na Fórmula 1, a montadora de Munique fazia questão de manter alguns campeonatos realizados ao redor do mundo com monopostos pequenos e pilotos que acabaram de sair do kart. A Europa tinha o campeonato mais importante, a Fórmula BMW Européia. A Ásia tinha a Fórmula BMW Pacífico. Alguns países, como a Alemanha e a Inglaterra, tinham seus próprios campeonatos. E a América do Norte tinha a Fórmula BMW das Américas.

Realizada entre 2004 e 2009, a Fórmula BMW das Américas era uma interessante alternativa para aqueles que queriam uma formação europeia, visando a Fórmula 1. Os pilotos, que não eram muitos, competiam em circuitos mistos como Lime Rock, Montreal, Laguna Seca e Elkhart Lake. Em 2008, a categoria incluiu no calendário uma etapa a ser realizada em novembro em Interlagos. A criançada teria a oportunidade de disputar a última etapa do campeonato na frente dos chefões da Fórmula 1, que também teria sua última etapa no Brasil.

13 pilotos se inscreveram para a rodada dupla, realizada nos dias 1 e 2 de novembro, sábado e domingo. Para surpresa geral, o público ocupou bons espaços nas arquibancadas, acompanhando aquela desconhecida categoria e as muitas disputas entre a molecada. O único que não deve ter se divertido foi o americano Alexander Rossi, que venceu as duas etapas na maior moleza. Alexander, que não tem parentesco nenhum com o Valentino, havia chegado ao Brasil com o título conquistado com antecedência e só aumentou ainda mais a distância para o segundo colocado no campeonato, o brasileiro Ricardo Favoretto.

4- TELEFONICA WORLD SERIES (2002)

 

Justin Wilson

 

Em 2002, a então apagada Fórmula Nissan espanhola recebeu uma bela de uma repaginada e se transformou em uma das categorias mais interessantes daquele ano. Um grande patrocinador, a Telefonica, um novo carro, o Dallara-Nissan com 465 cavalos de potência, e um calendário internacionalizado atraíram a atenção de equipes, pilotos e torcedores de fora da Espanha.

O calendário internacionalizado contemplava etapas em Monza, Magny-Cours, Curitiba e Interlagos. Sim, o Brasil teve duas rodadas duplas da categoria! Elas foram realizadas no começo de dezembro, com o espaço de apenas uma semana entre uma e outra. Na capital paranaense, o ex-Fórmula 1 Ricardo Zonta venceu as duas etapas e confirmou o título da categoria. Interlagos, portanto, seria apenas um fim de semana de festa.

Para infelicidade de todos, choveu horrores em São Paulo no dia 8 de dezembro. Muita gente que iria ver as participações de Zonta, dos irmãos Sperafico, de Tuka Rocha, de Wagner Ebrahim, de Jaime Melo e da então desconhecida Milka Duno acabaram desistindo. No caso de Zonta e de Duno, os dois se acidentaram na primeira etapa e, sem carro, acabaram nem alinhando para a segunda. Os futuros pilotos de Fórmula 1 Franck Montagny e Justin Wilson acabaram vencendo as duas corridas. Wilson, aliás, teve um 8 de dezembro dos sonhos. No mesmo dia em que venceu a corrida, acabou acertando um acordo com Paul Stoddart para correr na Minardi em 2003.

3- FÓRMULA 3000 INTERNACIONAL (2001 e 2002)

 

Ryan Briscoe na edição de 2002

 

A melhor categoria de todos os tempos, segundo este daqui, não carregava a alcunha de internacional só porque era bonito. Quando a Fórmula 2 acabou, Bernie Ecclestone quis fazer dessa tal de Fórmula 3000 um campeonato baratinho e que fosse disputado em outros lugares além da Europa. Em 1986, a categoria confirmou duas etapas para o fim do ano em Interlagos e em Goiânia. Infelizmente, deu errado, mas a categoria nunca se esqueceu do Brasil. Em 1994, as conversas voltaram mas foram engavetadas. E a categoria, com exceção de uma ou outra prova extra-campeonato na Argentina ou na África do Sul, só competiu em pistas europeias até 2000.

No fim de 2000, no entanto, a boa notícia virou realidade: em 2001, a Fórmula 3000 iria para Interlagos realizar uma etapa como preliminar da Fórmula 1. Eram tempos férteis para o Brasil na F3000, com muitos pilotos competindo e uma equipe nacional andando lá na frente, a Petrobras Junior. Um dos pilotos, no entanto, chamava mais a atenção, tanto pelo seu currículo como por sua origem: Antonio Pizzonia, amazonense, campeão da Fórmula 3 inglesa e maior esperança do Brasil naquele momento.

As arquibancadas lotaram e a torcida estava louca para ver aqueles cinco pilotos, em especial o tal do “Jungle Boy”, mostrando para o mundo quem é que mandava. Ironicamente, para infelicidade geral, um dos brasileiros estragou a festa. Pole-position, Jaime Melo manteve a liderança na largada. Mais atrás, Ricardo Sperafico bateu forte no S do Senna e obrigou a entrada do safety-car na pista. Melo, sacana, freou com tudo e fez com que Antonio Pizzonia, Tomas Enge e Rodrigo Sperafico o ultrapassassem sem querer sob bandeira amarela. Punição de dez segundos para os três. Pizzonia e os Sperafico, logo no começo, já estavam de fora da briga. Melo não conseguiu segurar a liderança e a vitória ficou com Justin Wilson.

No ano seguinte, com seis brasileiros no parco grid de 20 carros, as coisas pareciam mais promissoras. Antonio Pizzonia e Ricardo Sperafico, os dois da Petrobras, eram candidatos sérios à vitória e ao título. Só que ninguém contava com o domínio assustador de Sebastien Bourdais e de Tomas Enge, que lideraram de maneira covarde até quebras tirarem os dois da corrida. E Rodrigo Sperafico herdou a liderança, seguido por Mario Haberfeld, Ricardo Mauricio e Antonio Pizzonia, que vinha sendo atacado ferozmente por Bjorn Wirdheim. No fim, o quarteto brasileiro manteve as posições e deu ao país aquele que considero o melhor resultado do Brasil em uma corrida de caráter internacional.

Apesar da boa aceitação da corrida, a Fórmula 3000 não voltou ao Brasil em 2003. Os motivos? Era muito caro sair da Europa. E a saída da Petrobras Junior reduziu drasticamente as atenções do país para a categoria.

2- LE MANS SERIES (2007)

 

O Spyker de Andrea Belicchi, Andrea Chiesa e Jonny Kane

 

Quando o promotor Antônio Hermann e o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab anunciaram que as Mil Milhas Brasil passariam a fazer parte do calendário da Le Mans Series em 2007, muitos ficaram estupefatos. A famosa corrida, realizada desde 1956, passaria a ter projeção mundial ao ser considerada a última etapa do campeonato de protótipos mais famoso do mundo. Nos anos anteriores, ela já vinha recebendo carros e pilotos do exterior e a inclusão no calendário da LMS só representaria a consagração da competição.

Sexta etapa do campeonato de 2007, a Mil Milhas foi a primeira corrida que a categoria realizou fora da Europa e também a primeira a ter mais de mil quilômetros de extensão. A novidade, no entanto, não conseguiu seduzir os pilotos europeus, que não compareceram em quantidade esperada. Para piorar, os próprios brasileiros, temendo a concorrência duríssima da turma europeia, também não apareceram. No fim das contas, apenas 23 carros se inscreveram, sendo que apenas seis deles tinham ao menos um piloto brasileiro. O negócio ficou tão feio que apenas a categoria LMGT2 tinha número de carros o suficiente para contabilizar 100% dos pontos. Com poucos inscritos, as outras categorias, LMP1, LMP2 e LMGT1, tiveram de dar apenas metade dos pontos aos participantes.

Mesmo com carros tão poderosos e com ingressos não muito caros, o público não compareceu, nem mesmo aquele cativo que comparecia na corrida quando ela era quase amadora. E os pouquíssimos que deram as caras devem ter se arrependido, já que a corrida não foi lá aquelas coisas. O inegavelmente belíssimo Peugeot 908 fez a pole com Pedro Lamy e Stéphane Sarrazin, mas o portuga teve problemas com a embreagem na volta de apresentação, caindo para último. A partir daí, o outro 908, pilotado por Nicolas Minassian e Marc Gené, tomou a ponta e não saiu mais de lá. Lamy e Sarrazin ainda conseguiram fazer uma fácil corrida de recuperação e terminaram em segundo.

O melhor brasileiro foi Fernando Rees, cujo Aston Martin venceu a LMGT1 e terminou em sexto na classificação geral. Ninguém deu bola. E a Le Mans Series nem quis saber de voltar em 2008

1- 500CC (1992)

 

Wayne Rainey em uma pista que não é Interlagos

 

Quando se fala em Mundial de Motovelocidade no Brasil, todo mundo se lembra das saudosas e cruelmente quentes corridas em Goiânia e em Jacarepaguá. Sucesso de público e de crítica, as duas pistas sediaram provas inesquecíveis e fazem o pessoal do Mundial sentir falta do Brasil, das praias do Rio e das mulheres goianienses até hoje. Mas poucos se lembram que o país teve uma terceira pista que esteve no calendário da categoria em 1992. Interlagos, é claro!

