Todo ano, a história é a mesma. O sujeito, que não acompanha a categoria com assiduidade, olha para a lista de inscritos e entorta os músculos da cara. Ele checa piloto por piloto. Entre os vinte e seis, uns cinco ou seis devem ser familiares, mas não muito. Um deles já passou pela Fórmula 1. Este daí ele pensa que conhece bem. Passou vergonha pilotando um carro da Renault. O outro é apadrinhado da Ferrari, certo? Mas ele é mesmo francês? E esse sobrenome italiano? O brasileiro é aquele tal baiano, né? Mas por que ele tá com um número tão grande? Deve ser meia-boca, estilo Massa ou Barrichello.
Desde 2005, eu leio opiniões negativas sobre a qualidade dos grid da GP2. Segundo muitos, a cada ano que passa, o nível dos pilotos só piora. Para essa gente, o primeiro ano da categoria foi o melhor. Afinal, tivemos Rosberg, Kovalainen, Speed, Lopez, Premat, Lapierre, Bruni, Nelsinho, Carroll, Pantano, Viso e por aí vai. Só gente conhecida. Hoje em dia, quem lá do meio merece a Fórmula 1? Grosjean é mico. Bianchi? Bird? Van Der Garde? Coletti? Quem diabos são eles?
No início desse ano, as reações não foram muito diferentes do que vi nos últimos anos. Muita gente reclamou porque o grid da World Series está quase tão bom quanto o da GP2, os custos da categoria maior estão muito altos e o talento está sendo paulatinamente substituído pelo dinheiro. Enfim, as bobagens de sempre. O grid da GP2 está ótimo. Os dois últimos anos tiveram bons pilotos, mas a temporada tem talvez o grid mais competitivo desde os tempos da Fórmula 3000.
Só que ninguém entende isso por um único motivo: as trevas da ignorância. O sujeito se presta a emitir uma opinião furada qualquer sobre algo que não entende e não busca fazer uma mínima pesquisa para dar algum fundamento às suas críticas. O cara nunca ouviu falar em tal piloto. Logo, o piloto deve ser uma besta. O raciocínio é tão elementar. Pra que acessar o Google ou a Wikipedia e perder um ou dois minutos para conhecer um piloto novo se eu posso construir um julgamento instantâneo?
Como sou muito altruísta, vou poupar todo mundo deste doloroso trabalho. Faço um resumo bem curto dos principais feitos de cada um dos pilotos que foram inscritos para a etapa turca da GP2 europeia. Por ordem numérica:
1- FABIO LEIMER (RAPAX) – Suíço. Campeão da Fórmula Masters em 2009. Estreou na GP2 em 2010. Uma vitória e uma volta mais rápida.
2- JULIAN LEAL (RAPAX) – Colombiano naturalizado italiano. Nono colocado na AutoGP em 2010. Estreou na GP2 em 2011. Único feito até aqui: quebrar a perna do Davide Rigon.
3- CHARLES PIC (ADDAX) – Francês. Terceiro colocado na World Series em 2009, na Fórmula Renault europeia em 2007 e na Fórmula Campus em 2006. Estreou na GP2 em 2010. Uma vitória e uma pole-position.
4- GIEDO VAN DER GARDE (ADDAX) – Holandês. Campeão da World Series em 2008. Estreou na GP2 em 2009. Três vitórias e uma volta mais rápida.
5- JULES BIANCHI (ART) – Francês. Campeão da Fórmula 3 europeia em 2009 e da Fórmula Renault francesa em 2007. Vencedor da Fórmula 3 Masters em 2008. Estreou na GP2 em 2010. Três poles-positions.
6- ESTEBAN GUTIERREZ (ART) – Mexicano. Campeão da GP3 em 2010 e da Fórmula BMW europeia em 2008. Estreou na GP2 em 2011. Quase capotou em Istambul.
7- DANI CLOS (RACING ENGINEERING) – Espanhol. Campeão da Fórmula Renault italiana em 2006. Estreou na GP2 em 2009. Uma vitória, uma pole-position, uma volta mais rápida.
8- CHRISTIAN VIETORIS (RACING ENGINEERING) – Alemão. Campeão da Fórmula BMW ADAC em 2006. Vice-campeão da Fórmula 3 europeia em 2009. Estreou na GP2 em 2010. Uma vitória.
9- SAM BIRD (ISPORT) – Inglês. Vice-campeão da Fórmula BMW britânica em 2005, terceiro colocado na Fórmula Renault britânica em 2006. Estreou na GP2 em 2010. Uma vitória.
