Na Austrália, deu errado. Na Malásia, deu certo. O pacotão que inclui o mecanismo da asa móvel, o famigerado KERS e a inépcia dos pneus Pirelli era o maior motivo de expectativa para esta temporada de Fórmula 1. Nos últimos tempos, sempre insatisfeitos com a temporada anterior, estamos sempre entrando em um novo ano cheios de expectativas por uma reviravolta, por alguma coisa que desse dor de cabeça a engenheiros, por uma novidade que pudesse inverter o establishment. Com o pacotão, não havia erro: as coisas seriam diferentes em 2011.
Na Austrália, deu errado. A corrida foi até mais chata do que a média, e a asa móvel se mostrou incapaz de permitir mais ultrapassagens lá no meio do pelotão. Na Malásia, deu certo. Até demais. Era um samba pra lá, samba pra cá, neguinho se colocando atrás do colega, pegando o vácuo do carro da frente, esterçando para o lado e partindo para o abraço na primeira curva. Segundo estatísticas nem um pouco oficiais, foram 56 ultrapassagens na corrida, média de uma por volta. O GP da Malásia de 2011 foi, de longe, a corrida com mais ultrapassagens da história do circuito na Fórmula 1. Imediatamente atrás, temos a edição de 2001, com doze a menos. O que uma asinha que se mexe, um pneuzinho que não aguenta o ritmo e um trambolho que não serve para nada fazem em uma corrida, hein?
Engraçado é ler o que as pessoas acharam disso. Gente grande da Fórmula 1, como o piloto espanhol Fernando Alonso e o poderoso chefão ferrarista Stefano Domenicali, enalteceu as mudanças. Muitos fãs, no entanto, tiveram opiniões bem críticas quanto ao resultado final. E não bastando serem críticas, elas também foram basicamente contraditórias. Esse é o cuore do texto de hoje.
Após a corrida australiana, todos ficaram indignados com o tédio proporcionado pela total falta de ação. Ultrapassagens, cadê vocês? E a indignação, nesse caso, foi ainda maior porque a etapa de Melbourne sempre proporciona boa diversão noturna. Até aí, tudo bem, eu também fiquei puto da cara por ter jogado duas valiosíssimas horas de sono no lixo para ver um troço chato pacas. Duas semanas depois, a corrida malaia.
A situação foi basicamente inversa à da corrida anterior. Como apresentei lá em cima, as ultrapassagens eram muitas, eram fáceis e tal. E não é que boa parte das pessoas não gostou? Se a corrida de Melbourne pecou pela falta de ação e de ultrapassagens, a de Sepang foi ruim por ter tido muita ação e muitas ultrapassagens, o que banalizaria o esporte! Pode?
Em tempos nos quais exigimos a perfeição de tudo o que nos ronda, estamos sempre prontos para criticar algo, nem que cheguemos ao ponto de reclamar que o branco é muito claro, o preto é muito escuro e o cinza é deveras intermediário. Se a corrida não teve ultrapassagens, foi obviamente péssima. Se ela teve muitas ultrapassagens, foi artificial e banalizada. Se ela teve algumas ultrapassagens, poderia ter tido um pouco mais. Ou um pouco menos, diriam alguns patológicos. Se o grid está cheio, é ruim porque permite a entrada de pilotos de baixa qualidade. Se está vazio, é ruim porque poucos pilotos bons encontram vagas. Se o piloto fala demais, é um idiota. Se o piloto não fala nada, é um autista. Se o piloto fala coisas normais, é um normalzinho previsível. O copo está sempre meio vazio, portanto.
Antes que você aponte o dedo no meu nariz dizendo que eu sou um dos maiores implicantes dessa blogosfera automobilística, reconheço que critico demais e que reclamo sobre coisas bem insignificantes. O que não dá pra admitir é crítica sem fundamento. E sem coerência. Se me meto a falar mal de algo, devo pesquisar a respeito e expor claramente as opiniões, independente do fato delas valerem algo ou não. Não tenho nada contra gente reclamona. Na verdade, dependendo da pessoa, até gosto, pois a reclamação pode ser uma bela arte retórica. O problema é sair por aí disparando besteiras por emotividade ou pelo simples prazer do destrutivismo gratuito. Destrutivismo, gostei da palavra.
