Nesses últimos dias, o acervo digital da Folha tem me tomado um tempo desgraçado. O jornalão do seu Frias nos fez o favor de liberar todo o conteúdo já publicado desde os anos 20. São quase cem anos de pura história brasileira e mundial, coisa preciosíssima. E uma pessoa que gosta muito de ler coisas do passado, como é o meu caso, se esbalda com vontade. Aproveite: o acesso será gratuito por tempo limitado.
Consultando o acervo, encontrei muitas notícias referentes ao automobilismo. Muitas mesmo. Centenas, dezenas, milhões delas. Notícias sobre Fórmula 1, Fórmula Indy, Fórmula 3000, Mundial de Marcas, Fórmula 3 sul-americana, Mundial de Motovelocidade e tudo o mais. Um detalhe deve ser relevado, no entanto: essas notícias são, em sua esmagadora maioria, da primeira metade da década de 90 para trás. Depois da morte de Ayrton Senna, o automobilismo perdeu enorme espaço na Folha, assim como ocorreu em outros grandes veículos de mídia.
E observando esse monte de notícias, vi como eram frequentes as citações a jovens pilotos das categorias de base. O exemplo mais incrível é o de Rubens Barrichello, atual piloto da Williams. Se você pesquisar todos os seus registros de 1992 para baixo no acervo da Folha, encontrará nada menos que 213 páginas mencionando seu nome. Pesquisando em outros acervos digitais, os resultados são igualmente impressionantes. No acervo da Quatro Rodas, o nome de Barrichello é mencionado 72 vezes antes dele entrar na Fórmula 1. Até mesmo no acervo da Veja, ele é citado em cinco ocasiões nesse mesmo período.
Vamos fazer comparação semelhante com Felipe Nasr, o piloto brasileiro de maior potencial entre todos os que correm nas categorias de base internacionais. Na Folha, ele foi mencionado em apenas uma ocasião, em uma tímida notinha colocada em uma coluna de Fábio Seixas em abril de 2010. Na Quatro Rodas, nada. E na Veja, nem sonhando. Há quem diga que a comparação é injusta, já que a carreira de Barrichello era maior e mais expressiva que a de Nasr antes da Fórmula 1. Mais ou menos: Rubens correu em monopostos por apenas quatro anos antes de chegar à categoria máxima. Felipe está exatamente em seu quarto ano, e tem boas chances de ser campeão inglês de Fórmula 3, que foi o campeonato mais importante já vencido por Barrichello.
Aonde eu quero chegar com isso? Nesse texto, uma das explicações vem antes da apresentação inicial da ideia. O que mais me chama a atenção não é a comparação entre o número de menções dos pilotos antigos em relação aos novos. Falo, sim, de como esse tratamento especial da mídia representa uma enorme diferença em relação a patrocinadores. A maior diferença entre a geração de Barrichello e a geração de Nasr é a presença de apoiadores de peso e da mídia, ambos praticamente inexistentes atualmente.
Nas reportagens antigas, vemos Rubens Barrichello sempre apoiado pela gigante alimentícia Arisco. Seja no kart, na Fórmula Opel, na Fórmula 3 ou na Fórmula 3000, seja seu carro vermelho, azul ou branco, o logotipo da empresa de molhos de tomate e sucos em pó sempre aparecia ao lado do jovem piloto no início de sua carreira. E a Arisco não o ajudava apenas enfiando dinheiro em sua carteira. O apoio também era feito por meio de divulgação extensiva aliada à publicidade. Quem aqui, entre os que têm mais de 30 anos, não se esquece do jovem e cabeçudo Barrichello aparecendo em anúncios de TV e em revistas como um garoto-propaganda dos catchups da marca?

Alguém imagina um comercial estrelado por um piloto da Fórmula 3 inglesa? Pois é, isso aconteceu em 1991
Rubens Barrichello é o caso mais interessante, mas está longe de ser o único. Christian Fittipaldi, seu maior adversário no kart, também tinha apoios de peso. No começo, eram os barbeadores da Philishave que pintavam seus carros de vermelho. Na Fórmula 3000, ele passou a ser apoiado pelos aparelhos da Gradiente e pelo velho tênis M2000. Gil de Ferran levou a marca de cosméticos Phytoervas para o âmbito internacional. E Mauricio Gugelmin, sempre apoiado pela Perdigão e que até gravou um comercial contra o desmatamento com a marca em 1989?