Os gringos não gostaram. São Paulo não é exatamente aquilo que um europeu ávido por sol, mar e diversão espera encontrar no Brasil. Além do mais, Interlagos e suas tradicionais ondulações não era exatamente a pista mais adequada para uma corrida de motos desse porte. Como eram tempos em que a Fórmula 1 dominava o coração dos brasileiros, ninguém dava muita bola para as categorias que não tinham brasileiros competindo em alto nível. Havia o subestimadíssimo Alexandre Barros, mas sua Cagiva não era páreo para as poderosas Yamaha e Honda.

Sendo assim, o público não compareceu. E para piorar as coisas, choveu forte e fez um frio daqueles em São Paulo naquele fim de semana de agosto. Pô, estávamos no Brasil ou na Escócia? Ninguém parecia muito animado, mesmo sabendo que a corrida marcava o retorno de Michael Doohan às pistas. Doohan havia sofrido um violentíssimo acidente nos treinos para a corrida de Assen e, após quase perder a perna esquerda e até mesmo a vida, retornou à categoria para tentar salvar o título daquele ano. Fazia apenas uma semana que Mick havia abandonado sua cadeira de rodas.

Os pilotos não estavam muito dispostos a enfrentar uma pista com tantas ondulações, ainda mais se a chuva viesse com tudo na corrida. Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Doohan não estavam com saco para participar da corrida. Mas ficar de bico não resolveu e os 29 pilotos foram à pista. John Kocinski fez a pole-position, mas perdeu a ponta logo no começo para Rainey, que logo abriu uma boa distância para o resto do povo. A briga pela segunda posição, entre Kevin Schwantz, Doug Chandler, Kocinski e Gardner era muito boa e Kocinski chegou a fazer uma bela ultrapassagem dupla sobre Chandler e Schwantz.

E a corrida terminou assim, com Rainey em primeiro, Kocinski em segundo e Chandler em terceiro. O título seria decidido apenas em Kyalami. A corrida em Interlagos não deixou saudades e ninguém lamentou quando ela não apareceu no calendário de 1993.

Na semana passada, o ótimo Linha de Chegada, programa especializado em automobilismo do canal pago SporTV, fez uma reportagem com Julio Campos, um dos pilotos da Stock Car V8. Injustamente, nunca me interessei muito pela carreira do subestimado Julio, campeão da Skip Barber em 2001 e um dos melhores kartistas do Brasil no início da década. O que me chamou a atenção na chamada da reportagem foi a menção feita ao seu irmão Marco, falecido em Paris no dia 17 de outubro de 1995, e como sua morte representou um enorme baque para o prosseguimento de sua então incipiente carreira no automobilismo.

No final da reportagem, algumas imagens de Julio e Marco Campos eram alternadas. As imagens de Marco foram feitas no pódio de uma de suas muitas vitórias na Fórmula Opel européia, categoria na qual ele venceu logo em seu primeiro ano. E trunfos eram uma constante na carreira de Marco Antônio Ferreira Campos, o homenageado no texto de hoje.

Após a morte de Ayrton Senna, o Brasil ficou completamente desorientado com relação ao automobilismo. Sem Senna e sem Nelson Piquet, restava ao país apostar todas as suas fichas nos jovens pilotos revelados nos últimos anos, como Rubens Barrichello, Christian Fittipaldi e Gil de Ferran. Estes, por sua vez, passaram a receber em seus ombros toda a pressão de um país cuja auto-estima sempre dependeu do sucesso de seus esportistas. Atrás deles, uma série de pilotos ainda mais jovens e ainda mais ávidos pelo sucesso tentou desbravar uma floresta que poderia levar à ridícula alcunha de “novo Senna”. E Marco Campos era um desses.

Paranaense de Curitiba, Marco vinha construindo uma carreira tão meteórica quanto espetacular. Em seus poucos anos no kartismo, ele conquistou títulos em uma miríade de campeonatos, desde as menores competições de sua cidade natal até o bicampeonato panamericano (1992 e 1993) e o título sul-americano (1993). Aos 17 anos, seu currículo fazia muito veterano corar. Não havia muito mais o que fazer. Sabendo disso, Marco Campos decidiu se aventurar nos carros de fórmula. Em 1994, ele migrou para a Europa para disputar a Fórmula Opel, um dos campeonatos de base mais competitivos do Velho Continente.

Inexperiente, imaturo e absolutamente incapaz de proferir uma palavra em italiano, este era Marco Campos quando desembarcou na Itália para assinar com a tradicional equipe de Adriano Morini, a Draco. Conhecida pela sua pintura majoritariamente azul e pela sua tradição de contratar pilotos brasileiros para torná-los campeões, a equipe era a grande favorita ao título da F-Opel daquele ano. Mas a concorrência seria pesada, a começar pelo holandês Tom Coronel, que corria na igualmente forte Van Amersfoort Racing.

Não foi um ano fácil. Coronel normalmente se destacava mais nos treinos oficiais, mas Campos reagia nas corridas e conseguiu vencer três corridas a mais que o concorrente. No final daquele ano, os dois chegaram a se envolver em um acidente e suas respectivas equipes estavam em pé de guerra. No fim das contas, porém, Campos marcou apenas 8,5 pontos a mais que Coronel e ganhou o título da F-Opel logo em seu primeiro ano na Europa. A Draco estava empolgadíssima com aquele garoto, que morava na casa da família Morini. O próprio Adriano, entusiasmadíssimo, disse que Rubens Barrichello era o melhor piloto que ele tinha conhecido até o dia em que entregou um carro a Marco Campos.

A lógica automobilística dizia, naqueles tempos, que o campeão da Fórmula Opel deveria passar um período na Fórmula 3. Mas eis que o destino explorou o lado pródigo de Marco Campos. Após vencer o título, algumas equipes de várias categorias de Fórmula 3 assediaram o jovem brasileiro. Mas a Draco não queria perdê-lo, e para isso até se dispôs a montar uma equipe de Fórmula 3 para correr no campeonato italiano. A equipe chegou a arranjar um Dallara e Campos faria um teste com este carro. No entanto, no dia do teste, a equipe conseguiu arranjar também um Lola de Fórmula 3000. Com dois carros de duas categorias fortes, Marco Campos teria uma imensa possibilidade de aprendizado.

Marco foi à pista, testou o Dallara de Fórmula 3 e gostou do que viu. Em seguida, ele entrou no Lola, foi à pista e andou surpreendentemente bem. Tão bem que o consenso geral da equipe sugeria que a Fórmula 3 era desnecessária para Campos: ele já tinha condições técnicas para subir para a Fórmula 3000 Internacional em 1995!

Na época, muitos criticaram a decisão, alegando que um piloto não deveria saltar diretamente da Fórmula Opel, que usava carros com menos de 200cv de potência, para a Fórmula 3000, que utilizava motores de até 450cv. Mas não havia muita escolha. Campos praticamente não tinha dinheiro algum pra considerar outras escolhas e o patrocinador Cepap só aceitaria patrociná-lo caso ele competisse na Fórmula 3000. Era pegar ou largar. E ele respirou fundo e pegou.

As condições eram as piores possíveis. Naqueles tempos, qualquer um que quisesse andar bem na Fórmula 3000 deveria escolher o moderno e eficiente chassi Reynard. A Draco optou pelo Lola por ser bem mais barato e pela assistência técnica oferecida pela construtora de Huntingdon. O motor a ser utilizado era o Cosworth, que ao menos era utilizado também pelas equipes mais tradicionais. Sem qualquer experiência prévia na categoria, a Draco teria um ano de aprendizado em 1995. Sua única chance residia na impressionante capacidade de adaptação de seu pupilo nas pistas, capacidade esta que chamou até mesmo a atenção de Frank Williams, dono da melhor equipe da Fórmula 1 naqueles dias.

Mas o talento natural por si só não faz milagres. O Lola-Cosworth era muito fraco e restava a Campos se arrastar na pista enquanto esperava por dias melhores. Ainda assim, ele se desdobrava para conseguir as melhores posições possíveis. Logo na primeira etapa, em Silverstone, ele conseguiu um milagroso quinto lugar no grid, a apenas um segundo do pole-position Ricardo Rosset. Sua corrida, no entanto, não durou uma única volta: seu carro ficou parado no grid na hora da largada e, metros depois, rodopiou em uma curva qualquer. Em Barcelona, outro milagre e um sétimo lugar no grid. E sua corrida, mais uma vez, não durou uma volta sequer: na primeira curva, um toque com o veteraníssimo Jan Lammers acabou com qualquer chance.

