
Eminem no F1 Rocks de São Paulo no ano passado. Porque Eminem, rock e automobilismo têm tudo a ver, né?
Num belo dia, o leviatã Bernie Ecclestone assinou uma papelada com a Universal Music e criou o F1 Rocks, um festival de música que acompanharia algumas das etapas da Fórmula 1. Aproveitando o perfil médio do fã de automobilismo, que é jovem de classe média e que gosta de música pop, o F1 Rocks costuma reunir alguns dos nomes principais do rock, da música eletrônica, do rap, do hip-hop e de mais um monte de gêneros diferentes. Só falta Milionário e José Rico.
Em Cingapura, teremos uma programação curiosa. Vocês já ouviram Massive Attack? Trata-se de um duo britânico que praticamente fundou o trip hop, subgênero da música eletrônica marcado pelas batidas hipnóticas e pelas referências claras ao hip hop e à música ambiente. Em suma, é um tipo de música bom para ficar deitado na grama olhando para o céu pensando em duendes e ovelhas voadoras. A música mais conhecida do Massive Attack é Unfinished Sympathy, lançada no álbum Blue Lines, de 1991.
Além do Massive Attack, também estará em Cingapura o Linkin Park, bandinha de pop-rock com elementos do rap que foi adotada em massa pela criançada que acabou de trocar o Discovery Kids pelo VH1. Até tem lá suas músicas razoáveis, mas a “atitude” de seus fãs derruba qualquer bom conceito. Também darão as caras lá no Sudeste Asiático o Rick Astley, branquelo com voz de negão que fazia o maior sucesso nos anos oitenta com o arrasa-corações “Never Gonna Give You Up”, o Shaggy, cantor de reggae e jamaicano bombástico, e a Shakira, compatriota de Juan Pablo Montoya que dispensa maiores apresentações.
Vocês realmente acham que, em plena terça-feira chuvosa, eu não reclamaria sobre alguma coisa? Vocês realmente acham que, em plenas férias de Fórmula 1, eu não caçaria um assunto ainda mais inútil do que o próprio automobilismo para encher lingüiça aqui? Pois é, estão redondamente enganados.
F1 Rocks. Rocks. Rocks? Imagino eu, do alto da minha inocência pueril, que um evento musical com a palavra “Rocks” deve privilegiar aquele gênero costumeiramente conhecido como rock. Pois bem, haverá rock em Cingapura? Massive Attack é bom, muito bom, mas não é rock. Linkin Park é um pastiche que pega meio quilo de rock, um quilo de rap, mistura tudo no liquidificador e chama carinhosamente o resultado disso tudo de “new metal”. Shaggy não é rock nem aqui e nem em Kingston. Rick Astley é um subproduto da cultura kitsch dos anos 80. E a Shakira é a Shakira.
Quer dizer, há muito pouco de rock aí. Na verdade, nas demais edições do F1 Rocks, predominaram aqueles artistas pop de músicas fáceis, boa aceitação na mídia e pouca relação com o rock propriamente dito. Ou alguém aqui acha que Eminem, David Guetta, Marcelo D2, N.E.R.D., Black Eyed Peas, Beyoncé e Jamiroquai são bons exemplos de cantores e bandas do gênero? Conferindo o site oficial do evento, vi apenas uma única banda de rock: o Stereophonics, do País de Gales. Eu gosto muito de Stereophonics, recomendo Superman e Innocent, mas é muito pouco para um evento “Rocks”.
Mesmo sem nunca ter ido a um F1 Rocks, e sem ter interesse algum nisso, não consigo não ficar incomodado com este negócio de abrigar um monte de gêneros diferentes sob a alcunha de um evento de rock. O conceito do F1 Rocks parece seguir a filosofia do Rock in Rio, que começou como um festival onde o rock predominava (sim, eu sei que a primeira edição teve Elba Ramalho, Al Jarreau e Eduardo Dusek, que eram tão roqueiros quanto Chitãozinho e Xororó) e se transformou em um condensado no qual há de tudo. Até mesmo rock, embora em proporções homeopáticas.