10- MARCUS ERICSSON (ISPORT) – Sueco. Campeão da Fórmula 3 japonesa em 2009 e da Fórmula BMW britânica em 2007. Estreou na GP2 em 2010. Uma vitória.
11- ROMAIN GROSJEAN (DAMS) – Suíço naturalizado francês. Bicampeão da GP2 Asia em 2007/2008 e em 2011, campeão da AutoGP em 2010, da Fórmula 3 europeia em 2007 e da Fórmula Renault francesa em 2005. Piloto da Renault em algumas corridas de Fórmula 1 em 2009. Estreou na GP2 em 2008. Cinco vitórias, cinco poles-positions, sete voltas mais rápidas.
12- PAL VARHAUG (DAMS) – Norueguês. Campeão da Fórmula Renault italiana em 2008. Estreou na GP2 em 2011.
14- JOSEF KRAL (ARDEN) – Checo. Vice-campeão da Fórmula BMW britânica em 2007, terceiro colocado na Fórmula Masters em 2009. Estreou na GP2 em 2010. Um quinto lugar como melhor resultado. Estudante de economia nas horas vagas.
15- JOLYON PALMER (ARDEN) – Inglês. Vice-campeão da Fórmula 2 em 2010, terceiro colocado na Fórmula Palmer Audi em 2008. Estreou na GP2 em 2011. Filho do ex-piloto Jonathan Palmer.
16- FAIRUZ FAUZY (SUPERNOVA) – Malaio. Vice-campeão da World Series em 2009. Ex-piloto de testes da Lotus e atual piloto de testes da Renault. Estreou na GP2 em 2005. Um quinto lugar como melhor resultado.
17- LUCA FILIPPI (SUPERNOVA) – Italiano. Campeão da Fórmula 3000 italiana em 2005. Estreou na GP2 em 2006. Duas vitórias, duas poles-positions, duas voltas mais rápidas.
18- MICHAEL HERCK (COLONI) – Romeno naturalizado monegasco. Campeão do campeonato de inverno da Fórmula Renault italiana em 2004 e da Fórmula 1.6 espanhola em 2004. Estreou na GP2 em 2008. Um pódio, uma volta mais rápida. É filho adotado de um dentista bem conceituado.
19- DAVIDE RIGON (COLONI) – Italiano. Bicampeão da Superleague Formula (2008 e 2010). Campeão da Euro 3000 em 2007 e da Fórmula Azzurra em 2005. Estreou na GP2 em 2009. Um quinto lugar como melhor resultado.
20- RODOLFO GONZALEZ (TRIDENT) – Venezuelano. Campeão da Fórmula 3 britânica National Class em 2006. Estreou na GP2 em 2009. Um quarto lugar como melhor resultado.
21- STEFANO COLETTI (TRIDENT) – Monegasco. Quarto colocado na GP2 Asia em 2011 e na Fórmula Renault europeia em 2007. Estreou na GP2 em 2009. Uma vitória.
22- KEVIN MIROCHA (OCEAN) – Alemão. Sexto colocado na Fórmula 3 alemã em 2008. Estreou na GP2 em 2011.
23- JOHNNY CECOTTO JR. (OCEAN) – Venezuelano. Terceiro colocado na Fórmula 3 alemã em 2008. Estreou na GP2 em 2009. Um quarto lugar como melhor resultado. Filho do ex-piloto e ex-motociclista Johnny Cecotto.
24- MAX CHILTON (CARLIN) – Inglês. Quarto colocado na Fórmula 3 britânica em 2009. Estreou na GP2 em 2010. Um quinto lugar como melhor resultado.
25- MIKHAIL ALESHIN (CARLIN) – Russo. Campeão da World Series em 2010. Estreou na GP2 em 2007. Um sexton lugar como melhor resultado.
26- LUIZ RAZIA (AIR ASIA) – Brasileiro. Campeão da Fórmula 3 sul-americana em 2006. Estreou na GP2 em 2009. Uma vitória.
27- DAVIDE VALSECCHI (AIR ASIA) – Italiano. Campeão da GP2 Asia em 2009/2010. Estreou na GP2 em 2008. Duas vitórias, uma pole-position, uma volta mais rápida.
Você viu? Dezesseis dos vinte e seis pilotos já ganharam ao menos um título na vida, por mais irrelevante que ele seja. São 27 títulos, quase um caneco para cada. O mais bambambã aí, de longe, é o franco-suíço Romain Grosjean, que já ganhou cinco títulos na vida e ruma como o favorito para vencer a GP2 europeia neste ano. Atrás dele, o italiano Davide Rigon tem quatro títulos no currículo, com destaque para o bicampeonato na competitivíssima Superleague Formula. Grosjean e Rigon são dois pilotos que já deveriam estar na Fórmula 1. Mas o mundo não é justo, a grama nem sempre será verde e os dois estão pagando seus pecados na GP2.