Era hora de ganhar quilometragem. No dificílimo circuito de rua de Pau, Campos largou apenas em 16º, mas conseguiu levar o carro até o final, em 13º. O campeonato finalizaria sua primeira metade em Enna-Pergusa, e Marco Campos conseguiu fazer sua melhor corrida na temporada por lá. Largando em 12º, ele se aproveitou dos inúmeros abandonos, absolutamente costumeiros neste traiçoeiro circuito, e terminou em um excepcional quarto lugar. Com seus três primeiros pontos, Marco estreava na tabela de pontos em um ótimo nono lugar.

Infelizmente, a partir daí, as coisas se tornaram apenas mais difíceis. Em Hockenheim, ele se envolveu em um acidente após largar do meio do pelotão. Em Spa-Francorchamps, um razoável oitavo lugar. Em Estoril, um nono. Apesar de Campos estar mais experiente e consciente, o carro está ainda mais defasado com relação aos das equipes grandes do que no início do ano. Preocupado, Marco não sabia se poderia continuar na caríssima categoria em 1996. O patrocínio era muito pequeno e apenas uma equipe como a Draco poderia aceitá-lo. A pressão era imensa. E o piloto seguiu para Magny-Cours para disputar a última etapa do campeonato, no dia 15 de outubro, com a cabeça completamente atordoada.

No treino oficial, para piorar as coisas, Campos conseguiu apenas o 20º lugar em um grid de 25 carros, sua pior posição no ano. Após os treinamentos, ligou para seu pai, Roberto, e contou ironicamente que havia sido o sexto no grid. “Pô, que legal, como vocês conseguiram melhorar o carro do dia pra noite?”, perguntou o incrédulo pai. Marco, com amargo sarcasmo, respondeu que “é o sexto lugar de cabeça para baixo”…

Pouco antes da corrida, Marco bateu um papo com Ricardo Rosset. Segundo Ricardo, o curitibano passava por um período de extremo nervosismo por não saber o que fazer no ano seguinte. A Draco queria continuar com ele, mas não parecia ser um bom negócio. Paul Stewart, dono da equipe homônima, havia feito um convite para um teste após o fim da temporada, mas tudo soava absolutamente incerto. Marco estava determinado em ir para a pista com tudo, para tentar mostrar aquilo que ele não conseguiu nas outras sete etapas.

A última corrida do campeonato se inicia. Para Campos, seria também a última corrida da sua vida.

Marco largou bem e fez uma corrida agressiva, deixando para trás alguns adversários. Com os abandonos de pilotos que haviam largado à sua frente, ele conseguiu subir várias posições na tabela. No finalzinho da corrida, estava em décimo. À sua frente, havia um piloto estreante, o italiano Thomas Biagi. Mesmo utilizando um pouco competitivo Lola, Marco Campos se aproximava rapidamente do Reynard avermelhado de Biagi. Os dois iniciaram a última volta praticamente colados.

Dizem que há apenas um ponto de ultrapassagem em Magny-Cours, aquele retão que antecede o cotovelo Adelaide. O piloto gruda na traseira do adversário, coloca o carro no lado direito e completa o cotovelo à frente. E Marco Campos tentou exatamente isso.

Havia, porém, um detalhe: apesar de tudo, ultrapassagens não eram o forte de Campos. Nos seus primeiros anos de kart, seu maior ponto fraco era a absoluta paura que ele sentia quando era obrigado a ultrapassar. Preocupado, seu pai e seus mecânicos utilizavam-se de uma pequena sacanagem para ajudá-lo: eles deliberadamente faziam acertos errôneos no kart nas tomadas de tempo, de modo que Marco não andasse rápido e fosse obrigado a largar do fim do grid. Assim, à fórceps, ele aprendeu a ultrapassar. E se tornou um piloto agressivo. Até demais, em alguns momentos.

O Lola de Campos pegou o vácuo gerado pelo Reynard de Biagi e colou de vez na traseira do carro do italiano. De maneira suave e aparentemente lícita, Biagi tomou a linha de dentro para evitar a manobra. Ainda assim, Marco insistiu e tentou encontrar um espaço. Como ele já estava absolutamente grudado na traseira do carro à frente, não havia tempo útil o suficiente para isso. E a roda dianteira direita de seu Lola tocou na roda traseira esquerda do Reynard.

A partir daí, acontecia um dos acidentes mais brutais da história do automobilismo.

O Lola azul e amarelo levantou voo e, em um tremendo momento de falta de sorte, bateu com a traseira no muro lateral à pista e caiu de modo que a cabeça do piloto atingisse com tudo a mureta. Após isso, o carro deu uma pirueta e se arrastou até a caixa de brita da curva Adelaide. E parou. Marco Campos estava absolutamente inerte. Que maldito azar. Justamente na última volta da última etapa de um campeonato que, até então, nunca havia registrado um acidente fatal sequer.

Com grave traumatismo craniano, inúmeros edemas cerebrais difusos e lesões no pescoço, Campos foi rapidamente transportado de helicóptero ao hospital Lariboisière, em Paris. Estava em coma profundo. E sua situação se deteriorava cada vez mais. Os médicos tentaram apelar para Dominique Grimaud, neurologista que cuidou de Karl Wendlinger após seu acidente no ano anterior, para tentar salvar Marco Campos. Mas a situação era muito, mas muito pior.

Horas depois, o cérebro parou de registrar qualquer atividade. Em poucas horas, os demais órgãos também começaram a parar de funcionar. À 01h40 do dia 17, dois dias após o acidente, era registrado oficialmente o passamento. Acabava aí a vida de um dos mais promissores pilotos de seu período, talvez o mais.

Enquanto tanto a FIA quanto a CBA demonstravam constrangedora indiferença, o mundo do automobilismo se desesperava. Sem qualquer motivação para seguir, Adriano Morini ameaçou fechar sua equipe para sempre. No fim das contas, o próprio pai de Marco Campos o aconselhou a continuar, e ainda indicou Ricardo Zonta para correr em sua equipe de Fórmula 3000 em 1996. Na Fórmula 1, a tristeza não foi generalizada, mas foi marcante. Olivier Panis, piloto da Ligier, não se conformava com o acontecido e chorava copiosamente. Rubens Barrichello, da Jordan, decidiu homenageá-lo com uma mensagem colocada na viseira de seu capacete: we miss you, Marco.

Termino com o depoimento de Nadia Morini, mulher de Adriano e uma segunda mãe para Marco Campos na Europa:

“Quinze anos já se passaram e, desde este tempo, me sinto como se estivesse sofrendo com a perda de um dos meus filhos. Mas também sinto que ele está aqui ao meu lado. Quando entro em um circuito, ele entra comigo. E você sabe, uma pessoa que realmente te ama nunca te abandona. Ela está sempre com você. Quando ele nos deixou, tudo parecia tão absurdo, fora da realidade. Levei muito tempo para rever o mundo colorido, para deixar de acreditar que tudo não era pintado com um cinza deprimente. (…) Gosto de me lembrar dele a partir de uma história. Estávamos em Pergusa para disputar uma das etapas da Fórmula 3000. Ele disse ‘sabe, mãe, se eu tiver de morrer, vou morrer dentro de um carro de corrida’. Eu disse a ele que era tonto por pensar em uma coisa dessas, mas agora sei que era lá mesmo que ele deveria estar na hora em que tudo aconteceu. Ele é uma estrela que brilha no céu e que olha para nós. Nós nos lembramos dele com carinho, eu e o Adriano, e se Deus quiser, vai chegar o dia em que vamos poder abraçá-lo novamente”

We still miss you, Marco.

Não, não vamos contar sobre a vida de um vocalista cabeludo de alguma banda de hard rock. O Bandeira Verde é um site que fala majoritariamente de automobilismo e este texto não fugirá do tema. Como é de se esperar, vou falar de um piloto que não chegou à Fórmula 1. Como é de se esperar, ele chegou à Fórmula 3000 internacional e não fez mais nada. Muitos pilotos têm este perfil, e eu gostaria de falar sobre vários deles, mas não encontro nenhum motivo ou atrativo para fazer isso. Esse cara, no entanto, merece uma lembrança. Ao contrário dos pilotos criados em condomínio, ele era quase um Kurt Cobain do automobilismo canadense. Assim como ocorre com vários astros do rock, aproveitou a vida e morreu cedo e de forma decadente. No entanto, ao contrário de boa parte deles, morreu injustamente esquecido. Este é Stéphane Proulx.

Stéphane Proulx

Quem?! E como se pronuncia Proulx? Stéphane Prrrucks, nascido em dezembro de 1965, é um daqueles vários talentos que o Canadá perdeu por circunstâncias fortuitas entre meados dos anos 80 e final dos anos 90. Piloto rápido e visceral, seu ápice no automobilismo foi competir na Fórmula 3000 em 1989 e 1990. Nessa etapa da carreira, ele não conseguiu fazer nada. No entanto, Proulx pôde mostrar seu valor ao ser campeão de Fórmula Ford 2000 em 1987 e ao andar lá na frente no período em que competiu na Fórmula Atlantic. O destino, este sim, lhe pregou um monte de peças. Como, aliás, é comum ocorrer com pessoas como ele.