No caso do festival ligado à marca Fórmula 1, o negócio me incomoda um pouco mais exatamente pela relação histórica entre o esporte e o rock. Quem não se lembra, por exemplo, do quanto o beatle George Harrison, falecido em 2001, gostava de automobilismo? Não, não me refiro apenas à Fórmula 1: Harrison freqüentava até mesmo as corridas de Fórmula Ford na Inglaterra e, às vezes, dava uma de jornalista e fazia seus comentários sobre uma boa corrida ou uma jovem promessa. Há outros exemplos. Em 1992, o vocalista do Duran Duran, Simon LeBon, foi assistir a uma corrida de Fórmula 3000 lá nos boxes da equipe Paul Stewart Racing. Alguém aí imagina um pagodeiro indo assistir a uma corrida da Fórmula 3 sul-americana por vontade própria?
O que une rock e automobilismo? Tanto um como outro representam formas de escape de uma realidade morosa, estúpida e entediante. O rock é aquele movimento musical que possui a nobre função social de contestar uma sociedade, um comportamento, uma questão política, um momento cultural ou simplesmente detonar “tudo o que está aí”. O automobilismo é um esporte que desafia os reflexos e a coragem dos seus praticantes. São ambientes nos quais a apatia, a rotina e a burocracia não adentram – não por acaso, tanto um como outro atraíram multidões com o passar das décadas.
OK, eu não disse nada com nada até aqui, até porque não entendo nada de música e minha criatividade já esteve em dias melhores. Só quero dizer que a grande graça do rock e do automobilismo, na teoria, é não se curvar ao conservadorismo e ao politicamente correto. Infelizmente, este postulado ficou apenas na teoria.

George Harrison e James Hunt, dois bons amigos nos anos 70. Alguém imaginaria, sei lá, Beyoncé e Fernando Alonso em foto parecida?
Não sei quanto a vocês, mas o F1 Rocks, para mim, é um claro sinal de como vão as coisas no automobilismo e na música. Falando apenas do festival, um sujeito que realmente gosta de rock não consegue engolir com facilidade a presença de um monte de rappers ornamentados com bonés brancos, colares de ouro e cara de mau, cantoras de cabelo forçosamente liso e nariz empinado até os céus e bandas melosas criadas cuidadosamente para deleitarem meninas fúteis que permanecem atoladas na infância aos 15 ou 16 anos. É um culto insuportável à aparência, ao sucesso fácil e às músicas tolas de refrão bonitinho e melodia imbecil. Tudo o que o rock, até algum tempo atrás, renegava.
O povo argumenta que os festivais fazem isso porque o que dá dinheiro hoje em dia é o rap, o hip-hop e as tais músicas para adolescentes idiotas. Imagine, então, que o promotor do F1 Rocks é Bernie Ecclestone, que não solta um arroto sem embolsar algum. Portanto, não faria sentido algum para alguém como o pequeno judeu trazer aos palcos uma série de bandas de metal, rock alternativo ou coisas do tipo se estes tipos de música já não seduzem como antigamente. Eu até concordo com o argumento, mas não deixo de acreditar que isso é uma merda. As opções estão cada vez mais escassas e você é praticamente obrigado a gostar do que é oferecido a você. Esqueça o rock, bom mesmo é Usher.
O automobilismo segue pelo mesmo caminho e eu já falei demais sobre isso. Não reclamo sobre o nível das corridas ou dos pilotos, que são os mesmos desde sempre. Falo, sim, daquele restinho de espírito esportivo que restava até pouco tempo atrás. Hoje em dia, Bernie abandona circuitos divertidos para abraçar qualquer porcaria construída em padrões astronômicos no meio do nada a valores bilhardários, impõe exigências absurdas a quem quiser montar uma equipe nova, estimula conflitos que atraiam todas as atenções do mundo ao seu esporte, dá vazão a idéias absurdas que supostamente melhorariam o “espetáculo” e sai de cena como o único a lucrar. Ao mesmo tempo, a FIA impõe regras estapafúrdias, restringe a criatividade dos engenheiros, comprime os custos de maneira impensada, proíbe qualquer possibilidade mínima de perigo e desafio e fecha os olhos para os problemas reais. Tudo em nome do dinheiro e da aceitação politicamente correta.
