Daqui a alguns anos, não teremos pilotos brasileiros na Fórmula 1. Essa frase não foi dita por um fanfarrão como eu ou por um domingueiro qualquer. Quem a proferiu com austeridade foi Felipe Massa, piloto brasileiro que corre na Ferrari. Entrevistado pelo Estadão, Massa explicou que os pilotos brasileiros estão seguindo diretamente para as corridas de turismo e utilizou até mesmo uma superficial contradição econômica para ilustrar a mudança de mentalidade ao dizer que os pilotos brasileiros não vão mais para o exterior mesmo com o câmbio favorável, exatamente o contrário do que acontecia dez anos atrás.
O único argumento que pode ser utilizado contra Felipe Massa é o caráter cada vez mais internacionalizado dos grids da Fórmula 1. Há cada vez mais países presentes e cada vez menos pilotos por país, configurando quase uma Copa do Mundo de pilotos. Se não vamos mais ter três brasileiros no grid, também não teremos mais três britânicos ou seis alemães, já que todos dividirão espaço com chineses, indianos, filipinos, guatemaltecos e marcianos.
Descartando esse argumento, que é bastante lógico, hora de refletir um pouco.
Massa está basicamente certo. A possibilidade de não ter mais ninguém que tenha nascido entre o Oiapoque e o Chui correndo na Fórmula 1 daqui a alguns anos é considerável. Vou além: nem mesmo as categorias internas de turismo terão lá um futuro muito promissor. Qualquer coisa relacionada a automobilismo aqui dentro tenderá a sumir, ou no máximo se tornará uma iniciativa isolada e semiamadora. Da Fórmula 1 até o kart, estamos ferrados. E a culpa é de tudo. De todo mundo.
Comecemos por cima.
Temos atualmente dois brasileiros na Fórmula 1, Massa e Rubens Barrichello. Juntos, contabilizam 22 vitórias, três vice-campeonatos e dez temporadas na Ferrari, a equipe de maior prestígio do automobilismo. Mesmo dizendo que prefiro Barrichello a Massa com sobras, reconheço que ambos são pilotos de altíssima qualidade sob qualquer prisma. Qualquer país se sentiria lisonjeado por ser representado por um deles. Mas não o Brasil, eterna república exportadora de bananas e prostitutas.
Rubens e Massa são impiedosamente massacrados por uma mídia ignorante e sensacionalista e por torcedores estúpidos e imediatistas. Inicialmente, pelo terrível crime de não trazerem os títulos e as glórias que Senna trouxe ao país. Depois, por terem se curvado às ordens de equipe da Ferrari, que seria inimiga do Brasil. Argumentos infantis e idiotizados. São dois profissionais de competência reconhecida e de sucesso claro. Só que o brasileiro, inebriado pelo fenômeno messiânico de Ayrton Senna, é incapaz de reconhecê-lo.
O resultado é claro. Reparem que nenhum deles conseguiu manter um patrocínio pessoal por muito tempo na Fórmula 1. Após o fim da parceria com a Arisco, Barrichello foi patrocinado pela Davene durante alguns poucos anos. Depois, ficou quase dez anos sem um patrocinador pessoal e só voltou a ter um em 2009, quando conseguiu o apoio da revista Caras. Já Massa teve (não sei se ainda tem) o pequeno apoio dos biscoitos Club Social. As empresas morrem de medo de se associar a pilotos com a imagem de perdedor. E quem faz a imagem? Mídia e torcedores. A culpa é deles. Minha. Sua.
Ao mesmo tempo, quantos pilotos se sentem estimulados a fazer uma carreira visando a Fórmula 1 se, mesmo vencendo corridas, serão chamados de perdedores no caso de não conseguirem um título? Qual é o incentivo que damos ao dizer que “depois de Senna, o Brasil nunca mais teve um piloto”? Qual é o incentivo que damos ao deixar de lado os medalhões Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, tão campeões como Senna? O caso é que o Brasil ainda não superou a perda de Ayrton Senna. Pois já é hora de começar a superar. Ninguém será Ayrton Senna e os pilotos não devem ser responsabilizados por isso. Mas as pessoas acham o contrário. A culpa é deles. Minha. Sua.
Do mesmo jeito que maltratamos nossos pilotos na Fórmula 1, ignoramos solenemente os pilotos brasileiros das outras categorias. Indy? Era coisa do Emerson e olhe lá. GP2, Fórmula 3, World Series? Várzea, pior que segunda divisão do Campeonato Acreano, na sempre persistente e burra comparação futebolística. Não fazemos o mínimo esforço para sequer acompanhar o pessoal que tentou uma carreira diferente nos Estados Unidos ou aqueles jovens que comem o pão que o diabo amassou para tentar subir à Fórmula 1 um dia. Falamos mal de Barrichello, Massa, Nelsinho e outros sem sequer pensar no que eles passaram antes de chegar ao topo do automobilismo.