Os dois maiores nomes do Brasil na Fórmula 1 também nunca tiveram enormes problemas com patrocinadores. Quem acompanhava o início da carreira de Nelson Piquet não se esquece do apoio da Brastemp, que o acompanhou até seus primeiros anos na Fórmula 1. E Ayrton Senna teve vários apoios expressivos. Na Fórmula Ford 2000, a transportadora de carros Transzero investiu sozinha no brasileiro no início da temporada de 1982. Após alguns meses, o banco Banerj apareceu com um cheque de 40 mil dólares para completar o orçamento. Na Fórmula 3 inglesa, além do Banerj e da Transzero, passaram a apoiá-lo os jeans Pool, os brinquedos Estrela e a boate paulistana Gallery. Juntas, estas cinco empresas garantiram uma vaquinha de 500 mil dólares, quantia mais do que suficiente para uma vaga de ponta na Fórmula 3.
E hoje? Felipe Nasr, o brasileiro com mais potencial, corre em um carro verde e amarelo. Bonito, mas há um detalhe: não há um mísero adesivo sequer. No macacão, também não há nada. É uma situação constrangedora, ainda mais sabendo que concorrentes de nível bem inferior, como Jazeman Jaafar e Rupert Svendsen-Cook (leitor desse blog!), carregam patrocinadores robustos em seus bólidos.
Se o negócio tá tenso pro Nasr, o que dizer dos outros brasileiros? César Ramos, o atual campeão italiano de Fórmula 3 e um dos candidatos às vitórias na World Series, também pilota um carro pelado em patrocinadores. Situação bem diferente da do seu companheiro Alexander Rossi, americano que carrega em seu carro um considerável número de emblemas de seu país. Se o cara que ganha títulos não atrai a atenção de ninguém, a situação dos demais deve estar uma merda.
De fato, está. Lucas Foresti, da Fórmula 3 britânica, só tem um pequeno apoio da Radiex Produtos Automotivos. Leonardo Cordeiro, ex-campeão da Fórmula 3 sul-americana que corre na GP3, é apoiado pela Minoica Global Logistics. Pietro Fantin, da mesma Fórmula 3 britânica de Cordeiro, tem o apoio da Silea Energy. Não consegui identificar nada no carro de Yann Cunha, também da supracitada Fórmula 3. E Luiz Razia só tem o emblema da Razia Sports, o que não passa de “paitrocínio” puro e simples.
Com todo o respeito para essas empresas, que já fazem muito ao dar um mínimo apoio aos garotos, você compara com os patrocinadores de vinte ou trinta anos atrás e vê que há algo de errado. Naqueles tempos, falávamos em Brastemp, Perdigão, Labra, Arisco, Estrela, Banerj e outros. Eram grandes empresas que injetavam muito dinheiro para fazer a garotada chegar ao olimpo e mostrar ao mundo quem é que a apoiou. Com relação aos pilotos atuais, nenhum deles é apoiado por uma empresa de fama nacional, quanto mais internacional. Em alguns casos, suspeito que sejam empresas familiares, ou de amigos próximos de familiares. Talvez algumas nem sejam brasileiras. Reconheçamos: é muito mais difícil para um piloto poder subir para a GP2 em boas condições tendo um pequeno apoio de uma empresa menos conhecida do que foi para um Barrichello, que fez a Fórmula 3000 sossegado com o boné da Arisco.
Um caso que prova que há algo de errado no envolvimento de empresas com pilotos brasileiros é Pedro Nunes, da GP3. Há cerca de sete anos, Nunes fez sua estreia no kartismo com uma estrutura digna de piloto de Fórmula 1. Filho do cabeleireiro Wanderley Nunes, ele pôde desfrutar de todos os bons contatos do pai e arranjou uma série de patrocinadores fortes que incluíam a Vivo, o Guaraná Antarctica, a Bauducco e um monte de empresas do mundo da beleza. Quem via, pensava “taí um cara que vai desbancar o Pedro Paulo Diniz em termos de grana de patrocinadores”.