Quer saber de uma coisa? Os fãs de automobilismo, no geral, não têm a menor ideia sobre o que querem e sobre o que não querem. A esmagadora maioria. Não acredita? Jogo uns exemplos.
Lá pelos idos de 2003 ou 2004, era socialmente aceitável dizer que as montadoras haviam tornado a Fórmula 1 um negócio extremamente caro e as equipes garageiras não tinham vez. “Ah, que saudade da Tyrrell, da Lotus e da Brabham, dos tempos em que um engenheiro cheio da boa vontade poderia abrir uma equipezinha com seus dez amigos sem ter de enfrentar balancetes trilionários”, diziam. A Minardi acabou se tornando o xodó dessa gente. Era pobrezinha, gastava anualmente os mesmos 30 milhões de dólares da Hispania, não incomodava ninguém, não tinha perspectiva nenhuma de crescimento e representava a luta de Davi contra Golias. Ah, os bons tempos das garageiras!
Quase dez anos depois, o que temos aí? Das doze equipes da temporada, apenas três representam montadoras diretamente. Ou melhor, nem isso, já que a Renault é comandada por um grupo financeiro de sei lá o quê. Temos aí um monte de equipes independentes, algumas garageiras (Williams, Sauber) e outras até abaixo disso, como a chineleira Hispania. E aí? “Esse monte de equipezinha emporcalha o grid”. “Ah, como era bom o tempo em que só havia montadora”. Como é que é?
Outro bom exemplo é o das pistas. Em tempos não tão remotos, alguns circuitos eram tão rejeitados quanto órfão gago. O antigo Hockenheim era um deles: “um oval travestido de misto, não demanda talento, é só seguir acelerando nos intermináveis retões”. A versão mista de Indianápolis: “aquele trecho misto é pavoroso, e a curva oval é muito perigosa”. A versão remodelada de Imola: “depois do acidente do Senna, destruiram o circuito”. Ou o circuito franco de Magny-Cours: “travadíssimo, não permite ultrapassagens e é muito estreito”.
Hoje em dia, não é necessário muito esforço pra encontrar em fóruns e locais onde qualquer um fala o que quer opiniões um tanto quanto distintas do parágrafo anterior. “Hockenheim faz muita falta, é um circuito muito bonito e muito veloz”. “Indianápolis era bem legal, os engenheiros tinham de escolher entre fazer um carro veloz no trecho oval ou um carro estável no trecho misto”.
As opiniões relacionadas a Magny-Cours e à última versão de Imola são as mais absurdas. “Magny-Cours era muito legal, o tempo sempre pregava uma peça”. “Gostaria muito de ver Imola de volta”. “Sinto falta da pista francesa, pois ela era seletiva e permitia haver boas corridas”. Não me conformo em ver gente elogiando estas duas últimas pistas. No tempo em que elas estiveram no calendário, todo mundo reclamava. O que explica? É um eurocentrismo medroso da expansão asiática?

Magny-Cours, que é relembrada com carinho por muitos. PORRA! Na minha época, era uma das pistas mais odiadas do calendário!
Em 2006, em uma coluna da revista F1 Racing, o ex-dirigente Max Mosley proferiu que as reclamações daqueles que pediam por mais ultrapassagens poderiam ser perigosas, pois tudo aquilo que é desejado pode ocorrer, e aí ficaria muito difícil voltar atrás. Na época, cobri Mosley de pensamentos negativos, cobras e lagartos. Hoje em dia, vejo que ele estava rigorosamente certo nesse sentido. Ninguém sabe bem o que deseja para o automobilismo. E exatamente por isso, uma mesma pessoa pode ter duas reações completamente distintas a uma única coisa.