É visível que os caras que estão na GP2, de um modo geral, já rolaram muita pedra e já venceram muita gente antes de chegar lá. Além disso, são sortudos o suficiente para dispor dos quase dois milhões de euros necessários para comprar uma vaga nessa temporada. Alguns deles, como Bianchi e Grosjean, nem são tão ricos assim, mas dispõem da ajuda de grandes equipes de Fórmula 1 (Ferrari e Renault, respectivamente) para arranjar bons carros na GP2. Dizer que todos que estão lá são playboys vagabundos que só chegaram a esse patamar com o dinheiro do papai é algo ridículo, descabido e até maldoso.
Dos que estão aí, eu considero pilotos minimamente aptos para a Fórmula 1 o Leimer, o Pic, o Van Der Garde, o Bianchi, o Gutierrez, o Clos, o Vietoris, o Bird, o Ericsson, o Grosjean, o Filippi, o Rigon, o Aleshin, o Razia e o Valsecchi. Logo abaixo deles, podem evoluir muito com um pouco mais de experiência o Kral, o Palmer, o Herck, o Coletti, o Mirocha e o Cecotto Jr. Apenas o Leal, o Varhaug, o Fauzy, o Gonzalez e o Chilton me parecem estar defasados, mas isso acontece nas melhores famílias.
Nas duas corridas de Istambul, pude confirmar minhas ideias. Os pilotos dirigiam como gente grande, realizando belas disputas e excelentes ultrapassagens. Os erros, ao contrário do que costuma ocorrer nas demais categorias de base, não foram tão frequentes. E quando há a chance de acompanhar com mais atenção a atuação e a técnica individuais, ver uma corrida da GP2 se torna algo ainda mais divertido. Depois do que vi no fim de semana otomano, virei fã do Stefano Coletti, o monegasco que está acelerando muito desde a temporada asiática. Até aqui, ele fez vários milagres com o carro da Trident, equipe que conseguiu melhorar um pouco com a chegada do experiente engenheiro sueco Nick Wasyliw.
E o pessoal continua achando que o nível da GP2 está baixo. Já que você pensa assim, recomendo pesquisar a respeito dos grids de antigas temporadas da Fórmula 3000 ou da Fórmula 2, categorias que antecederam a GP2. Garanto uma coisa: com o alto número de vagas na Fórmula 1 em tempos remotos e nas próprias categorias de base, qualquer um conseguia entrar. Literalmente: se o cara havia terminado um campeonato de Fórmula 3 em 13º e tinha um pouco de dinheiro, encontrava vaga com facilidade. Hoje em dia, com o excesso de pilotos disponíveis no mercado e a falta de vagas nas categorias top, os donos de equipe se dão ao luxo de escolher quem paga mais – e quem anda mais.
Quero ver, daqui a sete ou oito anos, essa molecada desprezada atualmente vencendo corridas na Fórmula 1 e angariando legiões de fãs. Enquanto isso, a GP2 segue “com o nível mais baixo de pilotos desde sua estreia”. Até o fim dos tempos.
10 de maio de 2011 at 18:07
Em anos anteriores, o grid era pior. Esse ano deu uma boa melhorada, mas ficou ofuscado pelo bom grid da World Series. A “outra” categoria tem nomes como o Jean-Eric Vergne, o Daniel Ricciardo, o Robert Wickens, o Alexander Rossi e o César Ramos, que demonstram ser mais promissores que a turma da GP2.
10 de maio de 2011 at 18:24
Desculpe-me o termo, mas é irresistível: essa foi no saco de alguns que acham que sabem tudo de automobilismo e acabam com a GP2. Nomeadamente, por exemplo, o Fábio Seixas, que vive dizendo em seu blog que o Grosjean é um “panaca”. Em um post sobre esse fim de semana da GP2, disse que quando o Grosjean ganha alguma coisa é sinal de que algo na categoria está muito errado.
Enfim, ótimo texto novamente, Verde!
10 de maio de 2011 at 19:05
Essa Coloni aonde corre o Michael Herck e o infelizardo Davide Rigon é a mesma equipe que disputou as temporadas de 87 a 91 ou só é outra equipe que quer reviver o nome de antigas equipes de F1 como a Team Lotus?
10 de maio de 2011 at 19:18
A mesma Coloni. Só que quem tá mandando é o filho do Enzo Coloni, o Paolo.
10 de maio de 2011 at 20:34
Ah,é hereditário essa bagunça toda,a Coloni era do Enzo Coloni e agora é do filho Paolo Coloni,entendi.