Pois não é que aquele monte de patrocinador desapareceu? Hoje em dia, Nunes continua sendo provavelmente o piloto brasileiro mais bem patrocinado do automobilismo mundial, contando com o apoio da OGX (uma das milhares de empresas de Eike Baptista), do grupo CGE, da Claro, da Wella e da Alfaparf. Não que Nunes seja lá o piloto mais talentoso de todos, mas não é sintomático que nem mesmo o filho de um dos homens mais bem relacionados do Brasil possa exibir um logotipo expressivo para os outros?
O caso é que o automobilismo deixou de ser interessante para os departamentos de marketing das empresas. Não sei se pelo fato das corridas supostamente não serem mais tão boas ou se a mentalidade corporativa se tornou mais conservadora após a crise de 2008, mas o fato é que ninguém mais está disposto a abrir sua carteira para apoiar um piloto de corridas.
Há quem argumente que se trata do fato de não haver exposição na mídia. Concordo, mas há algo a ser retificado. Nos anos 80, a Globo vinha com notícias diárias sobre Fórmula 1, desde informações técnicas até sobre o furúnculo do cu do cachorro do Senna. Eram outros tempos, em que a cobertura jornalística global como um todo era mais profunda e apegada a detalhes. A gestão de Ali Kamel, atual diretor da Central Globo de Jornalismo, é marcada pelo generalismo com o qual os assuntos são tratados. O lema de ordem é falar sobre o máximo de assuntos no menor tempo possível e da maneira mais superficial possível. Faz sentido, se o objetivo é atrair o máximo de telespectadores. Mas os nichos, e o automobilismo é um deles, acabam pagando o pato.
O jornalismo brasileiro, como não podia deixar de ser, segue a tendência global, e as coberturas sobre quaisquer assuntos se tornam mais pobres e genéricas. A internet tomou de vez o lugar da televisão e do jornal impresso como fonte de informação especializada. Mas não dá pra comparar a cobertura de um bom site como o Grande Prêmio com a divulgação de uma reportagem de três minutos no Jornal Nacional. Queira ou não, a mídia de massa ainda é a principal em se tratando de merchandising.
Se o automobilismo é deixado de lado pela grande mídia, as empresas não vão querer investir. Se não há investimentos, os pilotos acabam catando os cacos do automobilismo internacional ou simplesmente desistem da brincadeira. Se a situação dos pilotos é tão ruim assim, o automobilismo acaba sendo ainda mais deixado de lado pela mídia. Círculo vicioso filho da puta, este. Como quebrá-lo?
Hoje em dia, a solução passa por uma espécie de mecenato do século XXI. Empresas como a Red Bull, a Telmex, a Petronas e algumas montadoras mantêm programas de desenvolvimento de pilotos. Esses programas funcionam muito bem, mas o problema é que eles são restritos: quem fica de fora deve sentar e chorar copiosamente. A tendência é que o automobilismo de base se transforme em um conflito entre essas panelinhas. E o Brasil costuma ficar à margem desses programas.
Você, que reclama do Massa e do Barrichello, pode ficar feliz. Não vamos ter pilotos brasileiros para te aborrecer no futuro.
20 de abril de 2011 at 2:40
Num país onde os imbecis só gostam de futebol e temos pelo menos 4 grandes jornais que tem suas sessões de esportes com cobertura até sobre a morte do bisneto pau mole com câncer de pelé, vai ser dificil trazer aquele fervor pelo automobilismo de volta.
só restam os verdadeiramente fãs. O fato é 3/4 dos fãs de automobilismo tornaram-se viuvas do senna, e depois disso, passaram a ignorar formula 1 e as competições. pobres idiotas que não sabem suportar mudanças. fracassados.