Neste início de milênio, estamos vendo o rock e o automobilismo se rendendo de maneira impotente a tudo aquilo que eles se preocuparam em combater no século passado: a caretice, a previsibilidade, a aversão aos riscos, a falta de critérios, a covardia e o desinteresse. Sim, mesmo o automobilismo, para mim, é uma espécie de atividade libertária. Ou alguém aqui acha convencional o sujeito correr a mais de 300km/h visando chegar a lugar nenhum?
Para mim, o F1 Rocks simboliza tudo isso que eu falei. Há quarenta anos, quando se falava em corrida de carro, todo mundo pensava nas baratinhas acelerando pelas curvas desafiadoras de Nordschleife. Há quarenta anos, quando se falava em rock, todo mundo pensava em Rolling Stones, Beatles e Elvis Presley. Há quarenta anos, quando se falava em festival de música, todo mundo calçava suas sandálias e rumava a Woodstock. Hoje em dia, a música e o automobilismo se reúnem em um local grandiloqüente no qual um rapper faz barulho enquanto seus fãs brancos fingem sentir algum tipo de revolta tirando fotos com seus iPhones e postando no Twitter. Depois, eles seguem a algum autódromo tilkeano, acessam o camarote de alguma multinacional e se entopem de coxinha e refrigerante. Se sobrar tempo, até assistem a uma corrida de Fórmula 1.
Fico nervoso com essas coisas. Vou escutar Morcheeba para ficar um pouco tranqüilo.
9 de agosto de 2011 at 18:01
Tem razão, não temos mais rock propriamente dito no mundo. Rock in Rio terá Luan Santana, Cláudia Leite, Ivete Sangalo, Katy Perry…, essa última compensa só de ver, musicalmente é outra coisa. Quando tiver tempo, podia colocar mais uma da série ”Um dia com”. Que tal o Mika Hakkinen?
9 de agosto de 2011 at 18:30
Verde, vc nao gosta das escolhas do F1Rocks pq é um tremendo indie, isso sim!
Importante dizer que os Beatles e o Elvis falavam basicamente de amor. Claro que falavam sobre outras coisas tbm, mas deixa pra lá.
o Woodstock ele foi aquele negócio de ‘paz e amor’ por conta da Guerra do Vietnã.
o surgimento de bandas punks veio como protesto nos anos 70, mas tem gente que ainda prefere dizer que a década foi marcada por aquelas danças bizarras das discotecas.
A grande questão, é que essas pessoas que falavam “sobre o amor” foram destacadas pelo mínimo de criatividade, hoje em dia, isso é rarissímo.
ja falei demais, flw Verde, abs!
9 de agosto de 2011 at 21:41
Indies gostam de café. Eu detesto, hehe.
9 de agosto de 2011 at 19:19
Atualmente a base para uma “boa” música mudou.
Noto que desde o início dos anos 2000, o gênero musical “Black Music” ficou mais em evidência e praticamente nunca mais saiu de moda. Tenho a impressão que para muita gente esse gênero tomou o lugar do Rock como “uma forma de liberdade de expressão”.
Salvo algumas exceções, se acessar um site de qualquer radio FM, verá que “Black Music” ou o tal “Sertanejo Universitário” dominam o “top-10”. Dificilmente verá algum hit de alguma banda de rock; estas somente em rádios “especializadas” no assunto.
E é isso ae. Como Mr. Ecclestone sempre está atras de mais algum, por que chamaria bandas realmente ligadas ao Rock quando pode chamar bandas que são financeiramente mais atrativas? F1 Rocks? Ah dane-se o “Rocks” deve pensar Ecclestone…E o publico agradece, “canta” junto, grava no iQualquerCoisa e depois ouve com o volume no talo no seu carro-central-multimidia…
9 de agosto de 2011 at 19:57
F1 Rocks?Isso serve para ver no que o mundo virou,Lady Gaga,Justin Bieber,Restart,Cine (estes ultimos dizendo que é rock,mas rock mesmo é Metallica,Turbonegro,Ramones entre outros…).Fico indgnado vendo isso.