E creio ser por isso que a Fórmula 1, de alguma forma, ignora os anseios dos espectadores. Por mais que pensemos o contrário, Bernie Ecclestone e companhia sabem mais das deficiências de seu esporte do que qualquer outro. Bernie tem consciência de que a Fórmula 1 é caríssima, que as corridas são chatas, que lidar com a burguesia asiática é uma merda, que a audiência vem caindo e que todo mundo está insatisfeito. Mas até quando ceder às voláteis opiniões externas fará com que o esporte melhore? Se depender da maioria das opiniões que leio por aí, a tendência seria piorar muito.
Portanto, se você acha que está tudo errado, pondere um pouco. Se você quer palpitar sobre alguma coisa, estude um pouco sobre a história dessa coisa. Busque entender o porquê dessa coisa ser de tal maneira e não de outra. E não saia por aí mudando de lado e deixando a racionalidade de lado, porque você pode se encontrar como um pateta falando mal de algo que, teoricamente, corresponde ao que você defendia, e vice-versa. Que nem está acontecendo com esse negócio de “excesso de ultrapassagens”.
Quer dizer que critico demais? E que reclamo de coisas insignificantes? Pois reclamo mesmo. E eu reclamo mais ainda de gente que não sabe criticar. Mas não vou chegar lá na frente e reclamar dos que criticam bem. É a coerência, meu amigo.



14 de abril de 2011 at 2:15
Tem gente que nunca se dá por satisfeita. É sempre assim. É do ser humano nunca está satisfeito.
Finalmente achei alguem que concorde comigo no GP da Malásia. Foi um show de ultrapassagens e que nos dá a sensação de que a fórmula 1 ficará indefinida para vários pilotos na disputa do título.
Mas o que me dá mais saudade é saber que na minha época (de 2000 em diante) eu não conheci a verdadeira Williams de Prost, Mansell, Piquet e outros, que fez história e hoje também faz, por pagar um papelão de equipe que vive da nostalgia de tempos outrora glorificantes.
No mais, espero sim, como qualquer apaixonado por automobilismo, que a fórmula 1 não tenha exageros e nem escasseies de ultrapassagens, batidas, brigas, etc. Mas que ela seja emocionante e divertida como sempre deve ser.
Abraço fera e sucesso!
14 de abril de 2011 at 9:43
Eu, particularmente, nunca me incomodei muito com a questão das ultrapassagens. Gosto tanto do esporte que a beleza dele, pra mim, está simplesmente em ver os carros na pista.
Não gostei dessas mudanças, pois deram um artificialismo ridículo às “disputas”. Coloco entre aspas porque as variáveis foram tantas, entre pneus gastos, asas móveis e KERS, que muitas ultrapassagens se tornaram falsas e artificiais.
Os novos pneus Pirelli acabam antes que se inicie uma disputa, jogam uma sujeira infernal no lado de fora da pista, comprometendo as disputas e tolhendo o talento dos pilotos com mais ousadia.
Não dá pra entender os motivos para tantas mudanças, quando se tem em vista que o campeonato de 2010 foi ótimo.
14 de abril de 2011 at 13:19
Muito bom o texto! Se até ano passado as reclamações (e frequento a mesma comunidade que você, Verde!) eram “não tem ultrapassagem” hoje leio as mesmas pessoas falando “está artificial!”. No fim, está artificial mesmo. Só que o “normal” é ter carros onde é dificil de ultrapassar e pra burlar isso a FIA criou mecanismos pra facilitar. Resolveu um problema que os telespectadores reclamavam aos montes, não vai faltar ultrapassagem, ao custo delas se banalizarem!
Achei muito boa as mudanças da FIA, asa móvel e KERS devem ditar muitas tendencias. Só falta acertar a melhor maneira de usá-los!
14 de abril de 2011 at 15:06
Eu prefiro não comentar muito sobre asa móvel, KERS ou o que for..
Até gostei da corrida da Malásia, o que significa que ela não foi chata, ou seja, deu para passar o tempo, foi uma corrida normal, só. Não teve nada além na maioria das disputas, só uma briga por posição que realmente me animou e me fez levantar do sofá, a disputa Hamilton x Alonso..