Era uma vez uma bela modelo québecoise de nome Monique Proulx. Monique, nascida em 1949, chamava a atenção por sua aparência e por sua absoluta disposição e versatilidade. Além de modelo, ela já havia trabalhado como atriz, professora, empresária, repórter e dublê! Como ela mesma gostava de dizer, seu negócio era viver sempre no limite, algo que podia ser explicado pelo longo período no qual ela passou inerte devido a uma cruel poliomielite que a atingiu aos dois anos de idade. Em 1971, ela teve um momento de loucura e decidiu se inscrever em um curso de pilotagem hospedado no circuito de Mont Tremblant. Com apenas um ano de curso, ela foi aprovada com louvor. No entanto, a federação canadense de automobilismo não quis lhe dar a licença por não achar apropriado uma mulher disputando corridas no meio de tantos homens. Coisas daqueles tempos…

Monique não desistiu e foi à luta. Em 1971, ela terminou em segundo em um campeonato local de endurance. Três anos depois, ela se tornou a primeira mulher a disputar uma corrida de Fórmula Atlantic, realizada no circuito de Watkins Glen, ao mesmo tempo que competia no SCCA Trans-Am. Aos poucos, apesar de não mostrar um desempenho excepcional, Monique passou a ser respeitada como uma mulher de garra em um ambiente tão machista e conservador como o automobilismo. Como ela era famosa, não era difícil obter patrocínios, e sua passagem pela Atlantic e pela SCCA foi financiada pelos cigarros Virginia Slims. Tudo era diversão e aventura para Monique.

Na vida pessoal, no entanto, as coisas não eram tão fáceis. A transgressora Monique havia engravidado aos 16 anos. Como o cara que a engravidou pulou fora, ela estava sozinha e com um bebê para cuidar. A família ficou estarrecida. Um filho representaria um enorme empecilho no sonho que que seus pais tinham: o de vê-la como professora. Eles chegaram a pedir para e Monique abandonasse seu rebento em um orfanato qualquer. Mas ela não queria. Seu filho, cujo nome era Stéphane, receberia todo o amor e cuidado necessários. Com ou sem pai.

No fim das contas, Monique Proulx acabou juntando as tralhas com o médico Jacques Fortin, que acabou se tornando o padrasto de Stéphane. Os três habitavam um confortável apartamento em Montreal animado por dois cães dobermann. Assim como sua mãe, Stéphane Proulx era uma criança hiperativa e determinada. Sua estréia no automobilismo se deu em 1981, quando ele tinha 15 anos, por meio de um amigo de sua mãe. Fez uma rápida porém expressiva carreira no kart e iniciou sua passagem pelo automobilismo na Fórmula Ford canadense.

Em 1987, ele fez os campeonatos do Canadá e de Quebec da categoria e foi campeão em ambos. Na versão quebécoise, Proulx venceu as três corridas válidas. Na canadense, ele venceu seis das nove corridas e também chegou ao pódio nas outras três etapas. No ano seguinte, ele participou de um campeonato regional que utilizava vários Porsche 994. Provando ter talento tanto em monopostos como em carros de turismo, ele venceu uma corrida e terminou em terceiro. Já era hora de dar um passo adiante.

A mãe, Monique, e o padrasto, Jacques. A paixão pelas corridas estava no sangue

Apesar de já ser um adulto formado, Stéphane tinha a cabeça de um moleque ousado e desprovido de frescuras. A vida, para ele, não fazia sentido se não houvesse um pouco de adrenalina. Em julho de 1988, ele foi pego correndo a mais de 220km/h em uma estrada canadense. Ao ser questionado, Stéphane foi seco e cara-de-pau: “eu não sabia que você estava atrás de mim. Quando você está a 220km/h, você não olha para trás”. Pela infração e pela gracinha, pegou 21 dias de prisão. Sua soltura se deu por meio de um advogado que adorava automobilismo.

O mais bizarro é que Proulx recebia em sua cela alguns executivos da Imperial Tobacco para negociar seu patrocinador para o ano seguinte. Mesmo com o episódio de imprudência, os executivos aceitaram apoiá-lo em 1989 por meio dos cigarros Player’s. Com o gordo patrocínio por trás, Stéphane Proulx conseguiu descolar uma boa vaga na Fórmula 3000, pela equipe GA. Ele foi o primeiro piloto de expressão a ser patrocinado pela Player’s.

Na Fórmula 3000, Proulx manteve a personalidade visceral e despreocupada diante do sisudo paddock europeu. Era comum vê-lo desarrumado e dando risada tranquilamente por aí. Apesar disso, ele não conseguiu atrair para si a simpatia de boa parte da mídia européia, que o via como um aventureiro ególatra, passional e rude para com os jornalistas. No seu primeiro ano na categoria, ele mostrou velocidade e uma enorme propensão a erros. Seu carro não era grandes coisas e sua adaptação foi bastante difícil. Ainda assim, ele conseguiu terminar o ano com uma ótima apresentação em Le Mans: 6º no grid e 5º na corrida.

Foi um ano complicado, mas a Fórmula 3000 é assim mesmo. Para 1990, Proulx conseguiu uma boa vaga na competitiva Pacific. Havia a expectativa de que ele pudesse ao menos vencer algumas corridas, mas não foi isso o que aconteceu. Uma série impressionante de acidentes e quebras acabou com qualquer possibilidade e ele terminou apenas três corridas, sem pontuar em qualquer uma delas. Em Silverstone, ele se tocou com Jean-Marc Gounon e os dois rodaram. Em Pau, ele acertou o carro em um guard-rail. Em Jerez, toque com o compatriota John Jones na reta dos boxes. Em Enna-Pergusa e em Monza, acidentes violentos. Em Birmingham, seu carro escorregou de maneira bizarra na Halfords e bateu com tudo nos pneus. Apesar de ter largado entre os seis primeiros em quatro ocasiões, Proulx terminou zerado, desanimado e sem patrocinador.

Proulx na Fórmula 3 em 1992

Restou a ele voltar para a América do Norte para catar os cacos e recomeçar do zero. Em 1991, ele disputou algumas corridas na Fórmula Atlantic e chegou a vencer uma prova em Vancouver, preliminar de uma corrida da Indy. No ano seguinte, ele emigrou para a França para tentar reestabelecer-se na Europa. Arranjou um Dallara colorido da equipe Formula Project e  disputou cinco etapas da Fórmula 3 francesa, chegando a subir ao pódio em uma ocasião. No entanto, em um exame de sangue rotineiro, o mundo caiu para Stéphane Proulx: ele estava com AIDS.

Antes que alguém maledicente imagine que o cara era uma bichona, a responsável pela doença foi exatamente sua namorada francesa. Portanto, por pior que seja, usem camisinha o quanto possível! Bastante debilitado, Proulx decidiu voltar para o Canadá para fazer seu tratamento por lá. Ainda assim, ele decidiu continuar no automobilismo e arranjou uma vaga em uma equipe de Fórmula Atlantic para o ano de 1993.

No entanto, logo na primeira corrida do campeonato, realizada no circuito oval de Phoenix no dia 3 de abril, um acidente abortava ali a carreira do canadense. Em circunstâncias bastante parecidas com a morte de Henry Surtees no ano passado, Proulx foi atingido por uma roda ejetada pelo carro de um outro competidor. Inconsciente, ele deixou de controlar o carro, que atingiu o muro. Em coma profundo, o canadense foi levado ao hospital em estado bastante grave. Apesar do seu estado ter melhorado um pouco com o passar do tempo, ele nunca mais se recuperou. Stéphane Proulx ficou alguns meses no quarto de seu apartamento, mas a AIDS e o edema cerebral obtido no acidente só o enfraqueciam ainda mais. Sua morte ocorreu no dia 21 de novembro. Sua mãe Monique estava ao lado no momento do falecimento.

Terminava aí a curta e agitada vida de um cidadão que tinha em Gilles Villeneuve seu maior ídolo e sua inspiração. Com apenas 27 anos de vida, Stéphane Proulx foi rejeitado, preso e acometido por uma grave doença. Ainda assim, nunca deixou de transparecer uma enorme animação combinada com uma insuperável vontade de chegar à Fórmula 1. Os filhinhos de papai criados com Sucrilhos em condomínios que disputam a Fórmula 1 atual, às vezes, esquecem que a velocidade também representa emoção e diversão. Um pouco de chibata nas costas no melhor estilo Proulx poderia ensiná-los que a vida é mais do que aborrecimento e calculismo.

Vocês já devem ter percebido que me interesso por biografias insólitas. Não vejo graça em ler sobre a vida de Ayrton Senna, Michael Schumacher ou demais pilotos manjados pela milésima vez. O Bandeira Verde faz de tudo para apresentar caras que, por motivo ou outro, foram esquecidos por torcedores, pelos midiáticos e até mesmo pelos convivas dos paddocks da Fórmula 1. São pilotos bons, muito bons, mas que não puderam alcançar a glória máxima da Fórmula 1. O Clique de hoje homenageia um que cabe perfeitamente nessa descrição, o sueco Thomas Danielsson. Thomas quem? “Tomas Dênielsom”, se você quiser pronunciar corretamente. Ele foi vítima de uma situação única na história do automobilismo.