10 de maio de 2011 at 20:39
Tecnicamente, o nível da GP2 piora todos os anos e não temos como negar. Saem campeões e entram novatos na categoria. O que, hã, é a coisa mais natural do mundo, afinal a própria GP2 impede que o campeão defenda o título…
Quanto à sua metodologia, eu fico um pouco com o pé-atrás. Acho que contabilizar títulos sozinhos para justificar o nível meio furado. Por exemplo, Josef Kral ter sido terceiro colocado da F-Master. Eram cinco ou seis pilotos naquele ano (tudo bem que eram Leimer, Kral, Rossi e Varhaug), mas acho forçar um pouco. Idem à National Class do Rodolfo Gonzalez ou ao torneio de inverno do Michael Herck. Aliás, esse daí não é belga naturalizado romeno?
11 de maio de 2011 at 0:19
Se seguirmos esta lógica, não há realmente como discordar. Mas o raciocínio é outro. O que muitos sugerem é que o cara que chega à GP2 hoje em dia é muito pior do que aquele que estreava em 2005 ou 2006. E que, evoluções dentro da categoria à parte, o cara que sai é inegavelmente mais hábil do que o que o que entra. É dizer que a turma de 2006 é melhor porque, empiricamente, viu Hamilton ser campeão e outros pilotos terem tido participação relevante no automobilismo mundial ao mesmo tempo em que ignora a capacidade dos atuais moleques.
Sim, há títulos ruins (os do Michael Herck são ridículos e o do Gonzalez eu quase não contabilizei). Mas são títulos e demonstram que eles tiveram de vencer alguém(ns) antes de chegar lá. Porque, se depender de várias opiniões por aí, é como se a categoria só tivesse Hamiltons e Rosbergs em seus primeiros anos e só Teixeiras e Arabadzhievs nesse segundo. E a história não é bem assim. Salvo exceções, um piloto da GP2 é um sujeito de relativo sucesso nas categorias menores.
Quanto à Fórmula Masters, dei uma olhada e vi que o menor grid de 2009 teve 12 carros. O maior teve 18. Em termos de equipamento, a categoria é mais ou menos parelha à Fórmula 3. Quer dizer, não é um campeonato exatamente pior do que outros que temos por aí.
E pelo que li sobre o Herck, ele é nascido em Bucareste, mas tem cidadania belga.
11 de maio de 2011 at 11:29
Maiores exemplos de tudo isso que VC disse: Kobayashi e Alonso
11 de maio de 2011 at 17:42
legal essa análise, piloto a piloto. ajuda muito em tentar acompanhar as corridas – todo ano me desinteresso pela GP2 porque parece haver pilotos demais, e ainda por cima alguns q permanecem, ‘eternos’ (opa! o pantano não corre mais lá! mas tem o luca fillipi ainda…).
falando apenas como espectador-torcedor: desgosto muito do jules bianchi. é bastante agressivo e compenetrado em busca de vitórias, mas talvez por isso mesmo incapaz de esboçar um sorriso, ou mesmo de uma expressão um pouco amigável q seja. oposto do ricciardo, por exemplo, que vem da mesma geração,é tido como muito bom piloto e vive sorrindo.
vi uma vez o bianchi (q é sobrinho-neto de lucien bianchi, vencedor de le mans 68 e morto nos treinos de lá em 69) levar junto um outro piloto numa tentativa de ultrapassagem por fora numa F3 em brands hatch. saiu do carro gesticulando contra o outro, q estava inerte, desacordado dentro do cockpit; daí então começou a mancar, ficou parecendo q resolveu demonstrar também ter problema, depois de ver a situação do adversário (q por acaso era um brasileiro,o tiago geronimi, mas no momento eu não sabia quem era).
em suma, me parece arrogante em excesso – vou prestar atenção neste ano, ver como se sai tendo q batalhar no meio de vários concorrentes.
talvez não por coincidência, é agenciado pelo mesmo cara do massa, o filho do jean todt. parece tão agressivo quanto o brazuca (demais pro meu gosto), só ainda não sei se tem a mesma falta de refinamento ao volante.
tenho simpatia pelo sam bird, vou torcer por esse.
acho q faz falta o finlandês valteri bottas, q mandou bem na F3 euro em 2009.
13 de maio de 2011 at 10:58
Este ano a categoria tem um bom grid, realmente… Espero ver o Gutiérrez e o Grosjean na F1 para o ano, até porque se fizerem boa figura são capazes de ter o apoio para uma boa vaga.
Vamos ver se a Ocean consegue uma boa temporada, porque os meus compatriotas estiveram um pouco mal o ano passado.