20 de abril de 2011 at 3:57
Li o primeiro trecho, vi o link, cliquei e já mandei um e-mail para o meu amigo:
Título: Barrichello, GP 1
http://acervo.folha.com.br/fsp/1993/3/15/20/4780625
Curioso que era a estréia da Sauber (ao lado) que prometia se tornar gigante dentro de pouco tempo…
Roberto Carlos, Dida e André (que depois virou André Luis) eram promessas (olha que merda de time de juniores), Cerezo era craque, Fórmula 1 tinha duas páginas e meia na Folha….
Me chamou a atenção e eu puxei pela memória, lembrando o tamanho do espaço que a F1 tinha no Brasil, e o automobilismo em geral, nacional inclusive. E como você disse a algum tempo, é “culpa minha, sua, nossa”, essa perda de espaço.
20 de abril de 2011 at 9:41
hahaha eu tinha, não sei por qual motivo, uma camiseta, uma toalha e varios adesivos da Philishave, todos com o carro do Christian visto de perfil!!!!
20 de abril de 2011 at 10:25
Ótimo texto mias uma vez. O automobilismo de base anda mesmo abandonado no Brasil, o Yann Cunha que você mencionou andou na F3-Sudam basicamente com o nome dele no lugar do patrocinador principal. Um dos poucos dessa categoria que tem um bom apoio é o Fernando Kid, que no ano passado teve um apoio forte do patrocinador, alem do Fabiano Machado que também tinha patrocínio forte.
Vale mencionar também que além da falta de patrocínio, a falta de organização e o alto preço das inscrições em campeonatos de Kart(pelo menos em SP) ajudam a minar o automobilismo de base.
Parabéns pelo texto Verde
20 de abril de 2011 at 15:05
Hoje quem acompanha o automobilismo em geral (fórmula 1, GP3, Stock Car, etc) é só quem ama mesmo, porque parece que só existiu automobilismo no Brasil quando Fittipaldi, Piquet e Senna correram…
Excelente texto. É notável que mesmo o Brasil vivendo esta ‘crise automobilística’ ainda existam pessoas que sabem ter uma grande visão sobre o que ocorre com este esporte.
Abraço!
20 de abril de 2011 at 17:24
Também devemos considerar que a forma de as empresas analisarem o patrocínio mudou muito. Elas entendem que o automobilismo é uma forma de marketing de relacionamento, onde podem atrair grandes clientes e fornecedores e alinhavar bons negócios. Um exemplo: o Diego Nunes voltou para o Brasil pois a Garoto entendia que o investimento dela seria mais rentável na Stock Car do que na GP2.
Os grandes patrocinadores apenas mudaram de foco. Se olharmos para a Stock Car ou para a Fórmula Truck, vemos grandes marcas: Petrobras, Samsung, Red Bull, Ipiranga, Pioneer, Caixa (que patrocinou o Hélio Castroneves na F-3 Sudam), Nextel…
20 de abril de 2011 at 21:03
Os patrocinadores deviam olhar para o futuro e ver(se o piloto for bom)a carreira talentosa dele e torrões de verdinhas entrando nos “crofes” deles,mas,eles não ligam para esse tal futuro sem ao menos tentar,se o piloto for tartaruga com rodas quadradas(imagine a cena),eles podem mandar ele para o olho da rua,deixa ele choramingar e diz “tu só fez eu gastar dinheiro” e fecha a porta na cara dele,não é tão dificil assim não.
20 de abril de 2011 at 21:37
Excelente texto, mais uma vez. Tua última frase diz exatamente o que comentei várias vezes com as pessoas.
O máximo que teremos serão uns bundões andando de carrão importado ou uns decadentes na Stock.
Quanto às propagandas, eu tinha um boné azul do Nacional com a assinatura do Senna, depois que ele morreu isso valia muito, tanto que vendi ele por 100 reais na época.
21 de abril de 2011 at 20:13
Você citou a propaganda do Gugelmin, no YouTube há outra propaganda do Gugelmin na Perdigão em 90, no motorhome da Leyton House.
21 de abril de 2011 at 20:51
E como você pode explicar que na Itália Berlusconesa continuem a patrocinar seus bambinos pilotos, mesmo com a migração da cobertura especializada para a internet?