Nos anos 80, a Suécia passava por um período de entressafra no automobilismo. O país até conseguiu lançar alguns nomes razoáveis, como Steven Andskar e Eje Elgh, mas apenas Stefan Johansson conseguiu representá-lo na Fórmula 1. Havia campeonatos bastante razoáveis no país escandinavo, mas não era o suficiente. Qualquer nome que aparecia no cenário internacional, portanto, recebia atenções especiais. E Thomas Danielsson, oriundo de Kungsbacka, era um desses.

O sueco, um tipo franzino com cara de garoto, emplacou no kartismo do início dos anos 80, chegando a peitar Ayrton Senna em algumas edições do Mundial de Kart. Em meados dos anos 80, dominou o campeonato sueco de Fórmula 3, chamando a atenção dos chefes de equipe europeus. Em 1986, fez sua estréia na Fórmula 3 inglesa pela Madgwick. Nesta primeira temporada, apenas um pódio foi obtido, mas em 1987, Danielsson entrou na briga pelo título do campeonato. Apesar de ter vencido corridas e de ter demonstrado muita agressividade, ele terminou apenas em 4º. De qualquer jeito, foi o suficiente para Eddie Jordan chamá-lo para competir em sua célebre equipe de Fórmula 3000 em 1988 ao lado de Johnny Herbert, que havia sido concorrente seu na Fórmula 3.

Thomas Danielsson guiaria um Reynard todo pintado de amarelo que era considerado um dos carros favoritos para o título. No entanto, o ano começou bastante errático. Em Jerez, ele perdeu o controle do carro e sofreu um acidente a mais de 200km/h. Em Vallelunga, outro acidente e seu carro fica preso nas redes de proteção. Nesta corrida, seu companheiro Herbert também sofreu um forte acidente e teve de ficar de fora da etapa seguinte, em Pau. Deste modo, o inglês pôde ficar com a equipe nos pits. Observando a pilotagem de Danielsson, ele fez uma preocupante constatação: o sueco errava basicamente todas as curvas. Erros escandalosos, que não poderiam ser cometidos por um piloto profissional.

Diante disso, a FISA decidiu fazer uma completa investigação médica em Thomas Danielsson. Durante esse período, ele ainda correu em Silverstone e em Monza, se acidentando também nesta última corrida. Apos a etapa italiana, a federação veio com um veredito surpreendente: o sueco era absolutamente incapaz de enxergar em 3D. Ele nasceu com um distúrbio na visão que o impede de ter noção da profundidade das coisas. Em decisão inédita na história do automobilismo, a FISA baniu o piloto para sempre por ser fisicamente incapaz de competir.

Um veredito imbecil desses só poderia trazer a revolta da mídia e do próprio piloto. Danielsson entrou com um processo contra a FISA na justiça comum alegando ter totais condições de competir. O argumento era que a doença era congênita e nunca representou qualquer dificuldade extra para ele. O trâmite se seguiu por um bom tempo, mas ao contrário do que ocorre na justiça brasileira, foi decidido em alguns meses. E Thomas Danielsson ganhou a causa, recebendo de volta sua superlicença.

De quebra, a Madgwick, sua equipe dos tempos de Fórmula 3, o convidou para ser seu piloto na Fórmula 3000 em 1989. E aí começa a volta por cima do sueco.

Na primeira corrida da temporada, em Silverstone, Thomas saiu da terceira posição e passou os dois primeiros colocados ainda antes da primeira curva. E, após isso, sumiu na liderança. Sua primeira vitória na Fórmula 3000 foi celebrada por todos. Após ela, o sueco perdeu outra vitória certa em Vallelunga por um erro primário no final da corrida e obteve um suado pódio em Pau, ao ter de conter um sedento JJ Lehto. Infelizmente, a concorrência melhorou e Danielsson não manteve a forma do início do ano. Terminou em 6º, com 14 pontos. Mesmo assim, ele teve uma oportunidade de testar um carro de Fórmula 1.

No dia 4 de julho de 1989, Thomas Danielsson foi convidado por Günter Schmid, dono da Rial, para fazer uma visitinha à equipe, que estava testando no circuito de Hockenheim. De súbito, quando chegou lá, Schmid revelou que queria ver Danielsson andando em seu carro. O pedido foi tão surpreendente que o piloto teve de pedir pra mandarem capacete e macacão da Suécia para lá! No mesmo dia, ele entrou na pista com um Rial ARC02 para fazer algumas voltas na longa pista alemã. Infelizmente, a equipe estava testando no mesmo dia que alguns Mercedes-Benz de rua rodavam para testes da montadora. Ainda assim, Thomas fez 20 voltas e ficou a 1s4 do melhor tempo feito pelo experiente Christian Danner.

Bastante satisfeita, a Rial decidiu dar uma nova oportunidade ao jovem piloto. No dia 26 de julho, lá estava Danielsson em Hockenheim novamente, dessa vez em um teste oficial da FOCA com outros 29 pilotos. O ARC02 era muito ruim, e ele terminou em último. No entanto, ele foi apenas dois centésimos mais lento do que Volker Weidler, piloto oficial. Ficou claro que ele tinha potencial para competir na Fórmula 1.

Infelizmente, a Rial faliu no final do ano e Thomas Danielsson não teve mais nenhuma outra oportunidade na categoria. Diante disso, ele se mandou para o Japão e competiu por cinco anos na Fórmula 3000 japonesa antes de se aposentar do esporte a motor profissional. Hoje, não sei o que faz da vida. Se eu conseguir encontrar seu e-mail, tentarei uma entrevista. Seria sensacional ouvir do próprio como foi ser o piloto que a FISA recusou por não enxergar em 3D.

 

Semana passada, eu deixei uma foto para vocês descobrirem qual que é. Três caras (o Felipe Portela, o indefectível Rianov e o Arthur Simões) responderam corretamente: era o espanhol Luis-Perez Sala andando em um Minardi M188 modificado para o campeonato internacional de Fórmula 3000. Os três receberão pôsteres com Sebastien Buemi, Karun Chandhok e Robert Kubica fazendo caretas.

Um Minardi modificado? Como assim?

Quando a Fórmula 3000 foi anunciada, em meados de 1984, uma das idéias da categoria era receber antigos carros de Fórmula 1 que já não tivessem mais qualquer utilidade na categoria maior. Equipando estes carros com motores Cosworth DFV aspirados, a FISA resolvia um problema de estoque, uma vez que tanto os carros como os motores aspirados não serviam para mais nada em uma categoria aonde as equipes desenvolviam chassis válidos para uma única temporada, ou até menos, e os propulsores eram todos turbocomprimidos. E, de quebra, surgia aí uma categoria barata que poderia substituir a Fórmula 2. Dois coelhos com uma cajadada só.

O problema é que algumas construtoras de chassis, como a Ralt, a March e a Lola, desenvolveram monocoques específicos para o regulamento da Fórmula 3000. Esses modelos eram bem mais modernos e adequados para os motores Cosworth do que os carros de Fórmula 1. Mesmo assim, algumas equipes insistiram em reutilizar carros da Williams, da Tyrrell e até mesmo um Dywa que deveria ter corrido na Fórmula 1 em 1980. Sobre esse último, escrevo sobre ele qualquer dia.

O caso é que os carros de Fórmula 1 perderam feio na disputa com os carros feitos exclusivamente para a Fórmula 3000. Em 1987, todas as equipes já usavam carros específicos e a idéia de reutilizar carros de Fórmula 1 foi engavetada. No entanto, dois anos depois, um grupo de zé-ruelas quiseram trazer a idéia de volta.

Luciano Pavesi era um dos chefes de equipe mais tradicionais da Fórmula 3000. Sua equipe, a Pavesi Corse, teve ótimos momentos em 1986 e 1987, quando utilizou chassis Ralt e colocou Pierluigi Martini e Luis Perez-Sala para correr. No entanto, os bons tempos foram embora e a Pavesi se transformou em mais uma das muitas equipes coadjuvantes da categoria. 1988 foi o descalabro. Era necessário voltar aos bons tempos e Luciano achava que tinha uma carta na manga para isso.

Ele decidiu competir na Fórmula 3000 em 1989 com um Minardi M188, o carro utilizado pela simpática equipe italiana na Fórmula 1 no ano anterior. O motor utilizado seria o Cosworth DFV de 3000cc, ao invés da unidade de 3500cc utilizada na Fórmula 1, e os pneus seriam Avon. De resto, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

No início de 1989, Luciano quis colocar seu brinquedinho para testar no circuito de Vallelunga, quintal da Minardi e conhecido rincão das equipes de Fórmula 3000. Motivado por um misto de amizade e experiência, assume o volante o espanhol Perez-Sala, que já havia corrido na Pavesi e que tinha competido na Fórmula 1 com este carro. O carro andou muito bem e ele marcou 1m05s6 como melhor tempo. Com esse tempo, o M188 teria largado em sexto na corrida realizada naquela pista alguns meses depois. A intenção da Pavesi era ter o italiano Rinaldo Capello, aquele que viria a ser vencedor das 24 Horas de Le Mans, como piloto.