Você, que fala mal das performances do Luiz Razia na GP2, já viu alguma corrida dele? Você já se preocupou em saber quem são César Ramos, Felipe Nasr ou Nicolas Costa? Eu tenho uma seção aqui destinada a pilotos brasileiros que ainda estão nas categorias de base, a “O futuro já começou”. Conta um pouco de suas carreiras e mostra até mesmo seus patrocinadores. E é uma das menos acessadas. Como diabos você quer ver algum tipo de renovação se ninguém, nem mesmo a porra da mídia especializada, se lembra que há moleques bons de volante e sem qualquer apoio nas categorias menores? A culpa é deles. Minha. Sua.
Aí você diz que eu entro em contradição, já que fui contra Bruno Senna na disputa pela vaga na Renault. E que pego no pé do cara. Meu problema com ele não é pessoal, muito pelo contrário. É inegável que as portas foram abertas com muito mais facilidade para ele do que para pilotos brasileiros bem mais talentosos. E que isso só aconteceu por causa do sobrenome. Me responda uma coisa: qual você acredita ser a reação de um jovem brasileiro que está abandonando a carreira porque sabe que só alguém com o sobrenome e os contatos de Bruno Senna terá alguma chance? Ou com o dinheiro de um desses pivetes que se aventuram por aí? E o que você acha do fato das empresas só apoiarem um piloto devido ao seu sobrenome ou aos bons contatos? Você, que acha normal a ascensão de Bruno Senna ou o sucesso de um Pedro Paulo Diniz, contribui com a decadência do automobilismo. A culpa é deles. Minha. Sua.
Chegamos no kart e no automobilismo brasileiro. Todos, e isso certamente me inclui, falam mal da Stock Car, da Fórmula Future, das categorias de turismo tomadas pelos milionários, do kartismo. Adoram descer o cacete na CBA, nas federações estaduais, na Vicar, nos jornalistas pelegos, em tudo aquilo que, de alguma forma, se relaciona diretamente com o esporte a motor aqui.
Mas o que os jornalistas e palpiteiros de oposição, e isso me inclui, estão fazendo para melhorar? Bosta nenhuma. Não utilizam seu poder de influência para mobilizar os fãs, não protestam, não peitam a turma que está mandando, não fazem picas. Só ficam confortavelmente instalados em suas cadeiras giratórias escrevendo, tomando café da Starbucks e garantindo sua audiência. Isso porque falo daqueles que, definitivamente, não estão do lado do sistema. Dispenso comentários sobre os jornalistas pelegos, aqueles que acham que está tudo bem. São apenas parte da podridão e merecem meu desprezo. A culpa é deles. Minha. Sua.
Com isso, quero dizer que as categorias estão às mil maravilhas? Claro que não. O automobilismo brasileiro está morto. Falido. Corroído por gestões péssimas, para não dizer o mínimo. Não consigo sequer garantir a idoneidade da dinheirama que gira nesse meio. A CBA não faz nada, as federações estaduais só emitem carteirinhas e não promovem porcaria nenhuma, o kartismo é uma panelinha e as categorias principais só sobrevivem porque há uma pequena turma de endinheirados que precisa enfiar seu dinheiro em algum lugar. A maior parte dos poucos pilotos brasileiros que estão no exterior nunca precisou desse amontoado de lixo daqui. E espero que nenhum deles tenha a indecência e o cinismo de agradecer ao automobilismo brasileiro pelas suas conquistas.
Quem comanda tudo isso aí? Pessoas. O que quero dizer com essa terrível obviedade? Que os chefões do imberbe automobilismo brasileiro são gente como a gente. Que, um dia, também já deve ter se revoltado com as mesmas coisas que nós. Todos falamos mal deles, mas garanto uma coisa: a esmagadora maioria faria igual. Quem aí, estando na presidência de uma federação qualquer, não faria de tudo para encher seus bolsos? Eu não sou hipócrita e afirmo que não me garantiria. E por um motivo: o poder. Todo o esquema o obriga a deixar de lado os bons costumes e a fazer parte das tramoias. Sobreviver em um meio asqueroso desses significa participar de tudo. Por isso que sigo escrevendo. Ao menos aqui, meu caráter segue intocado.