10 de agosto de 2011 at 1:14
unica banda de rock que teve foi zztop em 2009 em cingapura
10 de agosto de 2011 at 1:24
Nem sabia da existência. Sou um autista da vida social da F1…
11 de agosto de 2011 at 1:14
[2]
10 de agosto de 2011 at 2:39
Ei galera, beleza?!
Concordo em vários aspectos com o texto do Verde, o F1 Rocks é mais um espetáculo com fins lucrativos, e para maximizar estes são contratados atrações que esgotem as bilheterias. Se quiserem festival indie/rock comprem passagem pra Alemanha e vão ver RockAmRing, em Nurburgring (eu queria poder…).
Ao Daniel do comentário 3, black music ficou na moda em ’90, com bandas como Jamiroquai. Essa merda de hip hop, rap e afins é simplemesmente música da juventude americana (que por tabela vira mundial), e não black.
A propósito, o vocalista do Jamiroquai (J-Kay) também gosta de automobilismo, tem uma grande coleção de carros esportivos e moscas brancas. Seu bom gosto pode ser comprovado no clipe do link, onde exibe um raro Bentley e uma linda loira:
Sim, o carro e a garota valem muito mais que a música.
Abraços
10 de agosto de 2011 at 9:58
Po, verde. Faltou postar o clipe de “Faster”, do George Harrison neste post, ein? Coisa linda aquelas imagens da f1 dos anos 70! http://www.youtube.com/watch?v=jMm4bhs6GYY Tem ai algumas curiosidades que associam rock x automobilismo. Tente listar os piloto que tocam guitarra! Existem varios De cara me lembro do Damon Hill, do J. Villeneuve, Cristiano da Matta, tem um video do Sebastian Vettel tocando “Smoke on the Water” do Deep Purple, e um do Jenson Button tocando Wonderwall do Oasis e por ai vai. Sei que entre os brasileiros, o Barrichello e o Massa tem guitarras dadas e autografadas pelo Eric Clapton, que aliás sempre acompanha a F1 nos padocks da vida. E uma outra curiosidade interessante é que o Brian Johnson, vocalista do AC/DC é piloto de categorias de turismo australiana (?) e vai estrear em Daytona na corrida que abre o calendário 2012 da pista.
10 de agosto de 2011 at 12:02
Lindo, seria um F1 Rocks no GP da Inglaterra, com:
Bloc Party, Radiohead, Iam Brown, Oasis, Blur, e PJ Harvey
Seria um tremendo sucesso, com um grande público, e música de altíssima qualidade. Todos sairiam ganhando, nós fans com música boa, e o Bernie com o seu caso Hugo Boss cheio de libras esterlinas.
10 de agosto de 2011 at 12:13
Porra, se tivesse tudo isso aí, venderia o carro e iria para a Inglaterra limpar latrina com a língua para ver isso aí.
10 de agosto de 2011 at 15:54
Não dava para esperar outra coisa do Tio Bernie.
Mas pra ser sincero,um final de semana de shows,festas e corrida não é nada mal.
10 de agosto de 2011 at 17:45
Concordo … Exceto Linkin Park. Vc pode nao gostar, mas dizer o que disse mostra que vc nao ouve a banda!
Mas to nem ai. Importante é saber que F1 e Rock in Rio não são mais o que eram.
11 de agosto de 2011 at 6:59
Pelo contrário. O comentário dele foi perfeito.
Mais do que ter ouvido a banda, ele mostrou que tem um bom senso crítico musical.
O que ele falou sobre o Linkin Park está absolutamente correto. Não dá pra tirar uma vírgula.
Pra mim, quem gosta de Linkin Park é gente que não entende porra nenhuma de música. Jogou o ouvido no lixo.
12 de agosto de 2011 at 19:11
concordo