Infelizmente, Capello não conseguiu encontrar patrocínio e a idéia da Pavesi competir com este carro foi por água abaixo. Foi a última tentativa de inscrição de um carro de Fórmula 1 na Fórmula 3000.

A Fórmula 3000 era muito foda. Diversão garantida para seus doze espectadores. Você olha esse vídeo, pensa por alguns décimos de segundo e concorda com o escriba. Sim, a “três mil” era foda.

Essa meleca do vídeo ocorreu no antigo, longuíssimo e exuberante autódromo de Hockenheim no ano de 1993. Este trecho aí é o início do primeiro grande retão, que sucede a Nordkurve. O acidente merece uma descrição, bem como seus personagens.

O primeiro a bater é Michael Bartels, em seu Reynard-Cosworth pintado com as cores da equipe Pacific. Bartels fazia seu terceiro ano completo na Fórmula 3000 e era companheiro de David Coulthard em uma equipe que já estava em vias de estrear na Fórmula 1 no ano seguinte. O alemão foi um raro caso de piloto que andou na Fórmula 1 (tentou largar com um Lotus-Judd, sem sucesso, em algumas corridas de 1991) antes de correr na Fórmula 3000. Ele entrou rápido demais na Nordkurve, colocou as rodas do lado esquerdo na brita, perdeu o controle, rodopiou e bateu com força no guard-rail do outro lado. Para sua infelicidade, o Reynard ricocheteou de volta à pista e ficou parado por lá. E aí começa a festa.

Os pilotos que vêm atrás em alta velocidade são obrigados a fazer malabarismo para desviar do carro de Bartels. Alguns conseguem, mas outros não. Conheçamos alguns personagens da história.

Massimiliano Papis, 24, era um piloto italiano com cara de tonto que mostrava muita velocidade misturada com completa falta de bom senso. De razoável passagem pela Fórmula 3 italiana, “Max” estreava na Fórmula 3000 naquele ano correndo com um belo Reynard-Cosworth ciano e azul escuro preparado pela fraca Vortex. Até Hockenheim, ele tinha marcado cinco pontos e estava entre os dez primeiros. Nada mal.

Constantino Junior, 25, era um piloto brasileiro de razoável capacidade. Você já deve ter ouvido falar nele. Você já deve ter até voado na companhia dele. Sim, Constantino é o presidente da Gol Linhas Aéreas. Hoje em dia, ele se arrasta nas últimas posições na Stock Car V8 como hobby. Poucos se lembram, no entanto, que o magnata já chegou muito perto da Fórmula 1. Vice-campeão da Fórmula 3 sul-americana, ele fazia sua temporada de estréia pela PTM, equipe inglesa que tinha mais dinheiro do que capacidade técnica. Patrocinado por uma concessionária da Mercedes sediada em Portugal, Junior corria em um Reynard-Cosworth cujo layout lembra muito o da Jordan em 1995.

Jerôme Policand, 29, era um piloto francês do meio do pelotão que dirigia um Reynard-Cosworth da Omegaland. Não sei quase nada a respeito dele. Se não me engano, corre até hoje. Vou conferir, volto já. É, passei perto. Ele se aposentou em 2009. Já correu muito na LMS. Na Fórmula 3000, fez quatro temporadas completas. Nunca fez nada de relevante.

Pois bem, o acidente começa quando Policand se assusta com os destroços do carro de Bartels e freia violentamente. Constantino, que vinha mais ou menos ao seu lado, também reduz. Logo atrás, Max Papis surge como um doido e faz um strike nos dois carros à sua frente. O carro do francês perdeu a asa traseira, enquanto que o brasileiro rodopiava e acertava o guard-rail.

Com a frente razoavelmente destruída, Papis encosta seu carro na grama e abandona a corrida. Constantino, após bater no guard-rail, ricocheteia de volta à pista, acerta a lateral de Policand e para na grama em seguida. Fim de prova para ele também. Sem asa traseira, Jerôme também não tem muito mais o que fazer e abandona a corrida metros à frente.

Bandeira vermelha. Era um acidente que tinha tudo para ser esquecido, mas alguma boa alma fez o upload do vídeo no Youtube. E agora ele está aqui. Sensacional, essa Fórmula 3000.

Ah, eu estava esperando pelo dia em que eu poderia escrever algo sobre o Autodromo di Pergusa, conhecido pelos mortais como Enna-Pergusa. Não há muito o que se apresentar. Enna-Pergusa é a minha pista preferida e é o melhor circuito do mundo. Quem discordar, boa gente não é.

Por que este escriba ama este circuito italiano? Muitos motivos. E eles serão explicados aos poucos.

Começo aqui com um bem banal: o circuito é localizado na cidade de Enna, próxima a Palermo e pertencente à ilha da Sicília, localizada no sul da Itália. A Sicília é conhecida por ter habitantes barulhentos, pessoas bronzeadas e mafiosos, não nessa ordem. Um lugar desses não deixa de ser muito legal.

Construído em 1951, o Autódromo di Pergusa é localizado dentro da belíssima Riserva Naturale Speciale della Regione Siciliana, uma das maiores reservas naturais do país. Ao redor da reserva, um vilarejo de cerca de 1.500 habitantes. A Riserva Naturale, de considerável diversidade na fauna e na flora, tem como seu grande cartão de visita o lago Pergusa, um pequeno mas simpaticíssimo lago de quase 2km².

Ponto turístico na região, o lago Pergusa possui até mesmo valor mitológico. Dizem os gregos que a bela Perséfone, filha de Zeus, era desejada por Hades, deus dos infernos. Como o relacionamento entre ambos soava impossível, Hades achou por melhor raptá-la. Em um belo dia, Perséfone colhia flores ao redor de um lago quando, de súbito, foi puxada por Hades para as profundezas do inferno, e lá acabou se tornando sua esposa.

Após nove dias e nove noites de busca, Deméter, mãe de Perséfone e deusa da agricultura, se entregou à dor, o que levou à secura da terra, à escassez das colheitas e à morte das plantas. Vendo o caos se estabelecendo, Zeus desceu ao inferno e fez um acordo com Hades: durante metade do ano, ela ficaria com Zeus, levando alegria a Deméter e garantindo o crescimento das flores e dos frutos; na outra metade, ela ficaria com Hades e a tristeza de Deméter levaria ao definhamento de plantas e árvores. E surgem aí as quatro estações.

E o que diabos Enna-Pergusa tem a ver com mitologia grega? O lago onde Perséfone foi raptada era exatamente o lago Pergusa. E Enna-Pergusa foi construído exatamente ao seu redor. No momento de sua construção, em 1951, a intenção era desenvolver um traçado oval que circundasse o lago e que tivesse como background a reserva natural siciliana. Sua primeira versão, de fato, não tinha chicanes. A versão contemplada por esse texto é a de 1975, utilizada até 1995.

Giovanna Amati em 1988

À primeira vista, o traçado parece bastante idiota. Porém, ele é considerado bastante técnico e, por incrível que pareça, pede um carro que se comporte bem tanto em partes de alta como em partes de baixa pelos motivos que explicarei depois. Além de tudo, ele é bastante perigoso e, durante sua existência, teve de ser modificado algumas vezes para conter as altíssimas velocidades. Em 1970, Enna-Pergusa ganhou sua primeira chicane, na verdade uma sequência de suas chicanes, a Proserpina e a Pineta. No ano seguinte, outra chicane, a Zagaria, foi implantada pouco antes da linha de chegada. Em 1975, um complexo de média velocidade foi implantado após a linha de chegada. Por fim, em 1996, o alemão Michael Schumacher foi homenageado com uma pequena chicane antes do Curvone.
 
Enna-Pergusa já sediou de tudo, de corridas extra-campeonato de Fórmula 1 entre 1962 e 1965 a 27 corridas de Fórmula 2 e Fórmula 3000 entre 1972 e 1998. As histórias que saem de lá são inúmeras e construíam o folclore idílico e amadorístico que ronda o circuito. Vou me restringir a algumas da Fórmula 3000 que eu conheço.

O centro médico do circuito é localizado ao lado de uma chicane. E a única maneira de fazer o acesso a ele é por meio de um caminho localizado dentro da pista. Portanto, qualquer acidente com feridos obrigava o carro a utilizar a tal chicane para chegar lá. Em um momento no qual não havia safety-car e as corridas não costumavam ser interrompidas, você imagina o perigo.

Os sicilianos são muito pouco racionais e isso pôde ser visto em Enna. Normalmente, os bandeirinhas iam para o meio da pista fazer a sinalização! Em 1988, o francês Michel Trollé sofreu uma capotagem na corrida de Fórmula 3000 e seu carro ficou virado de cabeça para baixo na brita. O sensatíssimo motorista do guincho simplesmente colocou um cabo no carro e saiu puxando-o de cabeça para baixo e com o piloto dentro, gesticulando um monte! Até mesmo o helicóptero possui histórias: em uma ocasião, tiveram de atrasar um treino porque os organizadores tinham se esquecido de alugar um! Em outra, atrasaram um treino porque o helicóptero foi atender feridos de um acidente de rua em Palermo!