É tão empolgante ver o piloto que está atrás buscando a posição de qualquer jeito e o que está a frente defendendo-a de verdade [e olhe que nem foi isso tudo, mas comparando com as outras disputas, foi uma guerra], fui radicalmente contra as punições aos dois pilotos [também tive a mesma reação em relação à reprovação da maneira que o Schumacher defendeu a posição contra o Rubens], eles correram e me empolgaram muito, disputaram a posição e foram punidos, detesto certas punições.
Voltando ao tema do texto, a insatisfação é natural, sempre queremos algo que não temos ou que chegamos um dia a ter. Eu já me dou por satisfeito em ver os carros correndo e os pilotos brigando de verdade, o problema pra mim é quando os dois não se complementam.
14 de abril de 2011 at 15:22
Gostei do texto, mas vc está generalizando. Eu não reclamava de Magny-Cours e San Marino, sempre achei as duas um máximo. E, portanto, não eram todos que reclamavam das pistas francesa e italiana.
14 de abril de 2011 at 15:35
Sim, é claro. Mas eram as duas pistas que mais me chamaram a atenção nesse sentido. Quando elas estavam no calendário, todo mundo queria que ambas caíssem fora. Foi só elas cairem fora pro pessoal sentir falta.
14 de abril de 2011 at 17:10
OK, Verde. Parabéns pelo blog e continue produzindo bons textos.
14 de abril de 2011 at 16:04
Engraçado que fui dos circuitos, sempre fui um dos únicos que defendi Indianapolis (Hockenheim antigo foi desmantelado quando eu era uma criança) e nunca gostei das corridas de Magny-Cours (Apesar de ser uma das pistas mais legais de se correr no F1 06: CE).
PS: Verde, como você gosta do rock britânico, você é fã de Oasis ou Kaiser Chiefs? Ou ambos?
14 de abril de 2011 at 16:11
Oasis é bom e Kaiser Chiefs tem umas musiquinhas boas, mas não sou fã nº 1 de nenhuma delas.
14 de abril de 2011 at 20:04
Aí garoto!tu tambem gostava de Indianapolis,cara,ela era demais,uma curva 13 muito bacana,perigosa e arriscada,ah Tilke,faz uma pista assim dessas.
14 de abril de 2011 at 18:15
Eu não gostei dessa asa movel e do Kers desde o inicio, isso tirou um pouco da naturalidade das ultrapassagens, os pilotos não defendem mais as posições, ficam quietinhos, nao se mexem muito, torcendo para que o outro se empolge e perca a freada, na verdade acho que isso nem precisaria ser utilizado já que a grande mudança mesmo foram os pneus. As diferenças dos pneus eram muito grandes, tanto que o Alonso teve problemas para usar a asa movel e mesmo assim colocou o carro do lado do Hamilton. Mas tenho que adimitir que essas mudanças deram certo já que a corrida teve um ritmo quase caotico do inicio ao fim e foi bem divertida, com muitas ultrapassagens, se o objetivo seria melhorar o espetaculo para aumentar a audiencia e ter novos fãs vem dando certo, mas os fãs mais antigos, como eu, irão demorar para se acostumar com essa nova F1.
Sobre os circuitos que vc falou, a pista q eu mais gostava no playstation era hockenheim, magny-cours e imola eram chatas e indianapolis só dava schumacher, mas era legal ver os carros de F1 passandopela curva 1 do oval, só que essas pistas foram substituidas por outras ridiculas como Valencia, abu dhabi, Cingapura, bareim
14 de abril de 2011 at 22:53
Também não achava Magny-Cours tão ruim assim; quase sempre a chuva batia cartão nas corridas e/ou treinos e dava uma embaralhada no grid, tinha algumas curvas interessantes, como aquela chicane em descida antes da entrada dos boxes.
Claro que só havia 1 ponto claro de ultrapassagem, aquele hairpin no final da “longa” reta, mas acho que ainda deixa muitas criações “tilkeanas” no chinelo.