Mas por que a gestão do automobilismo brasileiro é assim? Porque o brasileiro é, por natureza, um povo de caráter duvidoso, inteligência abaixo da média e egoísmo latente. Somos e merecemos ser subdesenvolvidos, pois preferimos colocar nossos valores e nossas necessidades pessoais à frente de um bem comum. A CBA, e também a CBF e todos os órgãos que envolvem um mínimo de política nesse país, são apenas uma representação institucionalizada explícita de nosso comportamento. L’êtat, c’est moi. A culpa é deles. Minha. Sua.
Aí você tende a por a culpa na Globo, que não apoia os pilotos brasileiros. Mas como ela poderia se, por exemplo, a audiência da Stock Car, que é a categoria mais conhecida e mais prestigiada do país, é tão baixa que a emissora platinada perdia feio para a Record? Como ela vai dar alguma atenção se a demanda por automobilismo é baixa? A Globo, uma empresa, só cumpre as leis da oferta e da demanda. Ela realmente é oportunista e não está preocupada em desenvolver uma nova geração de pilotos, mas quem disse que é sua obrigação? Por acaso, a BBC faz alguma coisa pra ajudar os pilotos ingleses? Mais uma vez, se nós realmente não damos a importância que achamos que o automobilismo merece, nada irá acontecer e a mídia popular seguirá marginalizando o esporte a motor. A culpa é deles. Minha. Sua.
Eu poderia me estender bem mais para mostrar os inúmeros fatores que levaram o automobilismo brasileiro e seus pilotos ao buraco que estão. Mas não quero torrar muito mais tempo e nem arranjar possíveis confusões. O fato é que está tudo errado. Pilotos, dirigentes, categorias, empresas, jornalistas, eles, tu, eu.
24 de fevereiro de 2011 at 14:30
Se for por torcida, a nossa não merece ter pilotos nem na F-Inferno. A torcida brasileira é a pior do mundo, um tipo de “torcedor”, entre áspas mesmo, que na verdade só torce por vitórias não por equipes ou atletas. É um tipo de torcida que é subornada pelas vitórias, algo como “você ganha e eu não te xingo”, “você ganha e nós não vamos chutar o seu carro”, etc.
24 de fevereiro de 2011 at 14:33
PS: O Brasil não vai superar a perda de Senna porque não tem cultura esportiva. Até do Guga tiravam sarro… é uma torcida que não merece mesmo ganhar ou sequer disputar algo. Até as torcidas “fiéis” chutam o carro dos ídolos na primeira derrota.
24 de fevereiro de 2011 at 15:30
Se o torcedor brasileiro tem um comportamento equivocado quando o assunto é futebol,imagina quando se trata do (teórico)insucesso de pilotos almofadinhas e alienados de um país subdesenvolvido?
É triste ver o Barrichello lamentar o fato de sua carreira ser mais repeitada e reconhecida na Europa do que em seu próprio país.
Veja o episódio do Nelsinho Piquet.
O piloto foi execrado em seu próprio país por acatar ordens de seus superiores.Fez isso apenas para segurar seu emprego.
Os mesmos torcedores que pediram sua cabeça topariam fazer coisas piores para garantir seu ganha pão ou para ter um dinheiro a mais no bolso.
É o famoso jeitinho brasileiro.
De fato,vivemos em um país que não merece ter pilotos na F1 e com um povo que não merece ter ídolos.
24 de fevereiro de 2011 at 15:33
Hoje em dia o mercado da F1 está muito concorrido, onde anda quem tem dinheiro; os pilotos brasileiros estão a pé!
24 de fevereiro de 2011 at 19:16
Perfeito o texto! Realmente é impressionante como nós caçamos como criminosos a imagem dos pilotos brasileiros, especialmente na Fórmula 1. Temos culpa sim se no futuro próximo não haver mais pilotos do Brasil na categoria máxima do automobilismo. Estou me “aventurando” no jornalismo automobilístico e vejo que será cheia de perigos. (Podium GP, Publiracing, Blog F-1 e Diário Premier).
24 de fevereiro de 2011 at 20:11
Não acho que faltarão brasileiros na F1.
Por causa dos nossos talentos emergentes?? Não.
Por causa de nossa economia emergente.
Há uma grande popularização dos ‘pay drivers’ na categoria. Tal fato provavelmente garantirá pilotos em equipes nanicas, pequenas e até médias (Maldonado na Williams).
Sempre será interessante para as equipes ter um brasileiro servindo de garoto propaganda.
Investir em pilotos com um mercado saturado não compensa (Hulkenberg), mas inverstir em pilotos com um mergado quase virgem é ótimo negócio (Petrov, Maldonado, Bruno, Ho Pin, Karthikeyan, Yoong…).
25 de fevereiro de 2011 at 4:58
Até que enfim alguém sem vergonha pra publicar um texto desse.
A torcida brasileira é realmente uma bosta. por isso aqui é o país do futebol: Essa merda de esporte ridículo e inútil; nisso o brasil inteiro presta atenção.