Um brasileiro possui história para contar por lá. Rubens Barrichello, na edição da corrida de F3000 em 1992, sofreu um violento acidente nos treinos. Com o capacete rachado e suspeita de traumatismo craniano, ele foi colocado na ambulância e seguiria para um hospital. Seguiria. No meio do caminho, a ambulância sofreu um acidente e restou a Barrichello ser transportado para o ambulatório de uma penitenciária próxima ao local do acidente. Deve ser o único piloto da história do automobilismo a receber cuidados médicos na cadeia.

Mas o melhor de Enna ocorreu em 1996, também na Fórmula 3000. Sabe-se lá por qual motivo, milhares de sapos (!) saíram do lago e invadiram o autódromo. O circuito ficou lotado de anfíbios e os pilotos não conseguiam desviar. Os mecânicos tiveram de realizar a escatológica tarefa de arrancar os pobres cadáveres bidimensionais dos pneus. Além disso, como eles eram numerosos o suficiente para cobrir as zebras, os pilotos não conseguiam perceber onde se iniciava a curva. Muitos perdiam o ponto de freada.

Ultimamente, Enna-Pergusa não vem sendo utilizada para competições relevantes devido a questões burocráticas. No lugar, a organização vinha utilizando as instalações para shows e outros tipos de evento. Porém, em setembro do ano passado, a FIA devolveu a licença 2 para o circuito e Enna poderá voltar a receber competições relevantes, chegando até a negociar uma etapa do FIA GT para o final deste ano. As negociações não deram certo, mas Enna-Pergusa está no caminho de voltar ao mainstream do automobilismo mundial.

TRAÇADO E ETC.

Como eu disse lá em cima, Enna-Pergusa parece ser um circuito cretino de tão fácil. Mas não é. Na verdade, é um desafio para pilotos e carros. São 4,950 quilômetros de extensão com duas curvas e algumas chicanes separando aquilo que pode ser caracterizado como um oval. Em alguns pontos, há até mesmo uma certa inclinação nas curvas.

Apesar do traçado de 1975 ter apenas duas sequências de chicane e um trecho de média velocidade, o piloto não pode acertar o carro como se fosse correr em um oval. As zebras localizadas nessas chicanes são altíssimas, mas o piloto é obrigado a passar por cima delas caso não queira perder tempo. Por isso, se o carro não conseguir ter estabilidade em curvas, ele passará pelas zebras e terminará no guard-rail.

Outro destaque é o péssimo asfalto, ondulado e quebradiço. Os pneus sofrem um bocado por lá. E aí você faz as contas e vê que um circuito aonde os freios são judiados, as suspensões são exigidas, os pneus se acabam rapidamente e os motores sempre trabalham em altíssimas rotações não pode ser um circuito cretino de tão fácil. Conheça alguns trechos:

VIVAIO: É a primeira sequência de curvas localizada logo após a linha de chegada. A primeira perna é a esquerda e a segunda vai à direita. O piloto freia bruscamente para a primeira curva, reacelera e entra na segunda curva escorregando de traseira, devido à falta de aderência desse trecho. Se o carro não tiver downforce, ele terá sérios problemas para completar esse trecho.

PISCINE: É a primeira chicane do circuito, feita à direita e depois à esquerda. Como ela não é muito fechada, o piloto não precisa frear por completo para passar por ela. Logo, escapadas de traseira também são comuns aqui no momento da reaceleração. A partir deste trecho, começa o trecho de altíssima velocidade em pé cravado.

PROSERPINA e PINETA: Um dos dois complexos de chicanes que surgiram para reduzir a velocidade nos carros. O piloto entra na Proserpina, chicane à direita, tendo de jogar o carro na zebra para não perder tempo. É a chicane mais veloz do circuito, mas ele deverá saber dosar o freio aqui e e erros acabam sendo extremamente comuns. A Pineta é a segunda chicane, feita à esquerda e com o carro vindo em menor velocidade.

CURVONE: O próprio nome diz: é uma curva grande de raio bem longo. É bastante inclinada e serve para o piloto atrás pegar o vácuo e tentar ultrapassar na sequência de chicanes seguinte. Lembra bastante uma típica curva de circuito oval americano.

ZAGARIA: É o segundo complexo de chicanes. Nesse caso, como a primeira chicane é mais aberta, o piloto não precisa frear tão bruscamente. Como a segunda chicane se localiza poucos metros depois e é igualmente aberta, o piloto pode até seguir acelerando e passar por ela incólume.

É isso mesmo. Pequena equipe que disputou a GP2 até o ano passado, a italiana Durango Corse será uma das candidatas à 13ªvaga da Fórmula 1 em 2010. É o Autosport que está dizendo.

O projeto da Durango é antigo. Ela existe desde 1980 e compete em monopostos de alto nível desde 1993, quando estreou na Fórmula 3000. Lá pelos idos de 1995, quando ainda não passava de uma equipe mixuruca na F3000, ela contratou Enrique Scalabroni (o projetista oficial das equipes natimortas) para fazer um projeto para a Fórmula 1. Faltou dinheiro e a idéia foi arquivada. Quinze anos depois, a Durango volta a sonhar com a categoria máxima.

Se a Campos, que era uma das grandonas da GP2, sofreu um bocado, o que garante que a Durango obteria mais sucesso?

Nos dias atuais, nós temos um monte de categorias de merda e um monte de categorias legais. Não quero falar de coisa ruim hoje, é véspera de feriado e não vou trabalhar amanhã, então vamos nos ater apenas às categorias boas. A Fórmula 1, com todas as suas politicagens, sujeiras e bizarrices, ainda é uma delas. Tem também a LMS, a GP2, o WTCC, o BTCC e por aí vai. Mas a história registra vários outros campeonatos que não existem mais, mas que foram marcantes por prover corridas sensacionais e muitos causos por trás.

O blogueiro colocará cinco categorias que fazem parte da memória e do gosto do próprio blogueiro, então não se assustem se vocês se perguntam se o 2º ou o 3º não poderiam estar no lugar do 1º.

5- FÓRMULA RENAULT BRASILEIRA

Largada em Jacarepaguá, 2003

Eu não consigo engolir o fim dessa categoria, surgida em 2002 a partir de uma belíssima iniciativa de Pedro Paulo Diniz. A Fórmula Renault propunha substituir a Fórmula Chevrolet na formação de pilotos brasileiros, e propunha isso com uma categoria de altíssimo nível, carros utilizados concomitantemente na Europa e premiação farta.

Eu acompanhei a temporada 2002 inteira. Não me lembro de ter me divertido tanto com uma categoria. Grids lotados, pilotos ávidos pelo sucesso tentando ultrapassagens impossíveis, patrocinadores e TV interessados. As ultrapassagens ocorriam em todas as curvas de todos os circuitos, mesmo os de rua como Vitória e Florianópolis. Quando uma tentativa dava errado, resultava em acidentes bizarros. Só havia um defeito: as corridas duravam muito pouco, 30 minutos.

Infelizmente, a partir de 2004, com o aumento de custos devido à atualização realizada nos equipamentos e à diminuição gradativa da divulgação e do televisionamento, os grids começaram a minguar e a categoria perdeu interesse. As corridas ainda seguiam ótimas, mas para a Renault já não dava mais certo. E no fim de 2006, de súbito, a montadora brasileira anunciou o fim da categoria, pegando todos de surpresa.

Fiquem com esse vídeo do Nelson Merlo em 2005. Não é jabá, embora eu o gostaria de fazer pela carreira dele. As corridas eram desse jeito.

4- DIVISÃO 2 DO RALLYCROSS EUROPEU COM CARROS DO GRUPO B

MARTIN SCHANCHE MITO

Esse eu descobri num antigo Havoc. O Rallycross europeu utilizava carros do antigo grupo B, um tipo de carros de rali cuja preparação era quase que completamente irrestrita: turbos, materiais de alta tecnologia, tudo era liberado. Desse modo, alguns dos carros mais velozes, ultratecnológicos e perigosos de todos os tempos foram desenvolvidos para o Mundial de Rali nos anos 80. Muitos acidentes e a morte de Henri Toivonen no Tour de Corse de 1986 levaram ao fim dessa anarquia automobilística.

Mas os carros continuaram correndo no Rallycross. Ao contrário do rali normal, o Rallycross era literalmente uma corrida ao redor de um circuito: os carros, geralmente quatro ou cinco, largavam um ao lado do outro e faziam voltas ao redor de um circuito de terra, asfalto ou tudo isso junto. Os carros eram extremamente potentes e os pilotos tinham de fazer mágica para segurar os rojões nas curvas. As corridas eram sensacionais.

Infelizmente, a FISA acabou com a festa já em 1993, fazendo os carros da Divisão 2 utilizarem o regulamento do grupo N, bem menos potentes. A categoria ainda realiza ótimas corridas, mas não é mais a mesma.

E eu sou fã do norueguês Martin Schanche.  

3- GRUPO C – MUNDIAL DE PROTÓTIPOS

Sauber-Mercedes pilotada por Jean-Louis Schlesser e Jochen Mass em 1988

Ah, o Mundial FIA do Grupo C. Para quem não conhece a nomenclatura, a FISA considerava o grupo A como carros de turismo, o grupo B como carros de rali e o grupo C como carros esporte-protótipos. E a federação sancionou, entre 1982 e 1992, um dos campeonatos mais impressionantes já vistos no automobilismo.

O Mundial de Protótipos era uma mescla dos antigos campeonatos do Grupo 5 (carros fechados, de dois lugares e de produção limitada) e Grupo 6 (a única diferença é que os protótipos eram abertos). Eram carros vanguardistas, de mecânica, eletrônica e aerodinâmica sofisticadíssimas para a época. A única grande restrição do regulamento dizia respeito ao consumo: o tanque de combustível e o número de paradas eram limitados, e cada equipe que se virasse para minimizar o consumo sem prejudicar o desempenho. De resto, tudo livre.

Mesmo com todo o desenvolvimento, as corridas eram sensacionais. Os carros eram extremamente bonitos, coloridos e muito bem patrocinados. As equipes eram tão famosas e idolatradas quanto às da F1: quem não se lembra da Sauber-Mercedes, da Jaguar, da Lancia, da Mazdaspeed, da Porsche, da Kremer, da Ecurie Ecosse, da Brun? Os pilotos eram tão bons quanto os da Fórmula 1, sendo que muitos da categoria principal de monopostos corriam de vez em quando em protótipos, como Johnny Herbert, que venceu as 24 Horas de Le Mans em 1991 ao mesmo tempo em que corria pela Lotus na F1.

Era tudo muito legal. Mas a categoria morreu por diversos motivos. Um deles, e o mais óbvio, era o crescimento vertiginoso dos custos. O segundo era uma imposição da FISA, em 1989, para aproximar ainda mais a categoria da F1 restringindo o desenvolvimento dos carros e beneficiando os que utilizavam motores de 3500cc. As equipes de fábrica preferiram, então, investir diretamente na F1 e as pequenas não tinham como comprar esses motores. A pá de cal veio em 1991, quando a FISA baniu os motores turbo do regulamento, afastando a Porsche e também Mercedes e Jaguar, que previam que o campeonato seria uma merda em 1992. E ele foi, de fato. Belíssima história de triste final.

2- CHAMPCAR

James Weaver, equipe Dyson, Long Beach/1989. Ah, os rejects da ChampCar...

Quem não se lembra do show de Rick Mears nos ovais? De Al Unser Jr. nos mistos? De Nigel Mansell vindo diretamente da F1 para a Indy? De Bobby Rahal e sua extrema regularidade? De Paul Tracy e suas loucuras? De Alex Zanardi fazendo suas excepcionais corridas de recuperação? Do saudoso Greg Moore? Isso era a ChampCar, também chamada de CART e, anteriormente, de Fórmula Indy.

A categoria, surgida em 1979 depois de uma briga com a USAC, foi a melhor categoria de monopostos da história dos EUA. Corria em ovais velocíssimos como Indianápolis, Michigan, Fontana e Pocono, ovais pequenos como Milwaukee, Nazareth, Loudon e Gateway, mistos como Elkhart Lake, Mid-Ohio e Laguna Seca e pistas de rua como Long Beach, Toronto e Vancouver. Os carros utilizavam motores turbo que chegavam, no caso do Mercedes utilizado na Indy 500 de 1994, a mais de 1000cv. Os chassis, de marcas consagradas como Reynard, Lola, Truesports, Penske e March, tinham configurações distintas para superspeedways e para mistos e ovais curtos. 

As corridas, tanto em ovais como em mistos, eram todas boas, com ultrapassagens, acidentes e atuações individuais impressionantes. Era muito difícil ter corrida monótona. Os grids eram lotados e os patrocinadores disputavam espaços minúsculos mesmo em carros do fundão do grid.

Infelizmente, a ChampCar começou a morrer a partir de 1996, com o surgimento de uma dissidência, a Indy Racing League. A categoria seguiu em ótimo estado até 2002, quando houve mudanças de gestão e a categoria perdeu sua principal equipe, a Penske. Entre 2003 e 2007, infelizmente, ela definhou, ficou por um bom tempo utilizando um mesmo chassi e virou refúgio de pilotos de segunda linha da Europa.

Fiquem com o vídeo da famosa briga entre Mansell e Emerson Fittipaldi em Cleveland, 1993. Desculpem os fãs de Gilles x Arnoux, mas acho isso bem mais legal.

1- FÓRMULA 3000 INTERNACIONAL

Fabrizio Giovanardi em 1989

Esse post foi meio que um motivo pra falar da Fórmula 3000 Internacional. Eu adoro a categoria, é o meu campeonato preferido, sou um raro fã xiita.

A categoria surgiu em 1985 substituindo a Fórmula 2. A intenção era fazer um campeonato bem mais barato que a antiga categoria utilizando os motores 3000cc (daí vem o seu nome) recusados pela Fórmula 1 da era turbo, além dos chassis antigos da categoria-mãe. Com o tempo, porém, os chassis March, Reynard e Lola especialmente preparados para esse nível substituiram os chassis de F1, mais defasados e ineficientes.

Era uma várzea, a F3000. A lista de inscritos era variável a cada corrida, e uma equipe podia se inscrever ou inscrever um piloto novo faltando horas pra começar o primeiro treino. Em 1986, a categoria chegou ao absurdo de ter mais de 70 pilotos inscritos para pelo menos um dos 11 fins de semana com corrida.

Até 1995, a situação era mais ou menos essa: grids cheios, pilotos promissores, disputas entre chassis e motores diferentes, corridas sensacionais, nenhuma divulgação ou atenção da mídia. A partir de 1996, a FIA quis fazer todo mundo utilizar equipamentos Lola-Zytek, muito piores que os Reynard-Cosworth mas muito mais baratos. Os grids continuaram lotados e as corridas continuaram boas, mas ninguém dava bola e os custos não paravam de crescer.

Com os grids de F1 cada vez menores, a F3000 cada vez menos passou a mandar gente para lá. Como a categoria era um fracasso comercial e só servia pra revelar talentos que não iam a lugar nenhum, os grids começaram a minguar, e o interesse, que era quase nulo, se tornou efetivamente nulo. Os últimos campeonatos, entre 2002 e 2004, viram corridas terríveis, pilotos pagantes fracos e um domínio insuportável da Arden.

Mesmo assim, todo mundo que viu a F3000 simplesmente se apaixonou pela categoria. Era o verdadeiro Patinho Feio do automobilismo. E, sei lá, a GP2 é muito legal, limpinha e bem-divulgada, mas não é a mesma coisa. Abaixo, Zandvoort 1985.

O Bandeira Verde começa hoje mais uma seção, ou sessão: Cineverde. Reveja aqui os melhores e os piores momentos gravados em VHS, Betamax, Super 8, DVD, BluRay, TekPix e que podem ser vistos em sites de vídeos por aí. Começo hoje com a pancada básica do irlandês Dino Morelli no GP de Nurburgring da Fórmula 3000 Internacional em 1997. Esse é o pior acidente sem vítimas fatais da história da categoria.

Morelli era um piloto de algum potencial, mas como não tinha dinheiro, nunca teve uma oportunidade boa no automobilismo. Além disso, ele já tinha na conta um acidente muito parecido sofrido na mesma Fórmula 3000 em Barcelona dois anos antes, no qual ele fraturou os tornozelos. Mas esse foi fichinha perto do terror de Nurburgring, quarta etapa do campeonato.

Chovia pra caralho no circuito instantes antes da hora da largada. A visibilidade era péssima mas, mesmo assim, os sapientíssimos diretores de prova liberaram a largada. O brasileiro Ricardo Zonta, pole-position, manteve a liderança da corrida, que durou apenas três voltas.

Na terceira volta, Gareth Rees rodopiou na reta dos boxes, sendo acertado em cheio pelo carro verde de Dino Morelli, terceiro colocado na corrida anterior em Helsinki. O carro de Morelli, sem as rodas e a suspensão direita, simplesmente seguiu reto como um torpedo descontrolado na reta. Ao chegar à curva, o carro ainda esbarra em Cyrille Sauvage, mas não pára. O acelerador está travado!

Morelli vai de encontro com a barreira de pneus com toda a violência. Pneus voam para todos os lados e o guard-rail é rompido. Pânico geral no autódromo. Todo mundo achou que ele estava morto. O atendimento é rápido e, poucos minutos depois, Dino Morelli é levado de helicóptero ao hospital. Saldo final: cortes no rosto, concussão cerebral, duas pernas quebradas, traumatismo torácico e complicações respiratórias. O mais incrível é que, apesar de tudo isso, ele esteve consciente o tempo todo!

Morelli ficou se recuperando durante um ano e voltou para a Fórmula 3000 em 1998. Na sua primeira corrida, em Imola, bateu feio de novo. Mas não sofreu nada e seguiu sua carreira sem grandes sucessos até se retirar do esporte um tempo atrás.