Agora na hora do automobilismo era pós senna, todo mundo acha que é obrigação ter um dom, pegar um carro de bosta e ganhar corridas homenageando a nação.
Homenagear quem, se ninguém dá o caralho do apoio que os pilotos precisam?
nem as proprias empresas confiam neles. Salvo raras excessões como nós, aqui, o automobilismo está perdido, até a nação por a mão na cabeça, e parar de olhar só por números, e sim por qualidade.
Por isso digo: nação de merda!
25 de fevereiro de 2011 at 10:13
Achei esse texto altamente infeliz! O brasileiro, ou pelo menos eu, sou inconformado com derrotas, ou com segundo ou terceiro lugar. O que nós não queremos ver, pois envergona o povo brasileiro que é um povo lutador, guerreiro que não desiste nunca é essa farsa de pilotar a troco de milhões de dólares. Pilote, lute pra ser um vencedor e não pra fazer os outros de vencedores. A grande verdade é que Fittipaldi, Piquet e Senna lutavam pra vencer e foda-se os outros, ser segundo piloto nunca passou pela cabeça deles. E nem pela dos brasileiros, que odia perder.
25 de fevereiro de 2011 at 10:52
Até onde eu sei, até mesmo o Pedro Paulo Diniz corria pra vencer.
E se você desvaloriza o segundo ou o terceiro lugar, você está errado. E sua mentalidade ajuda o automobilismo brasileiro a estar como está. Simples assim.
25 de fevereiro de 2011 at 13:33
Vira essa boca pra lá quando voce escreve “sua” culpa. Felipe Massa, expulso da Sauber, resgatado por Nicolas Todt por 30% do seu salario na ferrari, é o unico responsavel pelo fracasso brasileiro na formula um. Se vendeu. Engana a todos, diz que vai, e não faz e nunca fez nada. Qualquer piloto do grid faria melhor que ele na ferrari. Qualquer. Rubinho nao teve sorte. É otimo piloto mas Schumacher era melhor mesmo. Tambem nao teve sorte com Button, mas sao pilotos equivalentes. E Bruno Senna? Teve azar de ter o sobrenome senna e nao sorte. Deveria usar Lalli, nao seria tao cobrado. Quem voce se refere sendo melhor piloto brasileiro que ele? Digrassi? Que terminou 2010 atras no campeonato com carro melhor? Que tomou um pau nos testes da honda? Que nem foi cogitado para ser reserva renault mesmo tendo ficado anos por lá? Quem sao esses brilhantes pilotos brasileiros? Voce parece que tem uma venda nos olhos. Só enxerga o que quer. Os tempos de bruno foram os mesmos De heidfeld com os mesmos pneus. Eric afirmou que bruno seria o primeiro a testar, nao foi, ia chover no domingo, e eles ja pensavam no heidfeld, trocaram e o bruno se ferrou. Nao volta mais tambem. Feliz da australia que tem daniel ricciardo, senta e corre. Os brasileiros Nao tem carater duvidoso, Inteligencia abaixo da media e egoismo latente. Soh nao tem bons pilotos no momento. Tem bons jogadores de voley coisa que a australia nao tem. Se voce quer usar Massa como carater duvidoso, burro e egoista concordo plenamente, e acrescentaria os termos enganador, mediocre, incompetente e bosta. Isso que esse cara é. Lamentavelmente, uma vergonha para o brasil.
25 de fevereiro de 2011 at 15:03
Ay, caramba…
25 de fevereiro de 2011 at 22:08
Depois dessa, eu tive que sair da moita e vir aqui comentar pela primeira vez neste blog. Meus parabéns! Creio que este texto deve ser a “magnum opus” do Bandeira Verde. Disse tudo!
26 de fevereiro de 2011 at 1:19
E pelo jeito os brasileiros sem orgulho vem pra cá reclamar também, hehe.
sinal de que o texto os ofendeu, verde :D
26 de fevereiro de 2011 at 10:04
Missão cumprida, heh.
26 de fevereiro de 2011 at 13:02
Verde,
você sabe quais serão os rumos das carreiras do Gabriel Dias e Adriano Buzaid? Ano passado eles foram bem na temporada da F3 Inglesa, ambos ganharam corridas e até agora não se tem noticias de ambos.
26 de fevereiro de 2011 at 14:36
Sem comentários pra essa postagem, Verde. Muito bom texto meeesmo, parabéns.
27 de fevereiro de 2011 at 11:07
Texto excepcional. Mandarei para mais amigos que gostam de automobilismo.
E tem gente por aí precisando de aulas de interpretação de texto urgente.
Abraçao !